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Fim da privacidade na rede é ameaça à democracia

A internet sabe quem você é!
publicado 10/04/2017
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O Conversa Afiada reproduz trechos da entrevista de Martin Hilbert, doutor em Comunicação, Economia e Ciências Sociais, publicada pelo UOL Tecnologia. Segundo Hillbert, que também é professor pela Universidade da Califórnia, os "rastros digitais" que deixamos ao usar a internet são uma ameaça à nossa privacidade - e também à própria democracia.

Uma decisão recente do Congresso, aprovada pelo presidente Donald Trump, facilitará a venda de informação de clientes por empresas provedoras de internet. (...) Consideremos uma pessoa adulta que hoje usa um celular, um computador. Quanta informação pode ser coletada sobre essa pessoa?
Hilbert: No passado, a referência de maior coleção de informação era a biblioteca do Congresso americano. E hoje em dia a informação disponível no mundo chegou a tal nível que equivale à coleção dessa biblioteca por cada 15 pessoas. (...) E a informação que você produz cresce basicamente no mesmo ritmo: estima-se que haja 5.000 pontos de dados disponíveis para análise por morador dos EUA. São coisas que deixamos no Facebook, por exemplo. O volume de dados que deixamos de verdade é difícil de estimar, porque é quase um contínuo: você tem o celular consigo a cada segundo e deixa uma pegada digital. Então cada segundo está registrado por diversas empresas.

Pode dar exemplos?
Hilbert:  Sua operadora de celular sabe onde você está graças a seu celular. O Google também sabe, porque você tem Google Maps e Gmail no seu telefone. E cada transação que faz com seu cartão de crédito é um ponto de dados, cada curtida no Facebook. (...)

Para que essa informação é usada?
Hilbert: Para uma empresa de marketing ou um político em busca de votos, é algo muito interessante. Com o chamado big data (análise de grandes volumes de dados oriundos do uso de internet) também elevamos muito o poder de previsão das Ciências Sociais. Desenvolver um algoritmo de inteligência artificial pode custar milhões de dólares. Mas uma vez criado pode ser aplicado a todos. Então é algo que está sendo empregado rapidamente em outros países. (...) A questão é o quão perigoso é tudo isso, essa forma como estão coletando dados que permitem fazer previsões sobre os indivíduos e a sociedade em geral. (...) Quem não está preparada para esta transparência brutal entre cidadão e representante é a democracia representativa.

Por quê?
Hilbert: (...) Os representantes hoje podem ter acesso a tudo o que os cidadãos fazem. E os cidadãos podem ditar a vida dos representantes, com tuítes e outros recursos. A democracia representativa não está preparada para isso. (...) É o que vemos agora, com a última eleição nos EUA e como o novo presidente usa as mídias sociais --é parte dessa confusão em que estamos.

É preciso refletir e reinventar a democracia representativa. Caso contrário, ela pode facilmente se converter em ditadura da informação. E atentem que a visão mais antiga da sociedade da informação é de 1948, quando George Orwell publicou seu livro 1984. A visão era de uma ditadura da informação. Se alguém dissesse isso há dez anos, certamente seria contestado pela maioria que acreditava que a internet era democracia pura e liberdade. Mas hoje pessoas começam a entender a necessidade de atuação rápida. A democracia não está preparada para a era digital e está sendo destruída.

Pode dar exemplos práticos dessa destruição?
Hilbert: Obama entende muito bem de big data. Depois do caso Snowden muitos perguntaram porque Obama nada fez. Bom, porque ele também o usou muito.

A maior despesa da campanha de Obama em 2012 não foi para comerciais de TV: criou-se um grupo de 40 engenheiros recrutados em empresas como Google, Facebook, Craigslist, e que incluiu até jogadores profissionais de pôquer. Pagou milhões de dólares para o desenvolvimento de uma base de dados de 16 milhões de eleitores indecisos: 16 milhões de perfis com diferentes dados: tuítes, posts do Facebook, onde vivem, o que assistiam na TV.

Quando a campanha conhecia suas preferências, se um amigo seu no Facebook dava uma curtida na campanha de Obama, a equipe ganhava acesso à página desse amigo e passava e enviar mensagens.

E conseguiram mudar a opinião de 80% das pessoas alcançadas desta maneira. Com isso, Obama ganhou a eleição. É como uma lavagem cerebral: não mostra a informação, apenas o que querem escutar.

Como o big data está alterando as formas de governar?
O representante político tem muita informação sobre você, mas o inverso também é verdade. Veja o presidente Trump, que muitas vezes reage em tempo real ao que as pessoas dizem. É como alguém se convertesse em uma marionete do que recebe pela TV ou pelo Twitter.