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Siqueira: reforma não reforma. Extingue

Terceirização, corte de salários, negociado sobre o legislado...
publicado 10/04/2017
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O Conversa Afiada reproduz artigo de José Francisco Siqueira Neto sobre o ataque dos Golpistas ao direito do Trabalho, a ser incorporado a próximo livro sobre a assim chamada "Reforma Trabalhista":

Reforma Trabalhista: qual é mesmo o seu sentido?

José Francisco Siqueira Neto*

O direito do trabalho é a primeira expressão jurídica de contenção ao poder econômico e de relatividade da livre contratação no capitalismo. Outras vieram depois, mas o reconhecimento dos limites ao livre jogo de interesses entre os contratantes na esfera das relações do trabalho, a subordinação jurídica, política, econômica e social do empregado, e a relatividade da forma em relação a essência, são expressões determinantes da distinção deste âmbito de relações sobre as demais da área jurídica.

Os impactos iniciais da forma jurídica do capitalismo sobre as relações de trabalho foram tão avassaladores, que as múltiplas reações coletivas de resistência, denúncia das desigualdades estruturais e avanços políticos e institucionais em determinadas realidades nacionais, delinearam as configurações que conferiram ao Direito do Trabalho, o caráter muito superior ao de simples legislação trabalhista, consistente em verdadeiro campo de observação, análise, aplicação e interpretação da ordem jurídica mediante a calibragem muito particular da contextualização da contratação do trabalho alheio, em um ambiente jurídico que o trabalho humano não pode ser equiparado a mercadoria.

As restrições objetivas aos ajustes individuais, combinada com a estruturação de relações coletivas pautadas na liberdade e autonomia sindical para realinhar, corrigir, construir e adaptar por meio das negociações coletivas de trabalho, os arranjos necessários a manutenção do padrão mais próximo do espaço de interferência adaptável às variáveis próprias do dinamismo das questões macro trabalhistas, gerais, setoriais, ou até mesmo de empresa, representam o conjunto regulatório trabalhista corporificado no Direito do Trabalho.

As diferenças entre os diversos sistemas jurídicos sobre intensidade legislativa, negociação coletiva e tipo da atuação da Administração do Estado neste campo, muito embora, absolutamente relevantes para identificar as modalidades de atuação sobre o mesmo tema e, consequentemente, para identificar a eficiência comparativa entre os sistemas, são insuficientes para questionar a relevância e a preponderância do Direito do Trabalho como conjunto estruturante e organizativo do funcionamento das relações de trabalho nas sociedades.

Neste sentido, funciona como variável macroeconômica de inclusão social, de limites do poder econômico sobre a força de trabalho e de régua uniformizadora da concorrência intercapitalista.

Este padrão de regulação trabalhista típico da sociedade industrial, posteriormente adensado pela previdência e seguridade social, forma o patrimônio e as reservas de segurança dos despossuídos do sistema capitalista.

Direito do Trabalho e Seguridade Social representam o estoque, a poupança, as reservas dos pobres e dos não proprietários –no sentido capitalista do termo-- para subsistir ou melhorar de vida no sistema de propriedade privada dos meios de produção.

É pelo significado jurídico, mas, sobretudo, político da intervenção restritiva do abuso de posições em um mundo moldado para facilitar a acumulação, que os direitos decorrentes do trabalho são permanentemente atacados, por motivos e fundamentos variados.

Esse movimento geral, com distinções e variações importantes, não é diferente no Brasil. O ressentimento aqui vem de longe –para homenagear as origens. Vem da ruptura com o modelo primário exportador e da opção pela industrialização.

Desta ruptura, talvez a consequência mais imediata e radical ao funcionamento cotidiano da sociedade, tenha sido o advento das regras de proteção ao trabalho: o direito do trabalho. Com o fim do protagonismo econômico e social da grande fazenda que era o Brasil, veio o estatuto jurídico da industrialização, que consagrava um status a quem trabalhava, independente dos “favores” do empregador.

Desde o aparecimento das primeiras leis esparsas (que não se confunde com a configuração do Direito do Trabalho que se dá mais adiante com a Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil), o ataque e contestação é intermitente. Até recentemente muitos consideravam folclórica a reação de um dos membros da FIESP à primeira lei de férias do país, invocando os perigos da vadiagem para uma pessoa que ficaria trinta dias sem trabalhar. Os envolvimentos e proposições recentes mostram que não.

