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Pensaram que o PT estava morto. Aí veio Haddad...

The Nation: fracasso de Alckmin fez o "mercado" apoiar Bolsonaro
publicado 23/09/2018
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O Conversa Afiada reproduz da Nation, a mais antiga revista semanal em circulação nos EUA, artigo de Andy Robinson:

O plano da elite brasileira para destruir o PT falhou


O plano era o seguinte: negar a legitimidade da vitória de Dilma Rousseff nas Eleições de 2014. Impulsionar o impeachment a partir de uma acusação forjada (contabilidade criativa para disfarçar um déficit orçamentário). Organizar protestos gigantescos contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e em apoio aos procuradores da Lava Jato que denunciaram Luiz Inácio Lula da Silva, o popular ex-Presidente da República e líder do PT por longo tempo, por corrupção e lavagem de dinheiro. Encorajar grandes veículos de mídia, notadamente a poderoso Rede Globo, a identificar o PT como a raiz da corrupção institucional no Brasil. Aumentar o apoio internacional à medida que se acumulavam prêmios nos escritórios dos juízes da Lava Jato (treinados em Harvard) em Curitiba e a Economist claramente defenda "Dilma, hora de ir embora".

Aí, uma vez que Dilma fosse removida do cargo, executar um plano de choque neoliberal - um eufemismo rotulado pelo novo Presidente Michel Temer como a "ponte para o futuro" - com privatizações em ritmo acelerado, uma queima de estoque das ações brasileiras para investidores internacionais, austeridade draconiana e desregulamentação do mercado de trabalho. Os mercados responderiam e a confiança retornaria. Uma recuperação econômica liderada pelo setor privado seria a base para o sucesso eleitoral do PSDB, um partido pró-mercado de centro direita defendido por comentaristas em São Paulo, Wall Street e Washington. Lula, sempre uma ameaça devido ao carisma, teria, no meio tempo, marchado rumo à prisão. Um Governo do PSDB, liderado pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, recolocaria o Brasil no caminho neoliberal, à medida que a maré cor-de-rosa da década passada recuou. Em 2014, era esse o plano.

Semana passada, com uma nova leva de pesquisas eleitorais indicando um segundo turno entre o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro e o ex-Prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato pelo PT (que diziam estar morto), aquele plano ficou em frangalhos (...) Alckmin não está em lugar algum. Ele está mais de 10 pontos atrás de Bolsonaro e, em um eleitorado que ainda se identifica entre esquerda e direita, é improvável que ele chege ao segundo turno. O Senador do PSDB Tasso Jereissati anunciou publicamente em 12 de setembro: "Nós cometemos erros monumentais: não aceitar o resultado da Eleição de 2014 foi um deles (sempre fomos um partido que defende as instituições e respeita a Democracia); apoiar o impeachment foi outra, e entrar no Governo Temer, um terceiro".

Uma rápida pesquisa sobre a campanha eleitoral a menos de três semanas do primeiro turno mostra quão precisa é a explosiva mea culpa de Jereissati. A estratégia do establishment foi um tiro no pé. O apoio a Lula cresceu de 15% para 40% desde 2016 (...) Os níveis de rejeição do Juiz Sergio Moro, pintado pela mídia como um super-herói, são hoje maiores que os de Lula, o homem colocado na prisão. O impeachment de Dilma Rousseff é agora considerado por grandes setores do eleitorado como um Golpe de Estado (...)

Em um segundo turno contra Bolsonaro, Haddad, ex-Ministro da Educação de Lula, seria o favorito, já que a rejeição a Bolsonaro é enorme (acima de 40%). Mas, no Brasil, seria um horror para a direita um novo Governo do PT, apenas três anos depois de os bancos e empresários alertarem para "um caminho bolivariano" trilhado pelo Brasil. Apenas outro candidato, Ciro Gomes, parece ter alguma chance de derrotar Haddad e, portanto, disputar o segundo turno com Bolsonaro. Mas ele oferece pouco conforto ao establishment. Tem uma tendência nacionalista à esquerda e se opõe fortemente à austeridade e às privatizações - e até prometeu bloquear a anunciada venda da Embraer à Boeing.

(...) O mercado financeiro parece começar a considerar Bolsonaro como a única alternativa ao PT. O mercado cresce à medida que Bolsonaro melhora nas pesquisas, ainda que a disparada de Haddad na semana passada tenha acionado os alarmes. É claro que Alckmin é o predileto dos investidores globais, o que pode explicar o salto no preço das ações e da moeda brasileira quando veio a notícia da facada em Bolsonaro - os mercados talvez esperassem que o ataque fosse letal. Mas agora que ele não apenas está se recuperando, mas fortalecendo seus índices, há sinais de que ele vem ganhando o apoio da elite. "A força de Bolsonaro parece agradar a investidores", disse Alvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Modalmais. Enquanto isso, os entrevistadores da Rede Globo estão visivelmente menos agressivos com Bolsonaro do que com Haddad.

Curiosamente, Haddad, professor na faculdade de negócios Insper - da elite -, é atualmente uma figura moderada e, como Lula em 2003, estaria aberto a encontrar uma conciliação com o mercado financeiro. É provavelmente a razão pela qual Lula o escolghey como sucessor. "Haddad reformaria a Previdência (considerado essencial por investidores para a estabilidade fiscal", disse Marcelo Mitterhof, do BNDES, o banco brasileiro de desenvolvimento. "No Insper ele teve a oportunidade de conhecer a elite de São Paulo". Lula, afinal de contas, dividiu muito bem o espaço com as grandes corporações e os gestores dos fundos de mercados emergentes por oito anos como Presidente. Nos anos de boom sob sua presidência, era o favorito nas favelas e entre os investidores.

Mas a massiva redistribuição de renda - 40 milhões foram tirados da extrema pobreza e milhões ascenderam, ainda que por puco tempo, para a baixa classe média - agitou o sistema de permanentes privilégios no Brasil. Isso não pode ser facilmente esquecido nem pela elite, nem pela tradicional classe média, cuja renda não cresceu tanto quanto à dos pobres durante os governos de Lula e de sua sucessora, Dilma Rousseff. As radicais reformas de Haddad na Educação entre 2005 e 2012 levaram milhões de jovens trabalhadores às universidades. Ele ampliou o investimento em Educação de 4% para 6% do PIB, focando nas famílias de baixa renda. Isso elevou a possibilidade de uma revolução social no Brasil, algo que os privilegiados relutam em aceitar.

(...) O dilema para aqueles que detiveram o poder por tanto no Brasil é real, diz o cientista político Josué Medeiros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Haddad representa o PT, por mais razoável que ele possa parecer. A esquerda pode sair revigorada por uma vitória de Haddad e, talvez, até por uma vitória de Ciro Gomes. "Há um cenário em que a esquerda poderia se mobilizar para frear as reformas que o mercado quer", diz Medeiros. Não é uma projeção positiva para os engravatados da Avenida Paulista, nem para os gabinetes dos corruptos do Congresso. Mas o apoio a Bolsonaro revelaria a verdadeira natureza da elite brasileira, cuja hegemonia desde que os militares deixaram o poder três décadas atrás pareceu depender do compromisso com a Democracia liberal e um contrato social. Quando Bolsonaro assinalou, durante sua entrevista à Globo, que a Globo apoiou a Ditadura Militar (1964-85), a emissora teve de explicar que não mais apoia. Pensar no próximo plano para o establishemnt requer um gênio Mas Lula está na prisão.