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Julgamento do assassino de Moa do Katendê mobiliza familiares e parceiros de capoeira

"Protestamos pela justiça e pela memória do Mestre Moa"
publicado 23/08/2019
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(Arte: Mídia 4P)

Via Mídia 4P:

EPISÓDIO 1 – A série de reportagens que será publicada pelo portal Mídia 4P todas as sextas-feira, até o dia do julgamento do mestre de capoeira Moa do Katendê, começa hoje, dia 23, detalhando as expectativas e mobilizações para o júri popular do assassino do ativista cultural baiano. Nos próximos episódios, falaremos da importância cultural de Moa para o Estado da Bahia, da continuação dos seus projetos sociais pela sua família, que resiste à saudade, e da sua importância religiosa.

Quando o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36, entrar pelas portas do Salão do Júri do Fórum Ruy Barbosa, na manhã do próximo dia 11 de setembro, para ser julgado pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio duplamente qualificado, faltarão apenas 25 dias para completar um ano desde que ele esfaqueou 12 vezes, pelas costas e sem dar o direito de defesa, o mestre de capoeira e ativista cultural do movimento negro Romualdo Rosário da Costa, 64, e tentou matar da mesma forma o primo dele, Germínio Pereira, 51, que acabou sobrevivendo aos ataques.

O caso bárbaro, que mobilizou a política nacional e tomou conta do noticiário estrangeiro, trata-se do assassinato do mestre Moa do Katendê, primeira vítima do ódio bolsonarista que tomaria conta do país.

Morto por ter declarado seu voto no então candidato à Presidência da República pelo PT Fernando Haddad – o que para um eleitor do presidente Jair Bolsonaro (PSL) como Paulo Sérgio foi interpretado como afronta –, Moa não imaginava que encontrara, na madrugada daquele 8 de outubro, dia exato do primeiro turno das eleições presidenciais, o seu algoz.

São justamente os acontecimentos daquela noite e o passo-a-passo dos fatos que resultaram nas 12 facadas que mataram o mestre de capoeira que serão remontados e analisados no Salão do Júri do Fórum Ruy Barbosa durante o julgamento do dia 11 de setembro (leia mais detalhes adiante)

Paulo Sérgio Ferreira, assassino do mestre de capoeira Moa do Katendê


Advogados de acusação e de defesa, promotores do Ministério Público do Estado (MP-BA), equipes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), familiares, amigos, religiosos de matriz africana, ativistas do movimento negro e parceiros da capoeira já estão se mobilizando, desde o início do mês, para esse dia, quando os sete jurados sorteados para compor o Conselho de Sentença desse julgamento definirão se Paulo Sérgio é culpado.

Nas últimas semanas, homenagens a Moa e atividades em lembrança à sua memória já estão ocorrendo em diversos locais do Brasil. Na última quarta-feira, 21, aconteceu na Assembleia Legislativa da Bahia uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei Mestre Moa do Katendê, que propõe a inclusão da capoeira nas escolas públicas estaduais baianas.

Já no último sábado, 17, uma roda de capoeira homenageou o capoeirista (veja vídeo acima) no Dique do Tororó, às margens do Engenho Velho de Brotas, comunidade onde Moa formou seus projetos sociais, fundou o afoxé Badauê na década de 1980 e também onde ocorreu sua passagem.

Segundo o mestre de capoeira angola e Tata Xinkarongoma Valdec Loboasy, atividades semelhantes também estão programadas para ocorrer no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde Moa chegou a morar e desenvolver projetos com a capoeira. Na Europa e em outros países do mundo onde os grupos de capoeira têm forte presença, conta Loboasy, também há rodas programadas para ocorrer, a fim de lembrar da memória do mestre querido.

“A gente está protestando pensando em justiça, lembrando de Moa, da memória dele, da forma covarde com que ele foi assassinado”, afirma o capoeirista, parceiro de Moa do Katendê durante 30 anos de vida.

Ele afirma ainda que a expectativa é que a pena máxima pedida pela defesa seja acatada pelos jurados. “É o mínimo que o Estado pode fazer. Eu só acredito na justiça de Xangô. Não tenho sentimento sobre o julgamento. Meu sentimento é de perda ainda. Perdi meu irmão, meu amigo, e ainda estou com muita saudade”, disse o mestre de capoeira.

A saudade é ainda mais intensa para Eliene Reis, 65, companheira de Moa nos últimos 32 anos de vida. Para ela, ainda é doloroso ter a lembrança do marido e não poder estar com ele como fez durante três décadas.

“A gente sempre está lembrando alguma coisa dele. Tudo na casa me faz lembrar ele. Nunca vamos esquecer”, afirma ela, frisando que vários ônibus vão levar grupos de capoeira para o júri popular no dia 11.

