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Emiliano José: por que os americanos querem Alcântara

Serra e Temer sempre gostaram de tirar os sapatos...
publicado 05/03/2018
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O Conversa Afiada reproduz artigo do jornalista, historiador e ex-deputado federal pelo PT da Bahia Emiliano José:

A entrega de Alcântara


A luta mais recente em torno da Base de Alcântara, começa em agosto de 2001. Acordo assinado com os EUA em 18 de abril de 2000, encaminhado ao Congresso Nacional um ano depois para exame, chega à Comissão de Relações Exteriores no dia 8 de maio de 2001, e o deputado Waldir Pires é designado relator. Um acordo abusivo. O governo brasileiro havia admitido artigos que feriam profundamente a soberania nacional. Incluía artigos que impediam a circulação de brasileiros dentro da base, salvo com permissão dos americanos.

Waldir descartou-os todos. Tais artigos eram incluídos nas chamadas salvaguardas tecnológicas, na verdade salvaguardas políticas ditadas pelos interesses estratégicos dos EUA, como denuncia Waldir no relatório concluído no dia 17 de agosto de 2001. Defende que qualquer acordo implica a existência de compromissos consensuais, a serem obedecidos por ambas as partes contratantes. No caso, só se criavam cláusulas com obrigações para o Brasil, ditadas pela desconfiança de que o País pudesse aventurar-se a alguma medida voltada a uma política nuclear ofensiva. E o Brasil, ao contrário, vinha demonstrando inabalável e firme compromisso com a causa do desarmamento.

Inscrevera a proibição de atividades nucleares que não sejam para fins pacíficos em sua própria Constituição Federal, transferira seu programa espacial do âmbito militar para uma agência civil (a Agência Espacial Brasileira – AEB), subordinara-o ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e no plano internacional celebrara e ratificara uma série de acordos e tratados que assinalavam inequivocamente o seu compromisso com o desarmamento. Suspeitas quem despertava eram os EUA, que nunca tiveram compromisso com o desarmamento.

O acordo concedia ao governo americano o controle por inteiro de áreas de Alcântara, tornando-as inacessíveis aos técnicos brasileiros, salvo com permissão dos EUA. Concedia aos representantes norte-americanos o direito de realizar inspeções em quaisquer áreas de Alcântara, sem aviso prévio ao governo brasileiro. Previa que os crachás para adentrar as áreas restritas e todo o território reservado ao lançamento de espaçonaves só poderiam ser emitidos pelo governo norte-americano. A alfândega brasileira seria proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingressasse no território nacional.

Dessa forma, o governo dos EUA poderia, se quisesse, lançar de Alcântara satélites espiões contra países com os quais o Brasil mantivesse boas relações diplomáticas”. O acordo previa que os escombros decorrentes de falhas de lançamento, recuperados por representantes brasileiros, não podiam ser estudados e fotografados de maneira nenhuma. Proibia taxativamente qualquer assistência e cooperação tecnológica, o que o tornava inútil ao País – sobrava apenas o pouco dinheiro proveniente do uso de Alcântara.

Vedava, ainda, o lançamento a partir Alcântara, de cargas úteis ou veículos de lançamento espacial de propriedade ou sob controle de países que estivessem sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das partes, tenham dado apoio a atos de terrorismo internacional. São elásticos e arbitrários os critérios dos EUA para classificar uma nação como terrorista. Não se permitiria o ingresso significativo de equipamentos, tecnologias, mão de obra ou recursos financeiros em Alcântara proveniente de países que não fossem membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), composto 32 países. A China, por exemplo, fora, e com ela o Brasil desenvolvia importantíssimo programa de cooperação na área espacial.

Pelo acordo, o Brasil não podia utilizar recursos de atividades de lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, teste, liberação ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados, quer no Brasil, quer em outros países. Isso praticamente inviabilizava importante projeto do programa espacial brasileiro, o Veículo Lançador de Satélites (VLS). Os recursos provenientes do acordo com os EUA uso de Alcântara só poderiam ser utilizados no desenvolvimento e manutenção de portos, aeroportos, linhas férreas, sistemas de comunicação, que beneficiassem Alcântara. Era uma maneira de colocar o programa espacial brasileiro sob estrita dependência dos EUA.

Num outro parágrafo, obriga-se o governo do Brasil a assinar acordos de salvaguardas com o mesmo objetivo e do mesmo teor com outros países. Waldir acentua que nações soberanas não podem ser coagidas a celebrar atos internacionais entre si em função de um acordo bilateral formado por uma delas com outro país, e muito menos serem obrigadas a inscrever nesses atos o mesmo conteúdo do acordo.

Entende que um acordo de salvaguardas tecnológicas aceitável deveria assegurar que a política de desarmamento era da responsabilidade dos dois países, que as áreas restritas seriam controladas por ambos os governos, que vetos políticos dependiam do consenso entre as duas nações, que o governo brasileiro teria direito de investir o dinheiro proveniente do uso de Alcântara onde bem entendesse, que a alfândega brasileira poderia abrir quaisquer containers caso considerasse necessário, que podia negociar transferência de tecnologia com outros países a seu exclusivo juízo e que deveria garantir transferência de tecnologia espacial.

