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Desigualdade é a Grande Corrupção!

Saturnino recupera discurso de 40 anos atrás
publicado 23/04/2018
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Conversa Afiada reproduz artigo do Correio Saturnino, do ex-senador Saturnino Braga:

A Pequena e a Grande Corrupção


Não tenho o hábito de reler o que escrevi em outros tempos; não é o medo da contradição, que certamente encontraria mas nunca ao ponto de me envergonhar; é uma usança de personalidade que nunca analisei; sei que não é uma virtude, mas não tenho o vezo do historiador e me sinto convocado, sempre, pelo impulso de olhar para frente e discutir os temas presentes na perspectiva do futuro. Não desprezo a experiência passada e uso-a com frequência, mas uso-a pela lembrança, consultando fontes de ontem tão somente para confirmar o que me conta a memória.

Entretanto, olha o entretanto, mudando livros de lugar, abri, quase ao acaso, um livro de discursos meus editados pelo Senado, e eis que, ao folheá-lo, deparei com um que foi pronunciado em 17 de outubro de 1978, há quase quarenta anos, cujo título é “A Pequena, a Média e a Grande Corrupção”.

Amigos, sem titubear, digo: que discurso atual; que Joia!

Era tempo de governo militar e nós éramos Oposição. E, naturalmente, como faz sempre a Oposição, eu comentava estripulias praticadas pela empresa americana “Dow Química”, protegida de uma importante figura do Governo, um General hoje falecido, cujo nome eu citava, e cobrava uma CPI para apurar os fatos que, obviamente, caracterizavam um procedimento de corrupção.

Bem, claro que a CPI nunca foi instalada mas, até aí, isto não tem importância nenhuma. O importante é que eu, senador socialista, lá pelas tantas disse há quarenta anos:

“Aproveito, entretanto, Sr Presidente, o ensejo, para dizer que não devemos perder de vista que todos esses fatos, somados, constituem aquilo que se poderia chamar de pequena ou média corrupção. Nem por isto podemos admiti-la ou tolerá-la, porque ela dissolve as bases morais da sociedade, levando o País à degradação e ao desmoronamento social. Haveremos de detectá-la e combatê-la sem trégua, mas é preciso ter consciência de que esta é o que se poderia chamar de pequena ou média corrupção.

A meu juízo, na minha visão das coisas, Sr Presidente, a grande corrupção é outra. Acho que a Grande Corrupção, a Grande Imoralidade é a concentração de riqueza propiciada pela manutenção desse modelo sócio-econômico que tanto temos combatido – manutenção esta que decorre de decisão política do Governo, que privilegia poucos e sacrifica a grande maioria dos brasileiros. E não é verdade que esse modelo não possa ser alterado sem uma grande comoção nacional; muito ao contrário, é perfeitamente possível, é perfeitamente viável implantar-se um novo modelo muito mais justo e que confira ao País muito mais independência econômica.”


Abro aqui parênteses para dizer que Lula demonstrou claramente esta viabilidade no seu governo. E continuo citando o meu discurso:

“Acho, Sr. Presidente que a Grande Corrupção, a grande imoralidade é a especulação financeira desenfreada, é o que se está passando no “open market”, com a tolerância e até com estímulo do Governo. São os ganhos fáceis, astronômicos de quem nada produz para a Nação; são os cheques sem fundo utilizados quase que diariamente, são os papéis frios que passam de mão em mão; é a taxa de juros artificialmente elevada para dar mais a quem tem mais dinheiro para emprestar, e que constitui, sem dúvida, a grande causa da inflação que corrói o salário dos trabalhadores.

(...) Acho, Sr Presidente, que a Grande Corrupção é o nosso sistema tributário, que penaliza quem compra o feijão e o arroz e quem vive de salário, e é em alguns casos extremamente benevolente para com o especulador, para quem vive de rendas sem fazer força.

Acho, Sr. Presidente, que a Grande Corrupção é a especulação imobiliária (...)

Acho, Sr. Presidente, que a Grande Corrupção são os gastos com obras faraônicas (…) enquanto as zonas pobres permanecem sem água, sem calçamento, sem esgoto, sem condução, sem escola, convivendo com a miséria econômica, com a miséria moral e o mau cheiro de suas ruas.

Acho, Sr. Presidente que a Grande Corrupção é a acumulação de terras em mãos de poucos, em muitos casos estrangeiros, e o crescimento paralelo da grande população de infelizes do campo, chamados bóias frias.

Acho, Sr Presidente, que a Grande Corrupção é a dívida externa colossal e desnecessária, materialização de uma dependência econômica que se acentua, porque o Governo não quer redistribuir a renda e a riqueza, e abrir o mercado interno para um desenvolvimento mais autônomo.”


Abro novos parênteses para lembrar que o Governo Lula adotou esta política redistributiva com grande sucesso. E volto ao meu discurso:

”Acho, Sr. Presidente, que a Grande Corrupção são os privilégios que existem, na prática, para as grandes empresas, principalmente para as multinacionais, que são capazes, e as únicas capazes, de abrir todas as portas da especulação financeira.”

E continuava elencando as faces da grande corrupção no Governo Militar, agora na área política: a escuta telefônica, a espionagem oficial, o Pacote de Abril, o Senador Biônico, as eleições indiretas, a Lei Falcão, e muitas outras.

Isto tudo, amigos, há quarenta anos atrás.

Sim, há quarenta anos!
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