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Kakay: espetáculo da Lava Jato matou o Reitor

Moro pariu os bolsonaros!
publicado 20/11/2017
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O Conversa Afiada reproduz trechos de entrevista concedida pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a Emerson Gasparin, do Diário do Comércio:

O senhor defende vários acusados e se tornou um crítico notório de algumas práticas da Lava-Jato. Na sua opinião quais são os métodos mais questionáveis da operação?
Existem alguns pontos que são fundamentais. Primeiro, a banalização da delação premiada. É um instituto importantíssimo no combate ao crime organizado, mas, infelizmente, a forma com que foi utilizado dificilmente conseguirá fazer com que tenha força no Brasil. Porque há processos no país com 15 réus dos quais 13 são delatores. Existe um sistema de recall que é uma coisa impressionante. Costumo dizer que o Ministério Público (MP), através do recall, constituiu o maior programa de corrupção do país. O empresário pego em uma delação pode entregar um pouco do que sabe, devolver uma pequena parte do dinheiro que saqueou e, se for pego na mentira, ser chamado para um recall. É uma questão gravíssima.

Mas isso é exclusividade da Justiça brasileira?
Da forma que está sendo feito pela Lava-Jato acaba sendo um excesso a mais. O recall virou prática. Além disso, há uma questão mais grave que a delação, que é a banalização da prisão preventiva. Tornou-se uma regra.

Em Santa Catarina, a Operação Ouvidos Moucos acabou levantando questões sobre a atuação da Polícia Federal e do Ministério Público. Houve abuso de autoridade?
Não tenho dúvidas de que nesse episódio específico houve abuso, sim. Mas o mais grave – claro que o caso tem o drama do suicídio (do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier) –, é o clima punitivista que se criou no país. Esse caso não está enquadrado dentro da Lava-Jato, mas é fruto do clima que a operação criou no Brasil. Vivemos hoje em um país dividido. De um lado, estão os operadores da Lava-Jato; do outro, os críticos. A operação desvendou um sistema criminoso que ninguém poderia imaginar que existia com essa capilaridade, com essa sofisticação, mas, no afã de fazer justiça a qualquer custo, principalmente com essa pressão midiática muito forte, (os operadores) acharam que estavam tentando salvar o país. Eles foram até inteligentes ao fazer um maniqueísmo vulgar: quem está trabalhando na Lava-Jato é o bem, quem critica seus métodos é alguém que está contra a operação ou, pior, é favorável à corrupção.

Como os agentes deveriam ter atuado nesse caso da UFSC?
Como devem proceder todos os agentes públicos com a responsabilidade que têm: com respeito ao direito do cidadão, e sem execração pública. Na época medieval, se você queria punir alguém, você o punia em praça pública por duas horas. Hoje, há uma banalização que é muito potencializada porque você faz isso via imprensa. É essa banalização que a gente tem de enfrentar. A espetacularização do Direito Penal não pode existir. Esse drama que aconteceu em Santa Catarina com o suicídio do ex-reitor pode ser um momento de inflexão, de reflexão das pessoas.

As sessões do STF são transmitidas pela televisão e os ministros têm, inclusive, assessores de imprensa. Isso colabora para essa espetacularização?
Começamos a ter esse problema com a criação da TV Justiça. Embora ela tenha uma importância enorme em alguns setores específicos – para discutir a questão homoafetiva, por exemplo, a TV Justiça tem a sua importância de dar maior proximidade da população com o Judiciário –, houve uma superexposição do Direito Penal. O momento atual é muito grave porque quando há um poder Legislativo extremamente fragilizado, com seus principais líderes sendo investigados (e eles têm que ser investigados, mas não uma investigação permanente), e um Executivo sem legitimidade, o Judiciário acaba ocupando um espaço com um ativismo judicial que é muito prejudicial ao próprio Judiciário. Hoje as pessoas na rua sabem o nome dos ministros do STF e não sabem o dos jogadores da Seleção Brasileira. Não que lá (no STF) estejam 11 craques, mas com essa superexposição estão ocupando um espaço que, no meu ponto de vista, extrapola o (espaço) que deveria ocupar um ministro do Supremo. 

É possível compensar o prejuízo para alguém que é preso preventivamente e depois tem a inocência comprovada?
O Estado tem que ter a responsabilidade de saber que a prisão preventiva deve ser absoluta exceção, só quando realmente existem as previsões rígidas, legais para a prisão. No Brasil, a Lava-Jato usa a prisão preventiva até como forma de obter delações. Tem um procurador da República,  Manoel Pastana, que disse em um parecer que a prisão era, sim, forma de obter delação, e até de forma jocosa: 'Passarinho preso canta mais bonito.' Quando se iniciam as diversas fases da operação, o MP, a PF convocam entrevistas coletivas e durante duas horas expõem o cidadão à condenação prévia e a uma condenação acessória sem previsão legal, que é a exposição da imagem. Fui dar uma palestra em Portugal e os professores lá não acreditaram que isso acontece no Brasil. Em diversos países, quando há uma investigação, o nome da pessoa não é divulgado antes da condenação, somente as iniciais.

Isso ocorre por força da lei ou é um cuidado da Justiça?
Muitas vezes é lei, mas muitas vezes é apenas respeito pela dignidade. A execração pública em grande escala pode resultar no que aconteceu com o ex-reitor da UFSC. Os métodos fizeram com que houvesse uma execração pública de tal forma que ele não suportou. As pessoas comparam muito a Lava-Jato com a operação Mãos Limpas, na Itália. Só que leem a história até a metade, não toda. Na operação Mãos Limpas foram mais de 30 suicídios. Chegava um momento em que a humilhação era tanta, o uso de grupos apontando falsas acusações contra outros grupos, que a operação praticamente explodiu. E resultou num (Silvio) Berlusconi (ex-primeiro-ministro), que é o está acontecendo no Brasil hoje. Essa divisão do país entre o bem e o mal está fazendo surgir os 'bolsonaros' da vida.

(...)


Velório do Reitor Cancellier na UFSC, em outubro (Crédito: UFSC)