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Só Gilmar tem os pés fincados na política partidária e no mercado

Hübner: o único certo era o Favreto!
publicado 30/07/2018
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O Conversa Afiada reproduz do Estadão trechos de corajosa entrevista do professor de Direito Constitucional da USP, Conrado Hübner Mendes:

Supremo ‘se isenta de prestar contas’, diz professor


(...) Estadão: Recentemente, a Segunda Turma do STF impôs uma série de derrotas à Lava Jato. Procuradores disseram que isso ocorreu porque a opinião pública estava voltada para a Copa. O que acha?
Conrado Hübner Mendes: Duas coisas. Primeiro, a atitude vulgar de procuradores do MPF que entram nesse bate-boca público usando da indignação popular a seu favor. O que me surpreende não é só o desrespeito institucional, mas a desinteligência estratégica, pois esse veneno poderá se voltar contra eles mesmos. Segundo, chama a atenção para a guerra entre a Segunda Turma e o plenário. São dois tribunais diferentes. E a decisão que sai do tribunal depende do acaso, da loteria.

 Estadão: Como assim?
Conrado Hübner Mendes: Hoje, na 2.ª Turma, saber qual direito criminal se aplica a um réu dependerá de quem é o relator. Se está com o ministro Fachin, ele provavelmente joga para o plenário, cuja maioria adota a posição dele. Se está com outro relator, Fachin perde. Ou então decisões monocráticas dão conta do recado sozinhas. O direito muda conforme o caso e o acaso. Essa é a arte ilusionista do STF.

 Estadão: O sr. escreveu que Gilmar Mendes despreza a credibilidade institucional do Judiciário. Por que acha isso?
Conrado Hübner Mendes: Gilmar Mendes tem um comportamento de “dono da bola”. É verdade que outros ministros do STF se renderam também ao individualismo. O que coloca Gilmar em outro patamar é seu envolvimento cotidiano com a política partidária, sua desconsideração das regras de suspeição e sua atividade paralela de empresário da educação jurídica. Nenhum outro juiz tem pés fincados na política partidária e no mercado.

 Estadão: Analistas dizem que Dias Toffoli deveria se declarar suspeito para julgar Dirceu. Concorda?
Conrado Hübner Mendes: As mesmas razões se aplicam a Toffoli. Alguns juízes entendem que basta prometerem que são imparciais para serem percebidos como imparciais. Distorcem o instituto da suspeição.

 Estadão: A propósito, o STF tem evitado pautar os pedidos de suspeição de Gilmar. Como interpreta isso?
Conrado Hübner Mendes: É um “acordo de cavalheiros” contra a lei. Sinal também de mau desenho institucional: não é fácil imaginar o colegiado julgando a imparcialidade de um colega. O STF se isenta de qualquer mecanismo de prestação de contas.

 Estadão: Outros dois ministros, Lewandowski e Marco Aurélio, têm seguido Gilmar e Toffoli em decisões tidas como impopulares…
Conrado Hübner Mendes: O público leigo tem observado basicamente o juiz que prende e o juiz que solta. Celebra o primeiro e ataca o segundo, como se não fosse possível soltar por boas razões ou prender por más razões jurídicas. Obviamente esse é um critério distorcido. O problema não é se solta ou se prende, mas o como e o porquê de se fazer isso em cada caso. Faz falta um jornalismo que possa fazer análises mais técnicas sobre isso e mostre didaticamente essas incongruências.

 Estadão: O voto de Rosa Weber no HC de Lula gerou o meme: “Vou deixar de seguir o meu entendimento para seguir o entendimento da maioria, que só será maioria porque eu vou deixar de seguir o meu entendimento.” Concorda?
Conrado Hübner Mendes: Sim, ela apelou para a noção de colegialidade (a ideia de que um juiz deve, às vezes, deferir ao colegiado contra sua opinião). Escrevi uma coluna para a revista Época em que argumentava que a “colegialidade solitária” é incoerente. Não dá para ser colegiado sozinho, sem reciprocidade, menos ainda quando a definição de quem está na maioria ou minoria depende do seu voto.

 Estadão: Rosa disse que seu voto de desempate teria sido o oposto se o julgamento fosse sobre prisão em 2ª instância. A pauta viabilizou a prisão do ex-presidente?
Conrado Hübner Mendes: A pauta errática de Cármen Lúcia sonegou ao colegiado a possibilidade de deliberar sobre a execução provisória da pena e estabelecer regras estáveis. A ministra postergou até que o tribunal se visse com a faca no pescoço quando o habeas corpus de Lula bateu às portas. O tribunal poderia ter decidido isso antes e evitado tamanho desgaste. Foi de extrema inabilidade política. Mas é importante lembrar que erráticos, e arbitrários, têm sido todos os presidentes do STF na definição de pauta. Não há critério, não há respeito à esfera pública, não há respeito a advogados e à sociedade civil, que às vezes se deslocam para Brasília para ter seu caso adiado. Temas entram e saem da pauta sem a menor explicação. O tribunal decide e deixa de decidir o que quiser. Essa total liberdade é inconcebível num tribunal sério.

 Estadão: Pode comentar o bate-boca entre Luiz Barroso e Gilmar (“Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”)?
Conrado Hübner Mendes: Para além da frase inspirada, que entrou para o folclore político brasileiro, o que se tira desse episódio é mais do mesmo. É a camada mais vistosa de problemas mais profundos.

(...)

 Estadão: Quem errou menos no episódio com Favreto, Moro, Gebran, Thompson Flores e PF? Quem tinha competência?
Conrado Hübner Mendes: Todos erraram. A competência era de Favreto, desembargador de plantão. Se sua biografia o tornava suspeito, e se os fundamentos de sua decisão (e ideia de “fato novo”) não se sustentavam era outro problema, a ser tratado pelas vias judiciais regulares. O bate-cabeça dos outros foi muito sintomático.

 Estadão: O sr. argumentou que o TRF-4 está recebendo maus exemplos do STF, onde esse tipo de conflito seria corriqueiro. Como remediar isso?
Conrado Hübner Mendes: A dinâmica de influência é bidirecional: o STF influencia de cima para baixo, mas é verdade também que essas chicanas individualistas – aproveitando o plantão, por exemplo – estão disseminadas pelos tribunais inferiores. O STF não inventou isso, mas sua indefinição sobre a regra de presunção de inocência ajudou Favreto a justificar sua decisão.

 Estadão: Ao cunhar o termo “populisprudência”, o sr. diz que o populismo judicial pode ter ganhos imediatos e custos de longo prazo. Quais seriam?
Conrado Hübner Mendes: A populisprudência é o populismo judicial disfarçado pela aura da “jurisprudência” e todo o pacote que a acompanha: o manto do juridiquês, a fleuma judicial, o esoterismo. A populisprudência é praticada pelo “juiz com causa”, que busca apoio na opinião pública. É dizer que o Judiciário está “empenhado no combate à corrupção” e à luz disso justificar decisões heterodoxas de legalidade duvidosa. Quem critica é visto como adversário. O ganho imediato é a aclamação popular, é o status de herói. O custo de longo prazo é a perda de legitimidade.