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Mino: o Brasil merece este governo demente?

Nesta moldura, avulta a inércia brasileira
publicado 04/11/2019
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(Crédito: Alan Santos/PR)

Por Mino Carta, em Carta Capital - Não é por acaso que a definitiva derrocada brasileira tenha encontrado uma simbologia tão expressiva como na conquista de uma primazia mundial. Somos o país mais desigual do mundo ou vice-campeão na matéria, superados apenas pelo Catar, minúsculo emirado que não passa de um feudo de uma família árabe imperial. Há exatamente 17 trimestres, conforme aponta a Fundação Getúlio Vargas, o descalabro não chegara a esse ponto. A partir desse momento, inicia-se o mergulho irresistível. O momento coincide sinistramente com as preliminares do golpe de 2016. E concretiza-se nos anos a seguir até o resultado diabólico da eleição de Jair Bolsonaro.

Vale perguntar aos nossos botões, cada vez mais impotentes, se o próprio Brasil não estaria a merecer este desfecho, provocado por um golpe praticado pelos próprios poderes da República com o intuito de eliminar do páreo presidencial de 2018 o candidato Lula, tido como portador de uma ameaça que jamais existiu, nascida da fantasia dos senhores da casa-grande, inspirados por Tio Sam. Essa é a tônica de uma situação que se desenrola desde a eleição democrática de Getúlio Vargas e se estende até os governos petistas. O golpe de 1964 já definiu o roteiro: evitar a “comunistização” do País era o que precipitava as razões dos eternos donos do poder, em primeiro lugar os Estados Unidos da América do Norte, dos quais os nossos governantes tanto apreciam ser vassalos.

Nem Getúlio, tampouco Lula representaram o que se pretendia. O Brasil nunca correu o risco de se entregar ao viés esquerdista, mesmo porque esses dois líderes jamais estiveram à frente de uma esquerda aguerrida disposta ao necessário confronto, eventualmente sangrento. As preocupações sociais, exclusivas de Vargas e do ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, sempre foram contrabalanceadas pela esperança de um entendimento nacional, que permitisse a conciliação entre capital e trabalho. O único risco que o Brasil correu foi que se concretizasse um acordo tradicionalmente sempre buscado e impossível de realizar, a chamada conciliação das elites, como se estas estivessem prontas a abrir os portões da casa-grande aos representantes da senzala.

As condições do Brasil atual no cenário mundial jamais estiveram tão claras ao apontar para a exemplar unicidade do fenômeno brasileiro em relação ao resto do mundo. O governo da demência, consequência do golpe de 2016, e antes ainda da Lava Jato, está cada vez mais isolado internacionalmente, enquanto Jair Bolsonaro nunca esteve tão isolado internamente, assombrado pelos fantasmas do motorista Fabrício Queiroz e da vereadora Marielle Franco, assassinada com a colaboração das escusas figuras que sempre cercam a família presidencial.

Quem se incomoda com isso? A ignorância, o egoísmo e a prepotência da minoria rica tornam-se um obstáculo aparentemente intransponível para entregar finalmente o País ao governo da razão, das conveniências de todos, da igualdade. Pesquisas de diversas origens, desde o nosso Ipea até a ONU, mostram que 1% da população brasileira concentra 28,3% dos rendimentos brutos totais.

Enquanto o planeta começa a se questionar em relação aos efeitos mundialmente produzidos pelas doutrinas neoliberais, o Brasil de Bolsonaro e Paulo Guedes pretende transformar em modelo ideal de futuro os crimes econômicos e sociais cometidos no Chile, privatizado de fio a pavio desde o governo do ditador Pinochet, e hoje entregue a uma revolta ainda longe de arrefecer.

O cenário sul-americano mostra nitidamente ser percorrido pelo vento da revolta, que leva à derrota de Macri na Argentina, à conturbada conjuntura boliviana, ao recuo do governo Moreno forçado pelo povo nas ruas no Equador, para selar o retorno das políticas do predecessor Correa, e mesmo ao fracasso da direita que já se delineia no Uruguai.

Nesta moldura, avulta a inércia brasileira, nem tanto de um governo demente, mas de um povo incapaz de reagir, ao contrário de outros colonizados pelos espanhóis. Raymundo Faoro diria que o resultado marca o êxito implacável da dinastia de Avis e coloca no pedestal a figura de D. João VI, fugitivo das tropas napoleônicas para colocar o Brasil no centro do império lusitano. Tudo o que resultou é o resto da nossa história, a começar por uma independência desapercebida por todos aqueles que haveriam de ser por ela beneficiados. A partir daí o comportamento de um exército de ocupação que comanda a resistência a quaisquer esforços democráticos em busca da contemporaneidade do mundo. Se já houve passagens históricas capazes de inspirar alguma expectativa de mudança, sempre duraram muito pouco e não promoveram passos adiante.

É dolorosamente indiscutível a falha de quantos no País se disseram de esquerda e jamais se habilitaram a conduzir o povo à consciência da cidadania. Hoje insistem nos erros do passado e com naturalidade tomam assento em um Legislativo alheio aos fatos, a não ser aqueles que dizem respeito aos seus exclusivos interesses. Está claro que o Judiciário não prima como sentinela da lei: sempre permitiu que fosse enxovalhada, sem falar das oportunidades em que contribuiu para a concretização dos crimes contra o País e a sua Constituição.

A cultura escravocrata permaneceu intacta, quando de fato não se fortaleceu à sombra do mais pálido risco de modernidade. A sina de quem supôs ter delineado o caminho da redenção é a incapacidade orgânica de se libertar de uma forma mental impregnada pela subserviência ao poder e pelo desconhecimento do mundo. Neste Brasil, aquilo que é considerado avanço tecnológico não passa de um sinal de atraso, mesmo porque escapa à compreensão geral a aptidão natural e cuidadosamente cultivada, apanágio da internet, de encarnar o Grande Irmão, conforme a profecia de Orwell. A atual cultura nativa constrói-se pelo uso obsessivo do celular, e este também é o povo aprisionado pelo medo.

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