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Ciro não atenua críticas a Lula e ao PT

Moro se omite diante da corrupção no Governo Bolsonaro
publicado 28/03/2019
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O Conversa Afiada reproduz do Diário de Notícias, jornal de Lisboa, Portugal:

Ciro Gomes começou a carreira política como deputado estadual no Ceará, foi presidente da câmara de Fortaleza e aos 32 anos era governador do Ceará, o mais jovem de sempre no Brasil. Depois foi ministro da Fazenda (Finanças) com Itamar Franco, ministro da Integração Nacional com Lula da Silva e deputado federal. Em 2018, na sua terceira candidatura à presidência, ficou em terceiro lugar.

Numa entrevista ao DN, falou da atual situação política no Brasil, da detenção de Michel Temer e do impacto da Lava-Jato, assim como da decisão de Jair Bolsonaro de festejar o golpe militar de 1964. Mas também do livro que está a acabar e das ideias para o futuro, sem rejeitar uma quarta candidatura presidencial. 

Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista, esteve em Lisboa para uma aula-debate na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, organizada pelo Núcleo de Estudo Luso-Brasileiro (NELB), que decorreu na passada terça-feira.

É um crítico do ex-presidente Michel Temer, mas ainda assim considerou a sua prisão uma "aberração jurídica". Porquê?
Porque ainda que choque um país de cultura civilizada e avançada como é Portugal, Michel Temer merecia ser condenado e estar preso há dez ou 20 anos. Mas até hoje não foi ainda formalizada nenhuma condenação. A regra nos países civilizados do Estado de direito democrático é a liberdade. As prisões excecionais dão-se em casos muitos específicos. E nenhum dos factos imaginados pela lei, como a ameaça de fugir, evidência de que está a destruir provas, coagindo testemunhas ou perturbando a ordem pública, nem uma dessas situações excecionais, estava desenhada em redor de Michel Temer. Portanto, não estou a defender Michel Temer, estou a defender a Constituição brasileira, a ordem jurídica que no Brasil tem sido muito violentada ultimamente.

Considera que a Operação Lava-Jato já perdeu sentido?
Não diria que perdeu sentido. Ela prestou, no passado, um grande serviço ao Brasil, por mais que seja lamentável a prisão do ex-presidente Lula. Ela prendeu também outras pessoas, como o ex-presidente da Câmara [Eduardo Cunha], um corrupto absolutamente notório, com dinheiro na Suíça. Prendeu o Gedel [Vieira Lima], que foi ministro do Lula, das fotografias com malas de dinheiro em espécie, à conta de 51 milhões de reais. Tudo isto foi uma obra da Lava-Jato, que foi importante para o Brasil, que é um país que se queixa muito da impunidade dos grandes. O Brasil é um país que tem uma população carcerária imensa, mas toda ela caracterizada por serem pobres, negros, da periferia, e há uma sensação muito justa e desagradável entre nós brasileiros médios de que a lei não é para todos. E a Lava-Jato pareceu ser, num primeiro momento, uma exceção a isso.

"[A Lava-Jato] prestou, no passado, um grande serviço ao Brasil, por mais que seja lamentável a prisão do ex-presidente Lula."

Sucede que, daí em diante, os envolvidos são muito jovens e, isso agora está revelado, muito ambiciosos. O juiz que condena um político da projeção do Lula para, em seguida, aceitar ser um quadro político de um adversário, rasgou qualquer página de ética, de decência e põe sob justa suspeita de um terceiro observador, que não seja nem apaixonado por um lado nem pelo outro, as suas reais motivações. E daí em diante, tem havido muitos abusos. Chegaram a divulgar gravações ilegais de conversas da presidente da República, chegaram a promover conduções coercitivas, que é uma espécie de prisão rápida, sem ter em conta a lei que determina que isso só acontece em casos que você é notificado e recuse comparecer.

Que impacto tem a detenção de Temer e a Lava-Jato na presidência de Jair Bolsonaro?
A Lava-Jato teve um impacto publicitário no começo que se está a esvair muito rápido. Bolsonaro recrutou o [juiz Sérgio] Moro por uma razão publicitária. Parecia que o xerife da nação, o grande vergalhão moral da nação, estava aceitando participar num governo que parecia ser a sanção, a demonstração que seria um governo que se constituiria originalmente contra a corrupção e os maus costumes no Brasil. Na sequência, os factos foram evidenciando que tudo isso são ilusões, porque a corrupção é um fenómeno mais complexo e tem de ser enfrentado com muito mais sofisticação do que com esses casos de publicidade.

