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Campello: a volta ao mapa da fome

Quem disse que o problema está nos gastos?​
publicado 21/07/2017
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O Conversa Afiada reproduz da Carta Capital trechos da excelente entrevista da ministra Tereza Campello, que tirou o Brasil do mapa da fome, quando administrou o Bolsa Família e instalou um milhão de cisternas no meio da seca nordestina (por isso não houve saques...).

Se fosse israelense, o New York Times teria feito de Campello Prêmio Nobel da Paz:

CartaCapital: O risco de o Brasil voltar ao Mapa da Fome é real?

Tereza Campello: Sim, é real. Tenho alertado sobre isso desde o ano passado. Agora, um conjunto de organizações da sociedade civil faz o mesmo alerta às Nações Unidas, ao analisar o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Só para relembrar, o primeiro deles é a erradicação da pobreza e o segundo se chama “Fome Zero”, inspirado exatamente na experiência brasileira de priorizar o combate à insegurança alimentar. O Brasil tem 500 anos de história marcados pela fome, embora o País seja, desde sempre, um grande produtor e exportador de alimentos. Os pobres não tinham, porém, acesso à comida por falta de dinheiro. O Bolsa Família ajudou a melhorar a renda da população, mas não só. Houve a valorização do salário mínimo e uma política de incentivo à formalização do trabalho, porque muitos não tinham um emprego decente. Com a liberação das terceirizações, do trabalho intermitente, tudo isso está ameaçado. Empregados formais devem ser empurrados para postos de trabalho precarizados. A renda da população vai cair violentamente, deixando milhões de brasileiros em risco de subalimentação e de desnutrição, principalmente as crianças.

CC: Os defensores da reforma trabalhista dizem ser preciso baratear o custo da mão de obra para gerar mais empregos.

TC: É uma análise míope. Estamos em um momento de restrição do mercado internacional. Temos um patrimônio que poucos países têm: um gigantesco mercado doméstico. O Brasil possui mais de 200 milhões de habitantes, que poderiam estar consumindo alimentos, roupas, calçados... Pois bem, esse mercado está sendo dilapidado. Ao baratear o trabalhador, o empresário sacrifica a sua renda e o seu poder de consumo. A médio prazo, cria-se um círculo vicioso. Se não houver demanda, as empresas vão diminuir a produção e dispensar trabalhadores. O desempregado não tem renda, vai deixar de consumir. Repare: mal foi sancionada a re-
forma trabalhista e já vemos a multiplicação de Programas de Demissão Voluntária (PDVs) em bancos e grandes empresas. Quem tem salários maiores deve ser dispensado, e será substituído por um trabalhador precarizado, sem direitos, sem benefícios, que terá uma renda menor.

CC:Tem aumentado a procura por benefícios assistenciais?

TC: Sim, mas estranhamente o Bolsa Família encolheu. Quando Dilma Rousseff deixou o cargo, em maio de 2016, o programa beneficiava 13,8 milhões de famílias. Hoje, contempla 12,7 milhões. Ou seja, mais de 1 milhão de famílias, ou 4 milhões de brasileiros, ficaram sem esse complemento de renda.

CC: Em um contexto de elevado desemprego, não seria natural haver um aumento do número de famílias beneficiadas?

TC: Com certeza, são 14 milhões de desempregados, segundo o IBGE. Tem muita gente precisando do Bolsa Família, a fila só aumenta. Tenho notícias de que as pessoas batem na porta da assistência social, mas enfrentam muitos obstáculos. Fala-se em 550 mil inscritos à espera de receber o benefício. Acredito que a fila é muito maior, e tem gente sendo desligada. Também houve uma forte redução de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos, com graves consequências para a agricultura familiar. A restrição de recursos atinge várias áreas, como saúde, educação e assistência social. A perda desses repasses impacta diretamente nas prefeituras e nas economias locais. Os setores empresariais não enxergam para onde o Brasil está indo?

CC: Os cortes em despesas públicas, não importa quais sejam, são sempre vendidos como um gesto de responsabilidade fiscal.

TC: E quem disse que o problema está nos gastos? A despesa pública brasileira não aumentou de 2014 para 2015, tampouco cresceu no ano seguinte. O que despencou nesse período foi a receita, exatamente porque o País entrou em recessão. A supressão de investimentos públicos só aprofunda o problema, porque restringe a demanda, constrange a renda e gera desemprego. Em vez de equilibrar as contas públicas, a médio prazo essa política de austeridade fiscal tende a diminuir ainda mais a arrecadação federal e gerar um desajuste ainda maior.

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