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94% dos favelados são felizes !

65% são da Classe "C" e mesmo com salario dobrado nao sairiam da favela
publicado 30/07/2014
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Na tarde desta terça-feira (29), Paulo Henrique Amorim entrevistou Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular, instituto de pesquisa das Classes C, D e E no Brasil.

Meirelles lançará, em agosto, o livro “Um País Chamado Favela”,  escrito com Celso Athayde, ativista social e criador da CUFA (Central Única das Favelas).

Nas favelas brasileiras, são 11 milhões e 700 mil pessoas, ou 6% da população nacional.

Para o livro, eles estudaram 63 favelas em 10 regiões metropolitanas no Brasil e ouviram 2 mil pessoas.

Em São Paulo, o lançamento será no dia 7, a partir das 18h30, na Livraria da Vila, no Shopping JK. No Rio de Janeiro, o evento ocorre no dia 14, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon.

Leia a íntegra da entrevista, também disponível em áudio:


PHA: Por que vocês optaram por usar a palavra favela no título, tão estigmatizada  ?


Meirelles: Foi uma discussão longa minha com o Celso Athayde. A ideia era quebrar com os estigmas. Não há por que as pessoas se envergonharem da palavra “favela”. Comunidade tem um monte. Pode ser uma comunidade na região X,Y,Z. Pode ser uma comunidade de imigrantes de japoneses, por exemplo. Mas estamos falando de um território. E esse território tem nome. Esse território se chama favela.



PHA: Por que vocês utilizam tanto e de uma maneira tão bem aplicada a música “Refavela”, do Gilberto Gil ?


Meirelles: Nós acreditamos, Paulo, que é necessário mostrar o outro lado da favela, oculto da grande imprensa. Muitas vezes se fala só do tráfico da favela ou dos pontos exóticos relacionados à favela e não se fala desses milhões de brasileiros que melhoram muito de vida nos últimos anos e estão reconstruindo a sua história, inclusive sua relação com o asfalto. Na pesquisa ficou muito claro que esses moradores sonham em ter seus preconceitos diminuídos por conta do asfalto. Sonham em ser donos do próprio negócio. Sonham em transformar tudo aquilo que, durante anos, ficou distante da camada pobre da sociedade numa nova realidade.

A pesquisa mostrou que 2/3 dos moradores em favela hoje pertencem à classe C, à nova classe média brasileira. Há dez anos, esse número era 1/3, ou seja, mais que dobrou de tamanho e isso faz com que o morar na favela ganhe um ressignificado. É isso o que a Refavela conta.


PHA: O que define essa classe C na favela ? Quais as caraterísticas você poderia invocar para dizer 'olha, esses são, sim, em 2/3 da classe C ?'


Meirelles: Esse contingente dentro da favela em 65% têm uma renda familiar, em uma família de quatro pessoas, que vai de pouco mais de R$ 1.200 a pouco menos de R$ 4.500 mensais.


PHA: Portanto, a renda familiar é de R$ 1.200 a R$ 4.500 ?


Meirelles: Exatamente. Esse é 65% dos moradores das favelas brasileiras. Para a gente ter uma ideia, mais da metade da população do mundo ganha menos do que esses moradores de favela.


PHA: Quais são os atributos, os bens que essas pessoas têm para você classificá-las na classe C, além do padrão de renda ?


Meirelles: A gente tem estudado muito a classe C. Ela tem algumas características típicas dela. Ela é otimista. A classe C da favela é mais otimista do que a classe C do asfalto. Ela está feliz com relação à melhora de vida nos últimos anos. 94% dos moradores da favela afirmam ser felizes.


PHA: Na página 29, você mostra esse número espantoso: 94% dos favelados se consideram felizes, muito semelhante à avaliação dos brasileiros... Por que tanta felicidade ?



Meirelles: Porque a vida hoje é melhor do que a vida era do passado. E porque os moradores das favelas ganharam uma perspectiva de olhar para frente, de enxergar o futuro. Perspectiva que não existia no momento em que essas pessoas não tinham emprego e não tinham condições de abrir o próprio negócio.

Outro detalhe interessante é que essa felicidade traz reflexo no quanto que esses moradores da faela  querem continuar na favela: 2/3 deles não sairiam da favela nem se o seu salário dobrasse.


PHA: Por que isso ?


Meirelles: São duas razões, uma prática e outra que tem a ver com o crescimento da autoestima dessas pessoas.

A questão prática é que na favela existe um ecossistema econômico que faz com que o dinheiro renda mais. Na favela, as pessoas racham o ponto do Wi-fi. Um da senha do Wi-fi vai para o outro , pra eles fazerem uma vaquinha e terem acesso à internet.