"Bolsonaro recrutou o [juiz Sérgio] Moro por uma razão publicitária. Parecia que o xerife da nação, o grande vergalhão moral da nação, estava aceitando participar num governo (...) que se constituiria originalmente contra a corrupção e os maus costumes no Brasil."

Aí aconteceram casos graves. Por exemplo, o ministro-chefe do governo, Onyx Lorenzoni, é confesso de ter feito fraude com dinheiro de campanha que é basicamente a razão pela qual a Lava-Jato começa a entrar na política. E Moro relativizou completamente, chegando a dizer que dinheiro fraudulento numa campanha não é assim um crime tão grave quanto achava no passado que era. Depois, o filho do presidente e o próprio presidente, com a mulher envolvida, começam a envolver-se com milícias. Isto é uma coisa completamente constrangedora, com muito dinheiro público envolvido, dinheiro subtraído do salário de funcionários-fantasmas. E o Moro permanece absolutamente calado, lavando as mãos, como se não houvesse responsabilidade dele nisso. E há responsabilidade dele nisso. Na medida em que se está erodindo muito rapidamente essa imagem publicitária e está semeada aí uma tensão: ele vai preservar a sua imagem e vai-se demitir do governo ou vai afundar junto com o governo? Me parece que é muito mais o tipo oportunista e agarrado nos media, nos holofotes da publicidade. A tendência é sair do governo.

Também considera que a decisão de Bolsonaro de celebrar o aniversário do golpe de Estado de 1964, que instituiu a ditadura militar, é um golpe publicitário?
Sem dúvida. Os últimos 15 dias no Brasil foram muito críticos para o governo. É como se a máscara tivesse caído e muito velozmente. É quase frenética a velocidade com que se decompõe o capital político recém-constituído, nem completou três meses de governo. Você tem a viagem aos EUA que caiu muito mal no Brasil, pela vassalagem, pelo despreparo, pela falta de agenda, pela bajulação constrangedora e a entrega aos norte-americanos de interesses do Brasil.

"A viagem [de Bolsonaro] aos EUA que caiu muito mal no Brasil, pela vassalagem, pelo despreparo, pela falta de agenda, pela bajulação constrangedora."

Depois, saíram as primeiras avaliações do governo e o governo despenhou na avaliação popular. Depois o escândalo da prisão dos agentes que mataram a vereadora Marielle [Franco]. O assassino mora no mesmo condomínio de ricos, num bairro rico do Rio de Janeiro, que se chama Barra da Tijuca, a duas casas do presidente da República. Sua filha namorou com o filho do presidente... É um conjunto muito constrangedor, para ficar numa ironia, de coincidências que estavam pedindo explicação e estavam dominando o assunto. E, mais recentemente, Bolsonaro foi ao Chile elogiar Pinochet, algo que também constrangeu muito o Brasil, que se sente envergonhado com a projeção de um presidente despreparado para o mínimo das relações internacionais. E, na sequência, abre uma crise política com a Câmara dos Deputados, praticamente enterrando com menos de três meses o ambiente de diálogo institucional dramaticamente necessário para o país celebrar um conjunto de reformas que tanto os setores progressistas como os conservadores querem. Há um isolamento e uma pulverização da sua própria base de sustentação.

E usa a celebração para o esconder...
É uma agenda de desgaste, de bobagens, e o que é que ele imagina fazer, aconselhado por esses marqueteiros e o filho dele é um deles? Ele lança uma polémica em que troca o assunto. Então, pede para se celebrar a ditadura de 1964, porque neste assunto há imediatamente uma reação natural, mas pouco pensada, em que os setores mais à esquerda vão lembrar todas as mazelas da ditadura. Se você abrir a internet nos 
sites brasileiros, os ambientes do Facebook, das redes sociais, são fotos terríveis de gente torturada, de gente morta, de gente desaparecida, de parentes que se suicidaram porque foram torturados barbaramente, etc. Tudo o que os próprios militares profissionais não querem mais lembrar, como Portugal não quer lembrar a ditadura de Salazar, Espanha não quer lembrar o franquismo, a Alemanha não quer lembrar o nazismo, a Itália não quer lembrar o fascismo. E ele faz o oposto, para tentar unir o bando dele, que está disperso.

Falou na Câmara dos Deputados. Existe atualmente uma oposição no Brasil?
Muito fragmentada mas existe. E está até produzindo muito mais resultados, porque a nossa fração foi muito hábil. Nós fizemos uma aposta em tentar dividir o que parecia ser o grande bloco situacionista. É muito difícil para um português entender, mas o Brasil tem 24 partidos representados na Câmara. E o partido que tem mais deputados tem pouco mais de 10% da Câmara. Então é verdade que é uma espécie de Torre de Babel em que o traço de unidade não é ideológico, mas a relação conjuntural com o executivo. E como o lado conservador esta muito fraturado e começou a colidir com o executivo por conta destas loucuras todas, dos interesses nacionais, ou morais, ou fisiológicos, ou clientelistas, ou até mesmo corruptos, enfim, um caldo de cultura hostil muito precocemente ao governo, isso tem multiplicado a nossa capacidade de atuar, contendo os danos que poderiam ser muito mais extensos se Bolsonaro tivesse a habilidade para dialogar com essa imensa maioria potencial que teria, porque o Congresso é maioritariamente conservador.

