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Imprensa uruguaia detona julgamento do Plano Condor

Raiva, indignação e incredulidade!
publicado 20/01/2017
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Na foto, Jorge Nestor Tróccoli; dos 33 acusados durante o julgamento em Roma, só oito foram condenados

A propósito do texto "Condor: Geisel se safou de boa", publicado pelo Conversa Afiada nesta quinta-feira, 19, merecemos valiosa contribuição de amigo navegante uruguaio:

Aqui no Uruguai a maior expectativa era pelo julgamento de um ex membro dos 'fusleros navales', que tinha assumido publicamente sua participação na Ditadura, mas quando o pau quebrou ele foi embora para a Itália por ter dupla nacionalidade. O nome dele é Jorge Tróccoli (ver em tempo).

Ele foi absolvido, junto com outros militares.

O amigo navegante, além de lamentar a absolvição de Tróccoli e outros militares uruguaios, enviou ao C Af a repercussão desse julgamento na imprensa local.

O jornal La Diaria, por exemplo, publicou uma crônica intitulada "Consternados, Rabiosos" - "Consternados, furiosos", em tradução livre.

Diz o texto:

O silêncio que acompanhou a leitura da sentença por parte da presidenta da Terceira Corte de Asís de Roma, Evelina Canale, teve início logo que a Corte se retirou. Nenhum grito, muito poucas lágrimas. Uma raiva contida, uma indignação feroz, uma incredulidade dolorida atravessavam os rostos dos muitos uruguaios presentes. Mirtha Guianze, extremamente pálida, se esforçava para falar, mas as palavras quase não saíam; em voz baixíssima disse a La Diaria que não entendia a sentença e que esperava que houvesse possibilidade de apelação.

(...)

Dos 33 acusados durante o julgamento do Plano Condor em Roma, dos quais seis morreram no curso do processo, somente oito foram condenados: os chilenos Hernán Jerónimo Ramírez Ramírez e Fafael Ahumanda Valderrama; os bolivianos Luis García Meza Tejada e Luis Arce Gómes; os peruanos Francisco Morales-Bermúdez Cerruti, Pedro Richter Prada e Germán Ruiz Figueroa; e o uruguaio Juan Carlos Blanco.

(...)

Quando quase todos já haviam ido embora, Moyano, seu tio Dardo e outros poucos seguiam nos arredores do Tribunal, entre o estacionamento e a estrada. A noite já havia caído sobre Roma, e ela cravou os olhos negros nos dos presentes e contou sua verdade e sua luta: "Parece que a sentença não mostra a realidade. Ninguém pode dizer que isso não aconteceu. Eu nasci em um centro clandestino, e dizer que Tróccoli não é responsável porque não foi ele, diretamente, que apertou o gatilho é um absurdo. Estou completamente indgnada ao ver que esse personagem se fortalece. O Uruguai tem um problema importante, por causa da vigência das leis de impunidade. Isso não termina aqui, vamos seguir adiante enquanto nossos pais não tiverem justiça e nossos irmãos não recuperem sua identidade. A indignação não se converte em derrota. Estou mais fortalecida".

Outros jornais, como o Republica, também repercutiram o julgamento pela justiça italiana.

"Tróccoli foi absolvido na Itália pelo Plano Condor e ex-ministro das Relações Interiores é condenado à perpétua", diz a manchete.

O ex-chanceler em questão é Juan Carlos Blanco, ministro dos tempos da Ditadura.

Ele já está preso no Uruguai por causa do desaparecimento de Elena Quinteros e dos assassinatos dos ex-congressistas Héctor Gutiérrez Ruíz e Zelmar Michelini, e dos militantes William Withelaw e Rosario Barredo.

O amigo navegante uruguaio fez, por fim, um desabafo:

 

Os miliatares, fora Tróccoli, que ficaram impunes na Itália, foram e são da pior escória da Ditadura Uruguaia. De fato, eles já estão presos faz tempo por delitos de lesa-humanidade (que não prescreveram).

A condenação esperada, além de ser real e concreta, tinha uma forte carga simbólica de ressarcimento e justiça.

Jorge Tróccoli era um coroa bonzinho e culto que estudava Antropologia na minha faculdade; ninguém sabia quem era ele até ele escrever uma carta pública polemizando com a política dos DDHH (Direitos Humanos).

A partir daí, ele começou a ser excecrado públicamente e impedido de voltar à faculdade.

Ele continuou polemizando e até chegou a escrever um livro.

Foi, se não o primeiro, um dos primeiros militares a falar públicamente e a dar a sua versão dos fatos.

Embora processado e julgado no Uruguai (in absentia), ele fica livre e solto na Itália.

Em tempo: o caso de Jorge Nestor Tróccoli era particularmente importante para os uruguaios porque, entre outras razões, ele estava presente no julgamento. Ele era integrante dos Fuzileiros Navais, grupo das Forças Armadas criado na Ditadura pelo contra-almirante Guillermo Fernández.

Contra ele, pesam dezenas de acusações de tortura e desaparecimento de ítalos-uruguaios, sindicalistas e militantes democráticos.

Sua participação nesses crimes foi denunciada por Daniel Rey Piuma, um então jovem cabo que deveria ajudar os torturadores.

Piuma era simpatizante dos Tupamaros, um grupo marxista-leninista que teve o seu auge nos anos 1970.

Ele entregou o esquema em 1973 e fugiu do Uruguai.

Tróccoli, em diversas oportunidades, alegou ter apenas obedecido a ordens.

Ele se refere ao que aconteceu como "política de desaparecimento de acordo com a ordem do Executivo Argentino de aniquilar a guerrilha".

Em 21 de dezembro de 1977, no que ficou conhecido como "Lavalle al 1494", em Buenos Aires, Tróccoli é acusado de ter participado do desaparecimento dos ítalo-uruguaios Ileana Sara Maria Garcia Ramos, Edmundo Sabino Techeira, Yolanda Chelpi e Julio Cesar Pallares.

Em 2002, conseguiu um passaporte italiano, apelando ao seu bisavô, Pedro Tróccoli, também militar.

Fugiu para lá na tentativa de se esconder.

Foi localizado em 2007, quando começou a ser interrogado.

O Uruguai pediu a sua extradição em 2008, mas o processo não foi adiante por uma inacreditável erro burocrático do então embaixador Carlos Abín: ele apresentou a papelada fora do prazo e, mais uma vez, Tróccoli se salvou.