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Bolsonaro se agarra à cloroquina para salvar mandato

Maria Cristina: é uma dose do mais puro bolsonarismo na veia
publicado 09/04/2020
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Reprodução

O Conversa Afiada reproduz trechos da coluna de Maria Cristina Fernandes, no Valor Econômico desta quinta-feira (09/IV):

A escalada da covid-19, que deve levar o país a encerrar a semana com mais de 1.000 mortes ofereceu ao presidente o pano de fundo de sua reação, esboçada no pronunciamento em rede nacional. Depois de insistir no relaxamento da quarentena, pressionando Exército, governadores e ministro da Saúde, Jair Bolsonaro se agarrou à hidroxicloroquina como panaceia.

A partir de agora, o discurso presidencial se pautará pela ideia de que não é o isolamento mas o remédio milagroso que salvará a nação. Aqueles que negarem a poção mágica à população o farão por elitismo e não por seguirem as recomendações da Organização Mundial de Saúde que ainda aguarda estudos conclusivos para recomendá-la.

A citação a Roberto Kalil, que admitiu ter feito uso do remédio, além de antibióticos e corticóides, é uma evidência da nova frente de batalha presidencial. O desafio lançado pelo ministro Augusto Heleno, para que outro médico estrelado, o atual gestor do centro de gerenciamento da epidemia em São Paulo, David Uip, também infectado, revele seu tratamento é outro petardo.

É uma dose do mais puro bolsonarismo na veia. Descrê que a população possa entender que os resultados obtidos com a hidroxicloroquina, além de inconclusivos, ainda levantam dúvidas sobre dosagem e efeitos colaterais. Desconsidera que o mais prudente é evitar o contágio e fazer testes em massa da população. E aposta, por fim, que a saída está ao alcance da mão e só não é usada porque demófobos são os outros.

O ministro Luiz Henrique Mandetta acusou o golpe da reação presidencial, primeiro recomendando o uso da hidroxicloroquina para os casos mais graves, depois para todos os infectados. Não que esteja convencido dos efeitos. Mantém a ubiquidade, mas parece ter se convencido dos danos do discurso bolsonarista na divisão do país e em sua reputação.

A ofensiva presidencial se dá num momento em que já se registram Estados com ocupação de leitos de praticamente 100% e hospitais públicos com mortalidade de 8% pela covid-19. Como ainda não há uma previsão segura de quando o país atingirá o pico da doença, é um cenário, no melhor das hipóteses, de caos social que faz a pressão do presidente surtir efeito.

(...)

O ponto de partida para a reação bolsonarista é o terço do eleitorado que aprova a conduta presidencial na crise do coronavírus. Ao se referir aos efeitos da quarentena sobre os mais pobres na TV, o presidente parece confiante de que será capaz de ampliar essa base. A ofensiva assustou os governadores que temem ficar a reboque da mistificação presidencial. Os de São Paulo, Ceará, Piauí e Pará foram os primeiros a anunciar protocolos para o uso da poção.

(...)

O próximo enfrentamento se dará no decreto com o qual o presidente pretende impor o relaxamento da quarentena na Federação. A ver o que terá restado de uma República, enfeitiçada pela poção mágica, para esboçar uma reação.