Na favela, um cuida do filho do outro. Na favela, se empresta cartão de crédito. Então, sair da favela significa também abrir mão de um ecossistema econômico que faz com o que seu dinheiro renda mais.

Outro aspecto vem daquele samba antigo 'eu só quero é ser feliz e andar tranquilamente na favela onde eu nasci'. Mostra que os moradores da favela preferem ser os mais ricos entre os pobres do que os mais pobres entre os ricos.


PHA: O que foi determinante nessa ascensão social ?


Meirelles: Sem dúvida nenhuma foi a geração de empregos com carteira assinada. Com mais gente com emprego formal, eles passaram a ter uma estabilidade na sua geração de renda, o que no passado não existia. Mais gente com emprego formal significa 13o salário, licença maternidade, significa um conjunto de amparo social que faz com que eles tenham acesso ao consumo que, até pouco tempo, não existiu.

Segundo fator foi o aumento da escolaridade. O número de analfabetos caiu quase pela metade dentro das favelas nos últimos dez anos. O jovem morador de favela já tem escolaridade comparável à escolaridade dos moradores de asfalto das regiões metropolitanas. Entre as crianças e mais jovens, já é bem parecida. Dentro da favela, quase 8 de 10 jovens estudaram mais do que seus pais.



PHA: Como é o perfil das famílias na favela ?


Meirelles: Em geral, são negros, 65% contra uma média nacional de 53%. O principal detalhe é que são famílias chefiadas por mulher. Na época que fizemos o livro, 40% das familias eram chefiadas por mulher. Último dado mostra que, hoje, são 44%. Metade dessas, são mães solteiras. Hoje, com a mulher indo ao mercado de trabalho, elas estão dando “um pé na bunda do marido” que não contribui com a renda da família.

Muito comum nas favelas é encontrar um processo de verticalização. Eles erguem uma laje, vão morar na parte de cima e embaixo abrem o próprio negócio ou constroem um quarto e alugam para ter uma grana extra.



PHA: O que eles mais querem ?


Meirelles: O maior sonho é garantir a educação dos filhos. Como se a educação servisse na prática para que os moradores digam: estudando, meu filho não tem chance de dar errado na vida. Ainda é baixo o número de universitários. Mas é impressionante como o restante da comunidade enxerga o morador da favela que está universidade como um doutor, uma autoridade.


PHA: Quantos querem ser donos do seu próprio negócio ?



Meirelles: Quando se pergunta ao morador se quer passar em um concurso público, ter um emprego com carteira assinada ou ser dono do próprio negócio, a maioria quer ser dono. Elas não querem ficar escravos do cartão de ponto, para não ter quer abaixar a cabeça na frente de um chefe.



PHA: Eles estão dispostos a se endividar ?


Meirelles: mais da metade dos moradores não tem conta em banco e sabem que não ter acesso ao crédito diminui (a renda). O morador da favela paga muito mais à vista do que o morador do asfalto por conta da ausência da bancarização.

Quando a gente pergunta “ vale a pena fazer um carnê ou fazer uma dívida ? Eles respondem que vale a pena para garantir a educação do meu filho. Vale a pena para abrir o próprio negócio. E vale a pena para ter a casa própria.


PHA: E a questão do tráfico e da criminalidade. A favela brasileira é o centro do tráfico, é o ponto de partida da criminalidade ?


Meirelles: O tráfico está muito presente nas favelas, mesmo nas pacificadas. O tráfico cresceu em um momento de ausência do Estado e do poder público. As UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora ) fizeram com que a presença do Estado, do ponto de vista policial, tivesse presente. Mas precisamos avançar muito com relação aos quesitos sociais como saúde e educação.


PHA: Ou seja, as UPPs não resolvem o problema ?


Meirelles: Só as UPPs não resolvem o problema. Ela é só um meio para garantir o crescimento econômico da favela. Ou se substitui a matriz econômica na favela ou não teremos uma solução definitiva.



Serviço:


Lançamentos “Um País Chamado Favela”


São Paulo

7 de agosto, às 18h30

Local: Livraria da Vila do Shopping JK - avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 2041 - Itaim Bibi, São Paulo).


Rio de Janeiro

14 de agosto, às 19h

Local: Livraria da Travessa do Shopping Leblon (avenida Afrânio de Mello Franco, 290)

 

 


Conteúdo
Entrevista-Renato-Meirelles1.mp3 por redacao — última modificação 29/07/2014 16h21