Em 31 de outubro de 2001, a Comissão de Relações Exteriores aprovará o relatório de Waldir Pires, excluindo os itens que feriam os interesses da Nação. Teve um voto contrário: o do deputado Jair Bolsonaro. O Centro de Lançamentos de Alcântara é a base de melhor localização no mundo, situado no Maranhão a apenas 2,3 graus ao sul do Equador. Supera até mesmo o Centro de Lançamento de Kouru, na Guiana Francesa, a 5,6 graus ao norte do Equador, onde é feita a maior parte dos lançamentos de satélites da Agência Espacial Européia (ESA). Localizado no município de Alcântara, o centro é subordinado ao Comando da Aeronáutica, e foi criado em 1º de março de 1983.

Concluídos os debates na Comissão de Relações Exteriores, a mensagem transformou-se em decreto legislativo, de autoria dessa comissão. O debate sobre tal decreto, passando por outras comissões, sofrendo outras tantas modificações, estendeu-se de 6 de novembro de 2001 a 8 de dezembro de 2016, quando foi retirado de tramitação por proposta do presidente golpista Michel Temer. Waldir, logo depois da aprovação do seu relatório, destacava a força da economia do espaço, um mercado que, então, podia chegar à expressão de 40 bilhões de dólares.

Wikileaks: os EUA não aceitam que o Brasil faça qualquer acordo, com qualquer outro país, que resulte em transferência de tecnologia de foguetes. Assim, a retirada da tramitação do acordo pelo governo Temer, não parece ter nada de inocente. Era clara sinalização de que as pretensões americanas seriam atendidas. Em julho de 2016, Tereza Cruvinel anunciava que Brasil e EUA ensaiavam a reativação do acordo sobre a Base de Alcântara. O ministro das Relações Exteriores de Temer, José Serra, reuniu-se com o embaixador brasileiro nos EUA, Sérgio Amaral para tratar do assunto. Serra sempre se mostrou disposto a entregar a base para os EUA de acordo com o figurino desenhado por eles. E os EUA, como se sabe, nunca perderam o interesse na estratégica base.

Desde o início de 2017, estava claro que o governo Temer pretendia retomar as negociações para entregar Alcântara. André Barrocal, no início daquele ano, em CartaCapital, já denunciara que Brasil e EUA haviam retomado negociações para que Alcântara pudesse ser utilizada pelos americanos. O então ministro da Defesa do governo golpista, Raul Jungmann, disse, em Washington, que o Brasil pretende fazer acordo com vários países para a exploração de lançamento de satélites da Base de Alcântara. Era uma forma suave de dizer as coisas. A matéria do Estadão de 17 de novembro de 2017, onde é publicada a declaração, lembrava corretamente que a negociação mais importante ocorre com os EUA, que detêm a tecnologia de cerca de 80% dos componentes utilizados na fabricação de satélites em todo o mundo.

Marcelo Zero, no artigo O Zumbi de Alcântara, de fevereiro de 2017, apostava que o acordo voltaria de Washington tal como originalmente concebido pelos EUA. Afinal, como ele diz, os EUA sabem defender os seus interesses. Em fevereiro de 2018, houve sinais nítidos de que o governo Temer dava velocidade às negociações com os americanos, diretamente com empresas SpaceX e Boeing para o uso de Alcântara em lançamento de foguetes.

A SpaceX é a principal companhia privada voltada à exploração espacial, e havia lançado ao espaço, no dia 6 daquele mês, a partir dos EUA, do Centro Espacial Kennedy, o Falcon Heavy, tido como o foguete mais potente da história. A Boeing é uma das maiores empresas de construção de aeronaves do mundo, e também produz componentes, satélites e veículos espaciais – fabrica ônibus espaciais usados pela Nasa para levar astronautas ao espaço. Na matéria de UOL Economia de 22 de fevereiro de 2018, acrescentam-se outras informações, como a visita, em novembro do ano anterior, de uma comitiva de executivos de empresas norte-americanos vinculadas ao setor aeroespacial, como Vector Space Sistems, Microcosm, Boeing e a Lockheed Martin.

A SpaceX não integrou a comitiva porque estava resolvendo alguns imprevistos relativos ao lançamento do Falcon Heavy. Os executivos visitaram o complexo aeroespacial de São José dos Campos, a 91 quilômetros de São Paulo, e a próprio Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Portas abertas.

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães vê objetivos estratégicos mais amplos na movimentação dos EUA quanto à Base de Alcântara. Na verdade, não necessitariam da instalação de uma base de foguetes. Cabo Canaveral supre todas as suas necessidades. O objetivo principal, segundo o artigo do embaixador, de 30/10/2017, é ter uma base militar em território brasileiro na qual exerçam sua soberania, fora do alcance das leis e da vigilância das autoridades brasileiras, inclusive militares, onde possam desenvolver todo tipo de atividade militar.

A localização de Alcântara, no Nordeste brasileiro, em frente à África Ocidental, é ideal para os EUA do ângulo de suas operações político-militares na América do Sul e na África e, também, observada a sua estratégia mundial de domínio, sobretudo quanto aos eventuais confrontos com a Rússia e a China. Guimarães considera que se os EUA vierem a se instalar em Alcântara, de lá não sairão:

-De lá poderão controlar o Brasil, alinhando de fato e definitivamente a política externa brasileira e encerrando qualquer possibilidade de uma política externa independente.
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