"[O Congresso dos Deputados] é uma espécie de Torre de Babel em que o traço de unidade não é ideológico, mas a relação conjuntural com o executivo."

E o Partido dos Trabalhadores? Falou noutras ocasiões no "lado bandido" do PT...
O PT é uma organização muito importante para a história brasileira. Mas o PT, de um tempo para cá, perdeu completamente a noção do país. E não posso chamar o PT, porque conheço muita gente do PT que está a perceber isso. O problema é que o PT vive hoje vítima de um caudilhismo sul-americano. O Lula foi um momento maravilhoso da vida brasileira, que eu ajudei, com quem colaborei, de quem sou companheiro, sou amigo. Mas infelizmente parece haver uma síndrome dos 
Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Márquez. Talvez explique esse trauma, essa vulnerabilidade sul-americana ao caudilhismo personalista corrupto. E é no que se transformou a direção do PT, transformou-se na réplica de um caudilhismo, absolutamente sem projeto, sem compreensão de país, que se assume e se autorrefere como de esquerda e faz toda uma prática de direita, não só no campo moral mas no campo económico, principalmente.

Pode dar exemplos?
Só para que o português saiba, o Brasil, durante o governo assim chamado de esquerda, não fez uma única alteração no sistema tributário mais regressivo do mundo. Os pobres no Brasil pagam 42% do seu rendimento em impostos e os muito ricos pagam 4%, como proporção. O Brasil é um de dois países do mundo, junto com a Estónia, que não cobra tributo sobre lucros e dividendos empresariais. O Brasil, durante o governo Lula, concentrou em apenas cinco bancos, 87% de todas as transações financeiras do país. E esses bancos vivem tendo um lucro extraordinário, quando a economia real está completamente deteriorada. É impressionante o que lhe digo. O Brasil fechou 13 mil indústrias nos últimos três anos. O Brasil fechou 12 mil casas de comércio nos últimos três anos. Nós estamos com 14 milhões de desempregados, 63 milhões de brasileiros com nome sujo no sistema de controlo de crédito, e os bancos tendo lucros exorbitantes, recordistas, basicamente estipendiados pelo Estado brasileiro, que patrocina uma taxa de juros absolutamente criminosa durante todo o período assim referido de esquerda. Essa crítica eu faço com dor, mas ou o Brasil dá um passo adiante ou nós vamos produzir essas aberrações. Porque o que gerou esse fenómeno de eleger um despreparado, um semianalfabeto, não no sentido de leitura, mas no sentido de compreensão da vida, como Bolsonaro, um maluco, em rigor, um imbecil, uma palavra dura para se dizer de um presidente, mas é um imbecil, foi a onda antipetista.

"O que gerou esse fenómeno de eleger um despreparado, um semianalfabeto como Bolsonaro, um maluco, em rigor, um imbecil, foi a onda antipetista."

Teria sido tudo muito diferente se o PT tivesse apoiado a sua candidatura presidencial?
Não precisava ter-me apoiado, porque senão a minha análise não teria a isenção necessária. Se o PT tivesse entrado numa dinâmica de discutir as coisas do Brasil, assim como elas são percebidas pelo nosso povo... Se o PT tivesse tido o mínimo de autocrítica... porque não é razoável. O [António] Palocci foi ministro da Fazenda do Lula oito anos, foi ministro-chefe da Dilma, e está hoje em prisão domiciliária depois de ser apanhado com cem milhões de reais, algo em redor de 25 milhões de euros, quando era uma pessoa pobre. É confesso que foi corrupção, é réu confesso e denuncia toda a estrutura e o PT até hoje não faz uma referência? Todos os tesoureiros do PT foram presos, todos os dirigentes do PT, os parceiros... Michel Temer foi posto na linha de sucessão pelo Lula, pela popularidade generosa que o povo lhe deu. Então, nada disso eles refletem. Temer é preso e eles que acusaram o Temer de promover um golpe de Estado, fizeram a defesa de Temer não pela legalidade, mas pelos factos, porque eles estão amarrados na narrativa do Lula de que é um preso político, tendo tido amplo direito de defesa, de se defender. Ele tem seis processos contra ele.

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