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Maria da Penha teme explosão dos casos de feminicídio

Mulheres serão vítimas da flexibilização da posse de armas
publicado 08/03/2019
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Maria da Penha ficou paraplégica após um disparo efetuado pelo ex-marido em 1983 (Divulgação)

O Conversa Afiada reproduz trechos de entrevista de Maria da Penha, ativista pelos direitos das mulheres, ao Jornal da Unicamp:

A farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes é sinônimo da luta empreendida por mulheres contra a violência. A lei que leva o seu nome tornou-se salvaguarda de um contingente considerável de brasileiras.

Mas, a despeito de ter entrado em vigor há quase 13 anos, o instrumento legal não tem sido suficiente para frear a barbárie. Pesquisas revelam aumento do número de casos de agressões contra mulheres em todas as regiões do país, quaisquer que sejam as tipificações – da doméstica ao feminicídio.

(...) Jornal da Unicamp – A despeito da lei, das campanhas de conscientização e da cobertura da imprensa, a violência contra a mulher vem aumentando. A que a sra. atribui esse crescimento?
Maria da Penha – Realmente, está aumentando muito, mas eu percebo também que isso tem a ver com o fato de a mulher não ter procurado ajuda oficial (...) É fundamental que ela procure a delegacia pedindo uma medida protetiva, denunciando que está correndo risco de morte. Nunca a mulher sofre violência drástica – a não ser em raras exceções – na primeira tentativa de feminicídio. Há todo um histórico. Quando ela chega na delegacia, vem há muito tempo sofrendo violência. (...)

Falta um chamado mais forte – e a imprensa tem feito a sua parte – para que as mulheres denunciem seus agressores. Se ela sofre violência psicológica ou física, deve procurar o Centro de Referência da sua cidade, dizer que está correndo risco de morte. Se não tem nada em seu município, deve ligar no 180.

Jornal da Unicamp – A sra. foi vítima da morosidade da Justiça. Esse quadro mudou? Que avaliação pode ser feita do papel do Judiciário e da polícia no âmbito da violência contra as mulheres?
Maria da Penha – A preocupação maior que se tem é quando a mulher denuncia e o agressor não é intimado com a rapidez que satisfaça e dê segurança para a vítima. Existem várias justificativas, a começar pela alegação do aumento de denúncias e que, em razão disso, os delegados não conseguem atender as vítimas. Há atrasos em medidas protetivas que deveriam ser solicitadas pelo juiz. (...)

Jornal da Unicamp – E na esfera judicial?
Maria da Penha – A resolução de alguns casos é mais rápida. Por outro lado, fico abismada com outras ocorrências, sobretudo quando a mulher solicita medida protetiva, mas a liberação demora muito. É preciso mais compromisso de todos os profissionais envolvidos.

Houve um caso recente em que o juiz deu uma resposta totalmente esdrúxula: a mulher foi agredida e o agressor foi preso em razão da medida protetiva solicitada. Pouco tempo depois, o juiz o soltou e, ao ser questionado, o magistrado disse que não podia adivinhar que o ex-marido ia cometer o assassinato...

(...) Jornal da Unicamp – Integrantes do primeiro escalão do governo federal, seja na campanha ou depois da posse, têm feito declarações hostis em relação aos movimentos sociais, feministas e LGBTs. Como a sra. vê esse discurso?
Maria da Penha – Na realidade, o posicionamento do governo ainda está muito aquém do que deveria ser. Mas, tenho percebido que as mulheres da Câmara e do Senado estão dispostas a continuar a luta para a implementação da lei [Maria da Penha]. (...) Não acredito que perdure essa escuridão, esse silêncio em relação ao envolvimento do governo federal no enfrentamento da violência doméstica. Não acredito que todo mundo vá ficar calado diante dos dados que a mídia tem apresentado. (...) A gente espera que as feministas, os pesquisadores e os movimentos sociais, entre outros segmentos, sejam ouvidos. É preciso mostrar que o quadro é muito sério. (...)

Jornal da Unicamp – O governo está propondo a flexibilização da posse de armas. Como a sra. vê a proposta?
Maria da Penha – Eu vejo com contrariedade. Eu mesmo recebi um tiro... Vai haver um aumento dos casos de feminicídio. (...)

Jornal da Unicamp – A sra. acredita num recuo?
Maria da Penha – Não sabemos o que o governo vai fazer. Espera-se que haja reflexão. Se ele está convencido de que é necessário armar a população, ele vai fazer isso. Caso vingue a proposta, as mulheres vão sofrer mais riscos de serem assassinadas; ficaremos novamente sem saber o que fazer.

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