Mundo

Você está aqui: Página Inicial / Mundo / Sem imposto sobre a fortuna não há paz na França

Sem imposto sobre a fortuna não há paz na França

Piketty e a revolta dos coletes amarelos
publicado 04/12/2018
Comments
Untitled-1-Recovered.jpg

Por trás das máscaras os velhinhos impedem a desindexação da aposentadoria, viu Guedes? (Benoit Tessier/Reuters)

O Conversa Afiada acompanha a queda do "mito" francês do pedestal: os coletes amarelos obrigaram Macron a suspender o imposto sobre os "combustíveis" (os caminhoneiros brasileiros devem permanecer em estado de alerta).

Essa revolução ainda em curso se fez acompanhar de uma proposta de Thomas Piketty, autor do clássico "O Capital do Século XXI".

(Conversa Afiada assegura que a comunidade acadêmica mundial, de Cambridge a Cambridge,  aguarda uma analise da Míriam Leitão, a Cegonhóloga sobre essa obra de Piketty para se manifestar sobre sua relevância...)

Piketty participou de um debate na televisão francesa - fenômeno que jamais se verá o Brasil, onde a televisão prefere debater se o Felipão deve ser técnico da seleção da Colombia ou se deve ficar no Palmeiras! A Europa se curva ante o Brasil!

Quem assistiu a esse debate foi a professora Marilia Amorim, excelente professora da UFRJ e da Universidade de Paris:

Num debate na tv, 2/XII, Thomas Piketty disse claramente que a solução é restabelecer o Imposto sobre a Fortuna.

Explicação rápida: nem o Piketty nem outras vozes de esquerda são contra a "taxa sobre o carbono", porque ela é uma medida ecológica que vem sendo defendida por todos para incentivar o uso do transporte público em vez do carro e a mudança (compra) de carros elétricos ou movidos a hidrogênio, que não poluem.

O problema é que Macron lançou  essa taxa ao mesmo tempo em que as aposentadorias diminuíram e uma grande parte do movimento dos gilets jaunes é de velhotes -  é fantástico ver os velhos na rua, passando a noite em barracas etc -  e dizendo claramente a Macron qual é o problema.

É emocionante ver que é um movimento que reúne jovens e velhos.  

A taxa do Macron veio também ao mesmo tempo em que o salário mínimo não acompanha o aumento do aluguel, luz, eletricidade etc. 

E se os moradores de grandes cidades podem deixar o carro e usar transportes públicos, os pobres das cidades pequenas precisam do carro para trabalhar em outras localidades: não tem como pagar mais essa taxa no combustível.

Macron diminuiu de quase à metade a taxa sobre operações financeiras e mais tudo o que é renda de capital.

Só não diminuiu o imposto sobre a renda de trabalho - salário e aposentadoria, claro!

Ao mesmo tempo, Macron suprimiu o imposto sobre a fortuna dos milionários (que existia até então) e, last but not least, descriminalizou a evasão fiscal dos ricaços com o argumento de que, assim, eles voltariam a investir na França.

Ou seja, sem nenhum pudor, se revelou o presidente dos muito ricos. Aí, no momento de por em vigor a tal taxa ecológica sobre o combustível poluente, o povo gritou.

É povão mesmo, trabalhadores, artesãos, pequenos comerciantes, aposentados, jovens em empregos precários. Em matéria de consciência política, dão de 10 a zero nos brasileiros.  

Eles começaram contra a "taxa carbono" e hoje falam da desigualdade monstruosa e pedem, como Piketty, a volta do imposto sobre a fortuna.

O argumento do Piketty é que, com a volta do Imposto sobre a fortuna, o Estado poderia subsidiar os pobres em relação à taxa carbono que visa à transição ecológica: financiar os pobres e isentar quem usa o carro para trabalhar.

Além disso seria necessário indexar as aposentadorias e o salário mínimo à inflação e aos outros aumentos. 

(Benefícios, que, segundo o Conversa Afiada, os Xi! Cago Boys  dai pretendem extinguir, não é isso?) 

Agora os gilets jaunes falam de injustiça fiscal, de desigualdade vergonhosa.

As pichações que eles fazem são fantásticas na radicalidade.

Por exemplo: " Sem guerra entre os povos, sem paz entre as classes!"

Eles são incrivelmente articulados e corajosos.

Entre os que foram presos, a maioria é jovem porque eles botam pra quebrar, isto é, quebram mesmo. 

A quantidade de velhos é impressionante. (Eu sempre disse que uma coisa que muito me impressionava era a diferença entre os velhos franceses e os velhos brasileiros.)

E os caminhoneiros, claro, dão apoio.

Uma atualização no rádio hoje de manhã: o governo decidiu congelar todas as taxas - carbono (no combustível) e luz - que iriam aumentar em janeiro.

Ao que os gilets jaunes responderam: é uma boa medida mas insuficiente. 

Eles exigem a volta do imposto sobre a fortuna!

São pikettyanos...

Aliás, o apoio dos franceses ao movimento é na faixa de 80%. Todos dizem que, para a França, o atual nível de desigualdade de renda é inaceitável.

É o povo herdeiro do "liberté, égalité, fraternité".

Faz lembrar o Mino Carta: sem sangue na rua, o povo não aprende. 

Marilia Amorim