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Juiz da Mãos Limpas destruiu a Política. Moro idem

Murrow tem tanto a ver com as Mãos Limpas quanto com o julgamento de Sócrates
publicado 10/01/2018
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O Conversa Afiada reproduz do DCM artigo de Marcos Cesar Danhoni, professor-titular da Universidade Estadual de Maringá, autor do livro “Do Infinito, do Mínimo e da Inquisição em Giordano Bruno”:

As semelhanças entre Moro e Di Pietro, o ex-juiz italiano que se lançou na política pelas Mãos Limpas


Umberto Eco publicou em 2014 mais uma de suas obras–primas, “Zero”. O livro havia começado sua gênese 20 anos antes, logo após outro best-seller, “A Ilha do Dia Anterior”.

Em 1994 estava fresca na memória de todos os italianos a destruição completa dos partidos políticos (o fim da Primeira República) empreendida pela operação Mani Pulite (Mãos Limpas) liderada pelo Juiz Antonio di Pietro.

Esse juiz queria se colocar no mesmo patamar ético e moral dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borselino, ambos assassinados em atentados levados adiante pela Máfia italiana, mais tarde envolvida em um sem-número de escândalos com diversos políticos dos mais variados partidos da Itália.

Vejamos o que escreve Umberto Eco em sua obra ficcional “Zero” sobre Antonio di Pietro:

Lembrem que nos dias seguintes se procurou dar pouca importância ao fato, Craxi teria até dito que Chiesa era só um pilantra, e o teria liberado, mas o que o leitor de 18 de fevereiro ainda não podia saber é que os magistrados continuariam investigando, e estava emergindo um verdadeiro mastim, o juiz Di Pietro, que agora todos sabem quem é, mas de quem ninguém tinha ouvido falar na época. Di Pietro deu uma prensa em Chiesa, descobriu contas na Suíça e o fez confessar que não era um caso isolado, e aos poucos está pondo a nu uma rede de corrupção política que envolve todos os partidos, e as primeiras consequências foram sentidas exatamente nos dias recentes, os senhores viram que nas eleições a Democracia Cristã e o Partido Socialista perderam um monte de votos, e quem se fortaleceu foi a Liga, que, hostilizando os governos romanos, está tirando proveito do escândalo. Estão chovendo mandados de prisão, os partidos estão se desagregando aos poucos, e já há quem diga que, depois da queda do Muro de Berlim e do desmantelamento da União Soviética, os americanos já não precisam dos partidos que podiam manobrar e os deixaram nas mãos dos magistrados, ou talvez, poderíamos arriscar, os magistrados estão seguindo um roteiro escrito pelos serviços secretos americanos, mas por enquanto não vamos exagerar. Essa é a situação hoje, mas em 18 de fevereiro ninguém podia imaginar o que aconteceria. O Amanhã, porém, vai imaginar e fazer uma série de previsões. E esse artigo de hipóteses e insinuações eu confio ao senhor Lucidi, que precisará ser hábil para, dizendo é possível e talvez, contar de fato o que depois de fato aconteceria. Com alguns nomes de políticos, bem distribuídos entre os vários partidos, ponha as esquerdas no meio também, dê a entender que o jornal está coletando outros documentos, e diga isso de um modo que faça morrer de medo até aqueles que lerem o nosso número 0/1 sabendo muito bem o que aconteceu nos dois meses depois de fevereiro, mas se perguntando o que poderia ser um número zero com a data de hoje… Entendido? Ao trabalho.

Eco percebera desde o início no que se transformara um juiz midiático como Di Pietro: havia liquidado os partidos políticos com a ajuda da imprensa, além da indústria nacional italiana, sem se preocupar em processar as empresas multinacionais envolvidas em enormes escândalos de financiamento de campanhas e toda ordem de corrupção, incluindo o uso da Máfia, da ‘Ndrangheta, da Cosa Nostra, da Camorra e de todas as associações criminosas que infestavam e infestam ainda hoje a sociedade italiana.

Di Pietro queria sair da Magistratura e ser aclamado pela política de terra arrasada que empreendera. No entanto, após deixar efetivamente a toga e criar um partido político, em sua sanha mitômana e midiática de un uomo, un partito (“um homem, um partido”) viu aparecer no horizonte político italiano Silvio Berlusconi, disposto a defender seu patrimônio multibilionário.

A Itália no dopo Guerra nunca havia conhecido um período de estabilidade política do parlamento superior a um ano. Após a devastação de Di Pietro, Berlusconi reinou absoluto de 1994 a 2011, causando um progressivo aumento da concentração de renda, o enfraquecimento da indústria italiana, a destruição da ciência e tecnologia, ao crescimento do partido fascista sob novo lustro na liderança de Gianfresco Fini, da Lega (um partido secessionista, da região da “Padânia”) de origem e ao total desaparecimento do próprio Di Pietro e de seus amigos togados ou ex-togas.

O trecho de Eco em seu “Zero” demonstra a possibilidade do governo norte-americano em usar magistraturas nacionais para conseguir seus feitos econômicos de fragilizar economias internacionais concorrentes, em nome do bom combate à Máfia e da corrupção generalizada.

Di Pietro chegou a dizer recentemente: “Fiz a investigação Mãos Limpas que destruiu tudo o que era considerado a Primeira República: o mal, que era a corrupção, e era muita, mas também as ideias”. Acrescenta: “Fiz política baseando-a no medo e paguei as consequências” (IL DUBBIO, 2017).

E continua: “Mãos Limpas produziu um vácuo: é dela que começaram os partidos pessoais, começando por mim mesmo. Mas partidos duraram o espaço de uma manhã, como eu mesmo sou prova viva”.

Revela que usou a mídia, especialmente a TV, criando o consenso do medo das algemas, tornando-o um “magistrado-símbolo”, destruindo todas as ideologias e abrindo espaço para o nascimento dos assim denominados “partidos pessoais”.

Di Pietro largou a magistratura, criou seu próprio partido político, que deu com os burros n’água. Hoje, afirma: “Estou fazendo uma crítica. Do fim da Primeira República deveria ter emergido novas ideias e pessoas que a levassem adiante. No entanto, das investigações nasceu um grande vazio fazendo aparecer sobre a cena política personagens mais para eles próprios que para outros, começando comigo (…) O personalismo venceu” (…) Hoje penso em personagens como Berlusconi e Bossi…” (REPUBBLICA, 2017).

Este último inventou um partido para a separação da região da Padânia do território europeu e que serviu de fiel da balança para o desastroso mas estável governo Berlusconi.

Na verdade, Antonio Di Pietro surge como personagem midiático após os assassinatos brutais de dois ícones da Magistratura italiana: Giovanni Falcone e Paolo Borselino, mortos em atentados praticados pela Máfias. Ambos os juízes lideravam o pool anti-Máfia. Suas mortes geraram um clamor popular imenso.

Ciente de que os negócios da Máfia infectavam todo o tecido social, político e econômico da Itália, Antonio Di Pietro surge com sua operação Mani Pulite. No entanto, na perseguição mítica em vida que pretendia sobre os cadáveres de Falcone e Borselnino, os grandes erros de Di Pietro foram:

  1. Aliar-se à mídia e vazar informações espetacularizando processos;
  2. Investir no medo que assombrou toda classe política na Itália, sendo responsável por uma série absurda de suicídios que marcou a operação;
  3. Acreditar que todos os partidos, a priori, deveriam deixar de existir, criando partidos personalíssimos tendo como bandeira somente o combate à corrupção;
  4. Usar de meios quase ilegais, baseados em delações premiadas, como já havia ocorrido com o mega-mafioso preso no Brasil, Tommaso Buscetta (hoje sob novo nome e abrigado permanentemente nos Estados Unidos, protegido pelo FBI e CIA);
  5. Sair candidato para tentar fazer-se Primeiro-Ministro e combater Berlusconi, de quem perdeu fragorosamente. Aliás, fortaleceu este último por mais de dez anos consecutivos ao fim da belle époque da Mani Pulite.

