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Celso Amorim, exclusivo: Bolsonaro transformou um desastre nacional em desastre mundial!

Não passa de uma caricatura do Trump (mas sem poder)...
publicado 25/09/2019
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Celso Amorim, então chanceler do governo Lula, discursa na 65ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2010 (Reprodução/Flickr/Ministério das Relações Exteriores)

O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim analisou, em entrevista exclusiva ao Conversa Afiada nesta quarta-feira 25, o impacto do discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.

Para Amorim, que foi o chanceler dos governos Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro transformou "um desastre nacional em desastre mundial".

"Eu confesso que achei que ele fosse fazer algo... não digo moderado, mas que ele fosse deixar como está. Justificar-se, fazer uma parte defensiva sobre a Amazônia e parar por aí. Mas ele foi muito além. Foi muito agressivo com os países que ele atacou. Fez um discurso tipo Guerra Fria contra um socialismo que a gente não sabe onde existe. Foi agressivo também para dentro do Brasil, com relação aos presidentes que o precederam. Um discurso fora de época", afirmou Amorim.

E a repercussão internacional, naturalmente, abala a imagem do Brasil.

"A reação, pelo que pude ver na imprensa internacional, reflete essa perplexidade com um líder que, inclusive, não transmite a imagem do Brasil. O Brasil, independentemente dos problemas que temos, sempre deu a ideia de ser um país que busca a paz, um país diverso, que não é dado a fanatismos religiosos. Nem a Ditadura Militar, apesar de tudo o que acontecia aqui dentro, transmitiu em termos de política internacional uma imagem tão negativa", analisa o ex-ministro.

Horas depois do discurso de Bolsonaro na ONU, o Conversa Afiada publicou informação do jornalista Jamil Chade de que um membro da cúpula das Nações Unidas afirmou que Bolsonaro perdeu ontem a sua última chance de ser respeitado.

"Eu acho que ele nem quer essa chance. A linha do Bolsonaro é uma caricatura da linha do Trump. Mas vamos pensar aqui nas coisas: o Trump é o presidente do país ainda mais poderoso do mundo, tanto economicamente, quanto militarmente. Então, quando o Trump faz as coisas dele, está montado em 4 mil ogivas nucleares e em um PIB gigantesco. Não é o nosso caso. O que Bolsonaro faz é uma caricatura do Trump e que para o Brasil não tem nenhum cabimento. O máximo que se poderia esperar era que não agravasse. Mas agravou", diz Amorim.

Também em entrevista exclusiva ao Conversa Afiada nesta quarta, Rubens Ricupero, diplomata, ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, disse que o conjunto dos diplomatas brasileiros reagiu "quase com desespero" ao discurso de Bolsonaro na ONU. Amorim concorda.

"A grande maioria dos diplomatas deve estar perplexa, porque isso nunca teve. O Brasil sempre apareceu de uma maneira positiva, mesmo com uma diferença aqui ou ali. Eu, naturalmente, acho que o presidente Lula foi particularmente positivo, e sei que foi, porque eu via como ele era procurado por outros líderes. O presidente Bolsonaro foi embora de Nova York rapidamente, talvez por recomendação médica - não posso julgar -, mas o fato é que se ele ficasse ninguém ia querer falar com ele. Talvez um líder de extrema direita que sobrou na Europa Oriental. Então, acho que tudo isso é chocante para o Itamaraty", comenta o ex-chanceler.

Amorim, a propósito, fala com amplo conhecimento de causa sobre o que significa participar da Assembleia Geral das Nações Unidas.

"Obviamente eu acompanhei o Lula, fiz discurso na Assembleia Geral quatro vezes (duas vezes no governo Itamar Franco, porque ele não foi, e duas vezes no governo Lula, por circunstâncias diversas). Então, eu sei qual é a expectativa daquele ambiente. Sei como os meus colegas esperavam, até aquela recomendação para o Brasil, como é o primeiro a falar, para não deixar de ter uma visão ampla do cenário internacional, de falar da paz no Oriente Médio, da necessidade de desenvolvimento da África, da integração da América do Sul, enfim, essas coisas todas que não estão na agenda do Bolsonaro. A submissão evidente aos EUA, essa reiterada declaração de amor ao presidente Trump, os agradecimentos gratuitos não sei bem por quê, inclusive seguir a agenda dele [Trump] no que diz respeito a essa questão de defesa religiosa e ênfase na questão religiosa... Enfim, tudo isso surpreende e choca.", diz Amorim.

Outro ponto abordado pelo ex-chanceler é a histórica tentativa do Brasil de conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Mas, com Bolsonaro no poder, isso não passa de sonho.

"Enquanto tivermos esse personagem no governo, esquece. Há poucos dias, o Brasil não conseguiu ser eleito nem para o comitê de pesca da Organização Mundial do Comércio, vetado pela Índia, coisa que eu jamais poderia imaginar na vida. Porque o Brasil se colocou contra as teses dos países em desenvolvimento de tratamento diferenciado.

Essa submissão aos EUA não rende nada para o Brasil. Não sei se pode render para algum setor específico, não vou entrar nisso, quando houver mineração na Amazônia. Essa coisa toda na Amazônia não é só para garantir soberania no sentido de que a responsabilidade é nossa, mas ele [Bolsonaro] deu o recado sobre as terras indígenas, sobre as reservas Yanomami, e o objetivo é obviamente esse da mineração. E ele já disse no passado, talvez não tenha sido explícito, mas ele falou "vamos ter projetos conjuntos com os EUA". E quais são esses projetos conjuntos? Ele mesmo indicou: a mineração. Isso é uma ambição antiga dos EUA", completa o ex-chanceler.

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