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Ladrão é candidato a presidente ou ditador?

Mino: Etchegoyen não entende de máfia...
publicado 27/02/2018
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O Conversa Afiada reproduz o editorial de Mino Carta na edição desta semana da Carta Capital:

O golpe do ilegítimo


Um dos excelentes mafiosos no poder, Eliseu Padilha anuncia que Michel Temer, chefão do bando, será candidato. A quê? Atiro a pergunta contra a parede mais próxima, porque os botões estão em greve geral e ameaçam autodesenraizar-se do meu vestuário, onde se encontram em estado de depressão profunda. A parede também não responde e, portanto, me entrego a um raciocínio sem botões.

Antes de mais nada, o general Etchegoyen não entende de máfia, ou finge não entender. Está claro que a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro não acontece por causa da politização do Carnaval, de resto logo abortada com um ato de contrição tipicamente brasileiro. De fato, não primamos pela coragem e a tudo assistimos como se esta carência fizesse parte da normalidade.

Político é o jogo de Temer, com seu lance de grande risco, e pronuncio uma obviedade. É o seu desafio. Receio que seja exatamente o risco a seduzi-lo em primeiro lugar. Esclarecem os generais que os soldados envolvidos em uma operação bélica atiram a qualquer sinal de resistência. E se houver mortos na calçada? E se a máfia no poder decidir que outras intervenções se justificam em outros estados da Federação?

Intriga-me que a Constituição, até agora rasgada sem a menor cerimônia, não mais possa ser retocada. Donde, o capo-di-tutti-i-capi precipita o enterro de qualquer artimanha parlamentarista. Por quê? Há quem suponha que Temer aposta em uma eleição sem Lula e com o benefício de tirar a bala (atribuam à palavra o sentido que lhes aprouver) da boca do capitão Bolsonaro. Os calibres das Forças Armadas são bem maiores.

Permito-me voltar a um tema que já explorei em diversas ocasiões, o simples cancelamento das eleições. A valer a espada de Dâmocles que incumbe sobre a cabeça do presidente ilegítimo, cadeia ao perder o mandato. O abalo social provocado possivelmente (provavelmente?, certamente?) pela intervenção fardada “aconselharia” o cancelamento do pleito e a permanência de Temer, a bem da Pátria, até o retorno da paz geral da Nação. Ele usa as Forças Armadas em seu exclusivo proveito e das quadrilhas que o cercam, midiáticas também. Que esperar de quem até agora agiu com sucesso a seu bel-prazer?

O aspecto mais vergonhoso e humilhante aos olhos do mundo está no comportamento da injustiça à brasileira em um país destinado à grandeza e transformado em uma nova versão de Lilliput de todos os pontos de vista. Contássemos com uma Alta Corte fiel a Têmis, capaz de fazer valer sua indispensável independência, a Constituição não teria sido rasgada a partir do golpe de 2016, in crescendo pelo estado de exceção até a intervenção no Rio, completa e inexoravelmente anticonstitucional. Pois é, Temer prova ser um extraordinário inconstitucionalista.

É doloroso reconhecer que a democracia é quimera, e sempre foi mesmo em tempos formalmente democráticos, porque reina no País, na origem de todos os males, um monstruoso desequilíbrio social. O Rio de Janeiro não é o estado mais inseguro do Brasil, há nove à sua frente. Mas a questão central, para o País, é algo infinitamente mais complexo. A criminalidade, a miséria, o desemprego, a carência de saúde e educação, até a pusilanimidade e o medo, resultam do exitoso empenho da casa-grande em manter o status quo.

Insisto em outro ponto que não escapa à verdade factual. O Brasil é único no confronto com o mundo tido como democrático e civilizado, porque mantém de pé a casa-grande e a senzala. Mas também é único, mais do que nunca, neste momento porque em nenhum outro a máfia está no poder e o Estado de Direito foi demolido. A sociedade do privilégio é hipócrita e feroz até a medula e sua ganância não tem limites não menos que sua ignorância. Mesmo assim, não faltam por aqui aqueles que supõem viver em Paris.

Nesta nossa névoa de primitivismo medieval, ainda sou obrigado a ouvir falar em direita e esquerda, o que serve à compreensão de alguns, embora contradiga a razão. Esquerdistas são uns poucos isolados cidadãos, e o PT, que pretendia ao nascer defender os trabalhadores e os pobres em geral, no poder portou-se como os demais clubes recreativos que chamamos de partidos. Entre eles, imbatível em matéria de hipocrisia, abrigo de muitos que se diziam de esquerda, o PSDB tornou-se impecável intérprete do pensamento ultrarreacionário.

De todo modo, graças ao estado de exceção, o Brasil assume as feições merecidas, mesmo porque leio de povos que se revoltam às vezes por razões menos imponentes e infamantes do que a vitória praticamente perene da casa-grande. Viável somente excluir o período a mediar entre Getúlio Vargas e João Goulart, quando o Brasil progrediu para a condição de décima quinta posição entre os países industrializados, e durante os governos de Lula e os primeiros anos de Dilma. Ao cabo, a casa-grande impôs-se.

Em 1964, diante do projeto das reformas de base levado adiante por Jango, recorreu aos gendarmes tradicionais e ao apoio de Washington. Em 2016, o golpe foi praticado pelos próprios Poderes da República, mídia incluída, a desempenhar um papel decisivo para excluir Lula da competição eleitoral. Não careceu, obviamente, do apoio de Washington.

Poderia ser diferente? Na semana passada, o professor Fábio Konder Comparato nos ministrou uma aula definitiva a respeito da desastrosa colonização portuguesa que entregou a terra descoberta aos predadores e ungiu os donos do poder, que se repetem incansavelmente conquanto mudem seus rostos.

Volto à pergunta anterior. Simbólica é a fuga de D. João VI de Portugal quando a tropa napoleônica comandada pelo general Junot aproximou-se da fronteira lusitana. Como sabemos, entre os méritos de Napoleão está o de haver propagado pela Europa os valores da Revolução Francesa, burguesa sim, mas fator de grande progresso.

Sustentou Norberto Bobbio logo após a queda do Muro de Berlim que a dicotomia esquerda-direita permanece no confronto entre quem combate a favor ou contra a igualdade. Este é o problema central, e a ideia de que a liberdade apenas não é o bastante, indispensável a igualdade, foi semeada pela Revolução Francesa e nunca nos alcançou.

Temo os patriotas, que no Brasil abundam. Disse o doutor Samuel Johnson no século XVIII, o das luzes: “A pátria é o último refúgio dos canalhas”.