As similaridades entre as operações Mãos Limpas e Lava-Jato parecem imensas, assim como o juiz Antonio Di Pietro e Sergio Moro. De fato, a espetacularização dos processos, os vazamentos seletivos, o uso da imprensa aliada à magistratura, as delações premiadas, o uso das massas populares para apoio às medidas de exceção, tornam o modus operandi a Lava-Jato como uma fotocópia da Mãos Limpas. No entanto, existem diferenças gritantes:

  1. Sergio Moro ainda não se mostrou disposto a ser candidato à presidência da República, apesar do apelo popular daqueles que foram às ruas pedir o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff. Apesar disso, a assim denominada “República de Curitiba” prepara seu promotor Deltan Dallagnol (supostamente o “DD”, segundo o advogado da Odebrecht exilado hoje na Espanha, Tacla Durán) para ser candidato a senador da República pelo Estado do Paraná nas eleições de 2018;
  2. Antonio Di Pietro, baseado numa operação de grande espectro, do pool anti-Máfialiderada por dois juízes de grande carisma, Falcone e Borselino, vítimas de criminosos bárbaros, investiu contra TODOS os partidos políticos. No Brasil, o pool liderado por Moro, Dallagnol e Lima investigam somente um único partido, o PT, criminalizando-o antes do próprio início da operação Lava-Jato (Moro denominava sarcasticamente Lula de nine – o número 9 em inglês – e o condenou a nove anos de prisão, para manter seu sarcasmo);
  3. Antonio Di Pietro sai da magistratura e faz política, degringolando na aparição fulminante de Berlusconi mas pelo desejo popular, nas urnas. No Brasil, o poolcomandado por Moro e Dallagnol preparam o terreno para o golpe jurídico-parlamentar-midiático de uma Presidenta legitimamente reeleita pro 54,5 milhões de votos, ou seja, funcionam como esteio para o golpe, sendo fundamental o vazamento de telefonemas ilegais de grampos plantados pela PF a mando de Moro e, posteriormente, a condução coercitiva do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
  4. pool italiano consegue prender um dos mais sádicos assassinos da Máfia, Giovanni Brusca, que admitiu ter apertado o botão do detonador no massacre da estrada de Capace (que detonou os mil quilos de explosivos que tiraram a vida de Giovanni Falcone, sua esposa e três membros de sua escolta). Brusca tinha sido empregado em um Haras de Berlusconi na região Norte da Itália. No Brasil, todos os crimes de Máfia, especialmente o tráfico internacional de drogas, que foram desbaratados em helicópteros e usos de fazendas e aeroportos ligados a políticos que deram apoio ao golpe, não mereceram nenhuma investigação séria e isenta.

Antonio Di Pietro foi, ele próprio, acusado de financiamento ilegal de campanha de seu malfadado partido político, hoje extinto. Faz sua autocrítica e arrepende-se da espetacularização dos processos e da soberba que lhe dominou o espírito. No Brasil, de forma muito diferente, o pool da Republiqueta de Curitiba segue monoliticamente interessada em seu único objetivo: prender o ex-presidente Lula, intervindo diretamente nos resultados das eleições presidenciais de 2018.

pool da Lava-Jato (ou “Vaza-Jato” como ficou denominada) liquidou a economia nacional, apoiando, com seus resultados, políticas anti-sociais que dizimaram o Estado Social, a economia e a soberania nacional, com o congelamento de investimentos sociais para os próximos 20 anos, a extinção da CLT, a derrocada da indústria naval e da engenharia civil, do esvaziamento de recursos para o projeto do submarino nuclear, da concessão da base de Alcântara aos norte-americanos; da concessão de bacias de pré-sal a petroleiras estrangeiras, etc.

Ademais, Moro desconhece a história do pool anti-Máfia italiano e da operação Mani Pulite. Sua linha de ação foi inicialmente ancorada nas ideias de um artigo que ele traduziu de Stephen S. Trott sobre delações premiadas. Esta é a prova de que Moro jamais se baseou no Mani pulite como método.

Porém, nem o artigo de Trott inspirou tanto assim o juiz Sergio Moro: provavelmente seu método baseia-se mais nas exigências do FBI e da jurisprudência norte-americana, como agora tem sido levantado pela mídia internacional.

pool de juízes e promotores no Brasil tem sofrido revezes na tentativa de criação de um clima totalitário-judiciário. Delações, segundo Tacla Durán, parecem ser “comercializadas” para os fins a que se baseiam a investigação: a punibilidade do ex-presidente Lula.

Diferentemente de Di Pietro, Moro e sua equipe preparam-se para entrar na História como os artífices do fim da democracia brasileira arduamente construída após o regime militar. Provavelmente ainda enveredarão por caminhos sinuosos da política, mas para manter o quadro golpista que liquidou um governo legítimo no golpe de 2016.

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