“Eu estou esperando que ele pague pelo que fez”, pede Eliene.

Julgamento

Pagar pelo que fez, no caso de Paulo Sérgio Ferreira de Santana, significa uma possível pena entre 12 e 30 anos de prisão para cada vítima atingida por ele. Ao todo, ele pode ser condenado a um período entre 24 e 60 anos, já que a acusação pede, no processo, que ele seja responsabilizado pelo assassinato de Moa e pela tentativa de homicídio de Germínio, que também foi esfaqueado.

Segundo um dos advogados da família de Moa, Alonso Guimarães, que atuará como assistente de acusação do Ministério Público durante o júri popular, serão solicitadas ao Conselho de Sentença as condenações pelas penas máximas dos dois crimes. Além disso, também foi pedido a dupla qualificação de ambos os crimes (por futilidade, já que o fato decorreu de uma discussão política, e pela impossibilidade de defesa das duas vítimas, já que as facadas foram dadas pelas costas). Soma-se a isso um elemento chamado ‘causa de aumento de pena’, o que pode elevar ainda mais a sentença de Paulo Sérgio. Nesse caso, a causa é o fato de Moa ser idoso.

No dia do julgamento, serão apresentados aos jurados a perícia da faca usada por Paulo Sérgio para atingir Moa das costas, na cabeça e na nuca – que já foi realizada e solicitada pela acusação ao cartório – e outros elementos do acervo probatório montado pela acusação na fase de instrução do processo, como o laudo cadavérico, perícias feitas na cena do crime e depoimentos de testemunhas que ajudaram a remontar o fato.

Serão ouvidas, ao todo, 10 testemunhas (cinco de defesa e cinco de acusação), dois peritos oficias e um assistente técnico contratado pela acusação (o perito Eduardo Llanos). Depois, pode acontecer, se for considerado necessário, acariações entre testemunhas.

Na sequência, o acusado será interrogado pela defesa, pelo Ministério Público (que teve a promotora Isabel Adelaide acompanhando o caso, mas no julgamento será representado pelo promotor Cássio Marcelo) e pelos advogados de acusação. O júri segue com debates orais, com tempo de 1h30 para acusação, 1h30 para defesa, 1h de réplica e 1h de tréplica.

Na sala secreta, por maioria simples de voto, o Conselho do Júri decidirá quesito por quesito: primeiro, se Paulo Sérgio matou Moa do Katendê; depois, se o acusado impossibilitou a defesa da vítima durante o ato; e, em seguida, se o motivo do homicídio foi fútil. A mesma dinâmica se repete no caso da tentativa de homicídio contra Germínio.

Ao final, caberá à juíza Gelzi Maria Almeida Souza Matos (a mesma de casos emblemáticos como o julgamento da médica Kátia Vargas) fixar o período da pena, em caso de condenação, e anunciar a sentença.

“Como vamos para um júri desse porte, de uma figura reconhecida internacionalmente pelo seu legado cultural, e de um caso com grande complexidade, nos preparamos muito mais, nos precavemos de todas as formas. Tudo que a gente mostrou já foi confirmado pela Justiça no acervo probatório. É muito importante que a sociedade vá e compareça para que o Conselho de Sentença entenda a relevância do Moa culturalmente”, afirmou ao portal Mídia 4P o advogado Alonso Guimarães.

Além dele, compõem a equipe de assistentes da acusação os advogados Messias Oliveira, Camila Mota e Lucélia Guimarães. O grupo tem se revezado em atividades em homenagem à Moa para esclarecer dúvidas e incentivar a mobilização da sociedade para o dia do julgamento.

“Temos que dar a César o que é de César. E o Paulo Sérgio, que é um indivíduo truculento, deve ser condenado pelos seus atos, porque ele assassinou brutalmente o mestre Moa do Katendê. Estamos falando de um sujeito truculento, que terminou de beber sua cerveja, pagou a conta, foi buscar a faca em casa e, de forma muito fria, desferiu 12 facadas pelas costas contra uma pessoa sem direito à defesa”, frisou o acusador.

Esquema de segurança

De acordo com o TJ-BA, o acesso ao júri será livre para o público em geral. De acordo com o tribunal, será permitido filmagens, gravações (inclusive de áudio) e fotografias somente da área externa do Salão do Júri.

“Quanto ao esquema de segurança, serão adotadas as mesmas providências dos demais julgamentos”, afirmou o TJ-BA ao 4P, em nota.

Ainda no comunicado, a Corte informa que o início da sessão está previsto para 8h, sem previsão de término. A reportagem apurou que essa informação significa a extensão do julgamento por dois ou até três dias.

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