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Santayana: a lei americana só protege os americanos

Os Estados Unidos ou ajustam sua convivência ao mundo ou entram em guerra com o mundo.
publicado 13/06/2013
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O Conversa Afiada reproduz  do JB online artigo de Mauro Santayana:


Os ventos enlouquecidos



por Mauro Santayana

Em um dos mais belos poemas da nossa antiga e desprezada Língua Pátria, Joaquim Cardozo reúne, em uma várzea do Capibaribe, todos os ventos do mundo. Os alísios, em sua anárquica natureza e rota, chegam do Equador, viajando clandestinos em um transatlântico.  

Os ventos do grande engenheiro e poeta se queixam, em seu congresso, do abandono em que se encontram, agora, solitários, vagando sobre  todos os quadrantes. Vagando sobre todos os quadrantes se encontram os ventos amotinados em ciclones, furacões, tornados e tufões políticos. Anteontem, em Brasília, o chanceler Serguei Lavrov aprovou a presença do Brasil na conferência internacional que deve reunir-se para discutir a situação na Síria. Se a Rússia, os Estados Unidos e a China não se entenderem logo sobre o tema, irão agravar-se, e de forma perigosa, as tensões internacionais.

Os Estados Unidos se encontram em situação constrangedora, que limita os movimentos diplomáticos, mas excita as glândulas agressivas de seu complexo industrial-militar, denunciado por Eisenhower, o mais prudente chefe de Estado norte-americano, depois da Segunda Guerra Mundial. O general Eisenhower, comandante-em-chefe das tropas aliadas conhecia de perto a realidade internacional e a verdadeira crônica do conflito - em que se destacara a União Soviética - de forma a avaliar, com precisão, os riscos do envolvimento cada vez maior de seu país no jogo internacional do poder.

As revelações de Snowden são muito mais graves do que as de Manning. Os telegramas diplomáticos trocados entre as missões americanas, no mundo, e o Departamento de Estado (divulgados por Assange), revelavam  seu juízo desprezível sobre personalidades importantes dos governos “amigos” e o uso de intrigas que favoreciam a influência internacional de Washington.

Snowden denuncia o monitoramento das comunicações eletrônicas internacionais, com o conluio das empresas privadas que operam o sistema, como é o caso do Google, do Facebook, da Yahoo, e de outras. Trata-se de uma agressão ao mundo inteiro.

A reação de alguns países europeus mostra que os Estados Unidos podem manter e, eventualmente, empregar todo o seu imenso poder militar, mas estão perdendo o respeito da Humanidade. Eles sempre poderão contar com a vassalagem de algumas nações, seja pela cumplicidade histórica, como é o caso do Reino Unido e da Espanha, seja pelo medo, mas isso não basta para impor ao planeta a sua vontade.

Além de a União Européia manifestar a sua preocupação, a chanceler Ângela Merkel declarou que vai conversar sobre o assunto com Obama, que visitará Berlim quarta feira.  Peter Schaar, especialista em internet, resumiu: “o problema é que nós europeus não estamos protegidos. A lei americana só protege americanos”.

Na mesma linha se pronunciaram Joerg-Uwe Hahn, secretário de Justiça do land de Hesse e Sabine Leutheusser, ministra da Justiça, em artigo publicado em Der Spiegel, diz que a vigilância americana é profundamente desconcertante e potencialmente perigosa. “Quanto mais uma sociedade monitora, controla e observa seus cidadãos, menos livre ela é” – acrescentou.

Embora os meios ocidentais de comunicação prevejam que Beijing entregará o jovem a Washington, para não perturbar o relacionamento amistoso entre os dois países, o silêncio do governo mantém a dúvida. Se, na opinião pública mundial, a provável proteção ao rapaz favorecerá a China, a eventual entrega do funcionário da Booz Allen – outro herói na prisão - seria  enorme presente de grego, imenso cavalo de Tróia.

O processo contra o técnico – não sujeito à severidade excessiva dos códigos militares – poderá estimular outros vazamentos públicos, em uma comunidade de segurança que envolve milhares de civis.

Isso significaria uma rebelião declarada contra o sistema, muito mais grave do que a inconfidência que atinja só o governo Obama. Enquanto isso, os chineses, que são mestres nesse tipo de jogo, devem divertir-se com o suspense. E Washington, ao que parece, hesita em pedir a extradição e pagar o preço de novo embaraço diplomático.

Os Estados Unidos, ao contrário de Camões, que ali se achou, ainda se encontram perdidos “sóbolos rios da Babilônia”, no Iraque e em seus arredores. De lá saem sem glória, carregando um passivo de centenas de milhares de mortos, também com milhares de seus próprios soldados mortos ou inválidos no corpo e na alma,  em 10 anos de guerra limitada e mais dez anos de guerra aberta.

Os Estados Unidos terão que se decidir: ajustam sua convivência com o mundo, ou fazem a guerra ao mundo.



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