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Os três tipos de usuários do WhatsApp que vão eleger Jair Bolsonaro

A solução não é a tecnologia!
publicado 25/10/2018
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Bolsonaro no Whatsapp em sessão da Câmara, 2/II/2017 (Créditos: Lula Marques/Ag.PT)

Do jornal inglês The Guardian:

Se o voto pelo Brexit e a chegada de Donald Trump à Casa Branca foram impulsionados pelo Facebook, a ascensão do possível próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, da extrema-direita, deve muito ao WhatsApp.

O aplicativo de mensagens, de propriedade do Facebook, é imensamente popular no Brasil, com cerca de 120 milhões de usuários ativos, e provou ser uma ferramenta ideal para mobilizar apoio político - mas também para espalhar notícias falsas.

Para entender as motivações, esperanças e medos das dezenas de milhares de apoiadores de Bolsonaro, eu entrei em quatro grupos de seus eleitores no WhatsApp.

Após quatro meses de pesquisa, recebendo uma média de 1.000 mensagens por grupo todos os dias, eu descobri que existem três grandes grupos de usuários, que eu classifico como Brasileiros Comuns, Bolsominions e Influenciadores.

Brasileiros Comuns

A imensa maioria dos membros desses grupos são cidadãos comuns: homens e mulheres de todas as classes que usam os grupos para compartilhar as experiências de suas vidas que justificam o voto em Bolsonaro.

Eles não acreditam na mídia mainstream e vêem os grupos no WhatsApp como espaços seguros onde podem aprender mais sobre Bolsonaro, checar rumores e notícias, e encontrar memes e outros conteúdos para compartilhar.

Esses grupos funcionam como câmaras de eco: toda vez que um membro publica resultados de pesquisas ou outras notícias, os demais usuários celebram com imagens da bandeira brasileira ou o emoji da pistolinha - referência às promessas de Bolsonaro de facilitar o porte de armas e autorizar policiais a atirar livremente contra suspeitos.

Bolsominions

O exército de voluntários leais a Bolsonaro, que administram os grupos de WhatsApp e estão a postos para banir infiltrados - ou qualquer um que questione seu líder.

Não há muito debate nos grupos ou discussão sobre o programa de governo de Bolsonaro, mas muitos usuários são banidos por fazer perguntas triviais, como por que Bolsonaro se recusa a participar de debates na TV.

Quando usuários comuns tentam fazer esse tipo de pergunta, são bombardeados por mensagens passionais dos Bolsominions, que normalmente baseiam seus argumentos em artigos de fake news. De fato, os apoiadores mais inflamados de Bolsonaro formam uma infraestrutura humana que ativamente dissemina fake news através das redes sociais.

Influenciadores

É na criação das fake news que os Influenciadores têm um papel decisivo.

Essa categoria representa talvez 5% dos membros dos grupos e não são os participantes mais ativos ou passionais nas discussões. Ao invés disso, eles trabalham nos bastidores, criando e compartilhando fake news e coordenando protestos nas redes sociais e no mundo real.

Eles usam programas de edição de vídeo e imagens para criar conteúdo digital convincente e emocionante. Eles são inteligentes e sabem manipular conteúdos, transformá-los em memes e textos curtos para que viralizem.

Eles trabalham rápido para atacar a reputação de qualquer pessoa ou veículo que critique Bolsonaro. Por exemplo, depois que a líder de extrema-direita da França Marine Le Pen chamou algumas posições de Bolsonaro como "desagradáveis", os Influenciadores rapidamente criaram memes que a chamavam de comunista.

Alguns dos artigos de fake news são simplesmente assustadores. Um grupo criou um panfleto falso que acusava o adversário de Bolsonaro, Fernando Haddad, de planejar um decreto que permitiria homens ter sexo com crianças de 12 anos.

Durante o primeiro turno das eleições, os Influenciadores publicaram e compartilharam vídeos falsos que mostravam urnas eletrônicas com defeito, reforçando boatos de que a votação seria fraudada.

Influenciadores também varrem o YouTube e o Facebook atrás de posts contra Bolsonaro e, em seguida, compartilham o link para o perfil pessoal do autor - e aí atraem a ira da "Bolso-horda".

Esses três grupos têm diferentes papeis, mas muita coisa em comum: compartilham uma total descrença na democracia brasileira e concluíram que o sistema só beneficia àqueles que estão no topo da pirâmide.

Apesar do apoio à ideia de intervenção militar, eles não querem uma nova ditadora - ao invés disso, argumentam que o Brasil precisa de alguém que acabe com a corrupção que beneficiou políticos da esquerda e da direita e devastou a economia do país.

Tal crise poderia ser vista como um clamor por ajuda, mas Bolsonaro está bem longe de ser o herói com quem eles sonham.

Apesar do Wall Street Journal ter elogiado Bolsonaro na semana passada, ele é, na verdade, parte do establishment político: um deputado que, em vinte e sete anos na Câmara, só teve dois projetos de lei aprovados.

Além disso, à medida que Bolsonaro caminha em direção à provável vitória no segundo turno, domingo, ainda não está claro qual papel os grupos de WhatsApp terão após a eleição.

Será que eles servirão como máquinas de propaganda de seu eventual governo? Se tornarão a principal fonte de "notícias" para seus apoiadores? Pesquisadores apelaram ao WhatsApp para desenvolver uma solução tecnológica para a epidemia de fake news no Brasil, mas tais consertos poderiam, potencialmente, prejudicar a liberdade de expressão.

A solução não será encontrada na tecnologia, mas nas vozes e atitudes das pessoas que ainda acreditam no Brasil. Para avançar, precisamos compreender o tamanho do desespero do qual Bolsonaro e seus apoiadores se alimentam e dão voz nos grupos de WhatsApp.

Por David Nemer, professor assistente da School of Information Science na University do Kentucky (EUA) e autor do "Favela Digital: The Other Side of Technology".