O fato é que o Brasil consumou a sua industrialização –agora talvez, comprometida de forma irreversível— e os direitos trabalhistas de um jeito ou de outro foram mantidos.

É inegável que em nossa história os direitos dos trabalhadores estão fortemente ligados ao Desenvolvimento. Sem desenvolvimento não há perspectivas a esses direitos.

Experimentamos períodos de crescimento econômico, mas não necessariamente de desenvolvimento. O saldo desses períodos foi crescimento com manutenção de desigualdades ou de restrição de participação e arrocho salarial por conta da ditadura.

Atravessamos uma ditadura com o mesmo regime trabalhista da industrialização, demonstrando que a proteção individual do nosso sistema era razoável, mas que a estrutura coletiva poderia servir a qualquer ambiente autoritário por força da sua matriz corporativista sindical.

A redemocratização do país representada pela Constituição de 1988, consagrou direitos sociais e trabalhistas ainda reflexos da ascensão dos movimentos sociais da década de 80 do século passado no Brasil, no curso do amplo processo de transformação do capitalismo mundial, fortemente impactado no mundo do trabalho com o esgotamento do sistema taylorista-fordista, com a incorporação ao processo produtivo de novos materiais, da microeletrônica e da tecnologia da informação, com a adoção de novos métodos de trabalho.

Amplas transformações no sistema capitalista e produtivo, crise econômica no Brasil dos anos 80 e 90, nova Constituição —igualmente atacada em suas centralidades antes mesmo de sua promulgação—, não mudaram os questionamentos sobre os direitos dos trabalhadores. Na ocasião, o argumento era a produtividade e a competitividade internacional. Isso, em um país com política macroeconômica defensiva e anti-industrial....

Passamos a década de 90 com variações de ataques pontuais como projeto de lei de terceirização, modificações efetivas no contrato de trabalho por prazo determinado, comissões prévias de conciliação, participação nos lucros e resultados para contornar reajustamentos de salários, para, finalmente, chegarmos ao negociado sobre legislado.

Neste momento, o campo político que dava sustentação a esse conjunto exótico de alternativas pontuais voltadas a atingir o coração do sistema, perdeu a eleição e LULA ascendeu ao poder.

A estratégia de LULA em relação aos direitos trabalhistas foi priorizar a reforma sindical para que após sua concretização, os atores sociais patrocinadores da reforma sindical conduzissem as adaptações de abrangência, correções de perfis e incorporações realmente necessárias ao nosso marco normativo.

A forte reação dos setores sindicais oriundos da representação pela inércia estrutural do sistema corporativista –patronais inclusive—impediu a reforma sindical. O crescimento econômico experimentado pelo Brasil na sequência, confirmou que havendo crescimento e desenvolvimento econômico, a regulamentação trabalhista ganha contornos de mera complementariedade.

Com a compreensão por parte dos propaladores da agenda trabalhista restritiva, que essa pauta e as demais de configuração do perfil do Estado brasileiro atrelado à integração subordinada seria inviável de aprovação eleitoral, optaram pela ruptura institucional.

No exercício do poder temporário, entretanto, resta claro, que o tempo é essencial. Todas as pautas restritivas entraram ao mesmo tempo: terceirização, reforma trabalhista e previdenciária. Todas, com uma peculiar característica: são políticas de extinção ou de forte restrição, e não, de reforma. Por mais que seus autores digam o contrário, o que se busca mesmo é restringir acessos com artifícios redacionais para iludir os inocentes que existe espaço de algum diálogo civilizatório.

Em que pese a empáfia, falta aos proponentes compreensão técnica e dimensionamento institucional e político, para perceber que estão inserindo aqueles que acreditarem nas suas saídas desconstituídas de amarrações jurídicas consistentes —impossível com essa pauta— na área escorregadia dos passivos trabalhistas desnecessariamente excessivos.

Apesar de toda narrativa operacional, o que está mesmo em discussão é a disputa de projeto para o país.

* Sobre o autor: Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (1982), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989) e doutorado em Direito pela Universidade de São Paulo (1998). Advogado (Siqueira Neto Advogados Associados), professor titular, professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico.