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Correios: a ‘zona de negócios ilícitos' do Kassab

Barrocal: fraude pode envolver R$ 850 milhões!
publicado 12/12/2017
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Kafta (E), o destinatário da mala do Loures e o açougueiro do neolibelismo (D)

O Conversa Afiada reproduz reportagem de André Barrocal na Carta Capital:

Doido para concorrer a presidente no ano que vem, Henrique Meirelles comenta por aí que o líder do seu partido, o PSD, Gilberto Kassab, “tem expressado apoio à hipótese de uma candidatura minha”.

Criador em 2011 de uma sigla que não é “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro” – com 17 milhões de reais em grana suja da Odebrecht, segundo a Procuradoria-Geral da República –, Kassab é matreiro e faz aliados soprarem que apoiar o tucano Geraldo Alckmin é outra opção do PSD para 2018.

Não se sabe ao lado de quem Kassab estará na próxima eleição – na anterior, foi um dos únicos a “roubar” verba de campanha, segundo um criminoso delator da JBS, Ricardo Saud. Sabe-se, porém, que hoje controla um feudo, os Correios, palco de uma denúncia de propina e de demissões mal contadas, em uma aparente briga intestina no PSD.

Os Correios subordinam-se ao ministério de Kassab, o da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e desde o início do governo Temer tem vários indicados do ministro em postos-chave, a começar por seu presidente, o ex-deputado Guilherme Campos, um amigo de três décadas do criador do PSD.

A fraude denunciada atinge um contrato milionário planejado por Campos e pelo agora ex-diretor de Finanças da estatal Francisco Arsênio de Mello Esquef, desligado em outubro, por causa das suspeitas, ao que parece.

Foi enviada em agosto ao presidente do Tribunal de Contas da União, Raimundo Carreiro, e levou à abertura em setembro de uma investigação do TCU que corre sob sigilo, a 026.092/2017-A, aos cuidados da ministra Ana Arraes.

CartaCapital obteve a denúncia. A tramoia ocorreria no coração dos negócios dos Correios, os serviços postais. O acordo suspeito prevê, entre outras coisas, a substituição da entrega de correspondências em papel despachadas por grandes clientes da estatal pelo envio digital. No lugar de caminhões, aviões e carteiros com encomendas pelo País, e-mails, por exemplo. Um serviço postal eletrônico.

Para levar o plano adiante, os Correios fariam uma sociedade com uma empresa de tecnologia. Seria a Nexxera, de Santa Catarina, estado de um governador fiel a Kassab, Raimundo Colombo, do PSD. Uma escolha sem licitação. A lei admite seleção sem concorrência caso o contratado tenha especialização reconhecida na área e preste serviços na atividade finalística do contratante. Essa última permissão é recente, da era Temer, e recebe senões do TCU.

Tudo uma grande bandalheira, no caso Correios-Nexxera, diz a denúncia ao tribunal. “A parceria não foi demandada pela área operacional, o que é de praxe, nem pela área de TI (…) Nasceu do nada na área financeira”, nem sequer havia “parecer jurídico”. A grana envolvida é alta, 850 milhões de reais. Seria o valor pago pelos Correios à Nexxera por um trato de 12 meses.

É quase 5% do faturamento da estatal em 2016, para gastar num único contrato. E umas oito vezes a receita anual da firma catarinense em 2015 e 2016. O negócio seria movido a suborno. A Nexxera teria oferecido “propina” a Campos e Esquef, “bem como a participação futura recorrente de 15%” das cotas da sociedade. À reportagem, a empresa disse “desconhecer” investigação do TCU.

A dupla supostamente subornada é unida. E faz tempo. O homem que cuidou do cofre dos Correios de agosto de 2016 até o fim de outubro era apontado por Campos nos corredores como de sua confiança. Em 2004, Campos elegeu-se vice-prefeito de Campinas (SP), seu reduto eleitoral, e fez de Esquef secretário municipal de Finanças em 2005.

Esquef exerceu a mesma função em Campos dos Goytacazes (RJ), sua terra natal, de 2009 a 2011, na gestão Rosinha Garotinho. Caiu por causar um rombo nas contas, razão de seu indiciamento em maio de 2015, pelo promotor Marcelo Lessa Bastos, como responsável a merecer castigo.

Enquanto cuidou do caixa campista, facilitou uns pagamentos à Odebrecht, a pedido do marido da prefeita, Anthony Garotinho, conforme delação de um dos executivos criminosos da empreiteira, Leandro Azevedo. Com tal CV, não surpreende a denúncia ao TCU dizer que sob Esquef o financeiro dos Correios virou “uma verdadeira zona de negócios ilícitos”. Nem que na estatal há quem jure que a missão dele era arrumar fundos para Campos, Kassab e o PSD.

A denúncia ao TCU, ao que parece, nasceu porque alguém ficou de fora da “zona de negócios ilícitos” e de acertos partidários. Na cópia obtida por CartaCapital o nome do autor está encoberto, e ele pede no documento para ter a identidade preservada. Pelos fatos e a cronologia, é presumivelmente um outro ex-diretor dos Correios da era Kassab--Campos, Paulo Roberto Cordeiro.

Um ex-deputado federal pelo Paraná de 1995 a 1999 que naquela época teve bens bloqueados pelo juiz Sergio Moro por ser sócio num condomínio de luxo de um fraudador de consórcios processado pelo magistrado, Tony Garcia, outro ex-político no Paraná.

Cordeiro comandou a diretoria de Serviços dos Correios de agosto de 2016 a julho de 2017. Kassab mandou demiti-lo em 10 de julho, no ofício 30.486/2017. Por quê? Um mistério que ele não explicou à reportagem. Com sua bênção, Cordeiro fora secretário de Desenvolvimento potiguar em 2015, no início da gestão do governador Robinson Faria, que é do PSD. Durou cinco meses ali.

Saiu quando se soube que era réu por improbidade por um rolo do tempo em que dirigira a ex-estatal de telefonia do Paraná, a Telepar, nos anos 1990, processo arquivado no início de 2017. Kassab tentou salvá-lo na secretaria e ligou para Faria. Sua nomeação nos Correios teve apoio do governador e seu filho, Fabio Faria, deputado federal pelo PSD.

Um dia após a ordem de Kassab para a degola, o Conselho de Administração dos Correios sentou-se em caráter extraordinário e formalizou a dispensa. Já sem Cordeiro, Campos reuniu sua diretoria em 19 de julho e propôs o acordo com a Nexxera, no relatório 09/2017. Propôs não, “tratorou” os diretores e “encomendou” que fosse providenciado todo o necessário no jurídico e na área operacional, conforme a denúncia ao TCU.

A proposta foi aprovada. Em 1º de agosto, Cordeiro usou a Lei de Acesso à Informação para pedir aos Correios informações sobre o contrato, a ata da reunião da diretoria que o aprovara e o relatório 09/2017. Dias depois, no fim de agosto, o TCU recebeu a denúncia sobre o acordo Correios-Nexxera.

Ela parece ter fundamento. No fim de 2013, a diretoria anterior dos Correios desenhou um contrato de serviços postais eletrônicos com a Valid pelo qual pagaria 200 milhões de reais. Um trato parecido com o da Nexxera por um quarto do valor. Não foi adiante, pois o Ministério da Fazenda barrou. Além disso, Campos e Kassab deram um jeito de Esquef, o da “zona de negócios ilícitos”, sair de cena de fininho dos Correios. Uma aparente cortina de fumaça a esconder a razão verdadeira, a “zona de negócios ilícitos”.

Esquef foi exonerado pelo Conselho dos Correios em 25 de outubro. Na véspera, Campos dizia à mídia que o governo queria o cargo para usar em negociações que salvassem Michel Temer na votação pelos deputados da segunda “flechada” da Procuradoria-Geral. Temer escapou em 25 de outubro e, dias depois, corria na imprensa que alguns indicados de Kassab e do PSD no governo perderiam os cargos, pois o partido dera votos a favor da “flechada”.

A saída de Esquef pode ser explicada por negociações do Planalto e por retaliações ao PSD? Ou por “livre nomeação” nos Correios, como disse Campos à reportagem por meio da assessoria de imprensa, mesmo argumento sobre Cordeiro? Difícil.

Não foi retaliação, pois a reunião do conselho que demitiu Esquef durou das 17 às 18h30 de 25 de outubro, antes de a Câmara encerrar a votação que salvou Temer, por volta das 20h30 daquele dia. E não foi negociação com outro partido pois a vaga de Esquef seguiu firme com Kassab e o PSD. Mais firme ainda, aliás. 

O novo diretor é amigo e colaborador do ministro, Carlos Roberto Fortner. Juntos, os dois cursaram faculdade, a Politécnica da USP, como Guilherme Campos, aliás, e juntos trabalharam na prefeitura paulistana na gestão Kassab, na qual Fortner ocupou vários cargos. Até mudar-se para os Correios, Fortner era diretor do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, nomeado por Kassab.

Apesar da troca no financeiro e da investigação do TCU, Campos não desistiu do trato para serviços postais eletrônicos com a Nexxera. “A documentação requerida pelo TCU já foi encaminhada, aguardando-se o respectivo arquivamento por aquele Tribunal”, disse através da assessoria de imprensa. CartaCapital apurou que outro contrato está no forno, com confecção final executada por Fortner.

Seus termos reforçam a suspeita sobre o destino de 850 milhões de reais. Os Correios pagariam 200 milhões por semestre, ou seja, metade da quantia planejada originalmente com a Nexxera. Cada FAC, a carta despachada por grandes clientes e que seria convertida em meio eletrônico, custaria de 60 centavos a 1,3 real de repasse à Nexxera. É muito, não? O custo em papel hoje é de 1,6 real. No Postal Saúde, convênio dos funcionários dos Correios, cada conta em papel substituída por digital enviada pelos hospitais sai a uns 4 centavos.

Aliás, o Postal Saúde é alvo de denúncia de cabide de empregos e desperdício de grana com indenizações, formulada por uma das associações dos funcionários, a Anatect, a culpar dois dirigentes indicados por Campos. A mesma entidade anda cabreira: a estatal cedeu a uma operadora de cartão de crédito os dados de seus 115 mil servidores e não cobrou nada.

A mesma operadora oferecera 10 reais à Anatect pela base de 5 mil associados. Que generosidade dos Correios, hein? Ou será que a comissão correu de outra forma? Tem mais: a manobra contábil com os chamados FDCIs que levou à intervenção federal no fundo de pensão nos Correios, o Postalis, em outubro era preparada por Campos para o balanço da própria estatal.

Não para aí: mesmo a operar no vermelho, os Correios gastaram 29 milhões de reais no fim de 2016 com uma consultoria, a Accenture, para refazer projetos de reestruturação deixados não fazia muito por outras duas consultorias. E já há aditivo a caminho. No dia em que a diretoria aprovou contratar a Nexxera, havia um representante da Accenture na reunião.

O feudo de Kassab é um paraíso de histórias estranhas.

(...)

Em tempo:  Kafta é o apelido do Kassab na lista de alcunhas da Odebrecht. Sobre os açougueiros do tal  neolibelismo, não deixe de consultar o ABC do C Af...