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Bolsonaro é "inimigo número um do cinema" em festival na Suécia

As bases da nova época de ouro no cinema brasileiro vieram com o PT
publicado 24/01/2020
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(Reprodução)

Via Rádio França Internacional - Pela primeira vez na história do Festival de Cinema de Gotemburgo, a 43ª edição da mostra sueca, inaugurada nesta sexta-feira (24), dará um destaque especial ao Brasil. “Há uma guerra cultural em curso no Brasil, com (o presidente) Jair Bolsonaro como protagonista e a indústria cinematográfica brasileira como a arena principal. O foco do Festival de Gotemburgo no cinema brasileiro é um ato de solidariedade aos cineastas brasileiros, e também um tributo a uma das mais fascinantes culturas cinematográficas”, dizem os organizadores do festival - que é a maior mostra de cinema da região nórdica.

A capa da programação brasileira do festival traz uma foto do presidente Jair Bolsonaro com o título “Filmens Fiende Nummer Ett” (“Inimigo Número Um do Cinema”).

“O intuito do festival é demonstrar solidariedade à indústria cinematográfica do Brasil, e ao mesmo tempo oferecer ao público escandinavo a oportunidade de conhecer ‘Brasis’ que muitas vezes não chegam às telas aqui na Escandinávia”, disse à RFI a brasileira Clarice Goulart, que integra a curadoria do festival.

“A indústria cinematográfica brasileira nunca esteve tão bem, produtiva, sólida, e isso devido às políticas públicas dos últimos anos. Infelizmente, na atual situação, estamos vivenciando a possibilidade de um desmonte total da cultura, e especialmente do cinema brasileiro, devido às políticas do atual governo. Isto é muito grave, e o festival foi muito corajoso ao decidir demonstrar essa solidariedade ao cinema brasileiro, aos diretores e a todos os trabalhadores da indústria cinematográfica do Brasil”, acrescentou a curadora brasileira.

Risco de destruição

Na mensagem oficial do evento, o diretor artístico do festival alerta para o risco da destruição do cinema brasileiro:

“Talvez o cinema brasileiro nunca tenha sido melhor do que é agora. Ainda assim, ele corre o risco de ser destruído. Esta contradição é o ponto de partida para o foco do Festival de Cinema de Gotemburgo no cinema brasileiro, tanto como uma homenagem à arte cinematográfica brasileira e também como uma manifestação de solidariedade aos cineastas do Brasil, que atualmente enfrentam uma enorme pressão política”, diz Jonas Holmberg no site oficial do evento.

“Em janeiro [de 2019], Jair Bolsonaro tomou posse como presidente do Brasil. O ex-militar de direita vê os cineastas brasileiros como inimigos armados com câmeras, e tem deixado muito claro que quer mudar radicalmente o cinema brasileiro. Ou mudá-lo, ou destruí-lo”, afirma Holmberg, diretor artístico do evento e também crítico de cinema.

O texto de Jonas Holmberg destaca um discurso feito por Bolsonaro em julho passado, que “caiu como uma bomba no mundo do cinema”:

“Ele (Bolsonaro) afirmou que o Estado não mais financiaria ‘pornografia’, e que os cineastas brasileiros deveriam passar a ‘defender os valores da família’ e ‘prestar homenagem aos heróis brasileiros’. Ele anunciou que a sede do instituto do filme brasileiro, a Ancine, seria transferida do Rio de Janeiro para Brasília, mais perto do controle político. E, a menos que a Ancine concorde em introduzir ‘filtros’, a instituição será completamente fechada”, escreve o diretor sueco, para acrescentar que ‘as exigências sobre filtros e a retórica irracional’ fizeram com que grande parte da indústria cinematográfica tenha ficado aterrorizada, paranoica e incapaz de elaborar planos de longo prazo’.

Boom do cinema brasileiro

O diretor artístico do festival destaca ainda que ‘os ataques de Bolsonaro à liberdade da arte cinematográfica’ acontecem em meio a um ‘boom’ do cinema brasileiro. Desde o cinema novo dos anos 60, diz Holmberg, o cinema brasileiro nunca teve tanto êxito como agora. Nos últimos anos, diversos filmes brasileiros têm sido premiados em festivais internacionais de cinema.

“As bases da nova época de ouro do cinema brasileiro foram criadas no início dos anos 2000. Foi a época em que a Ancine foi criada e em que o presidente do Partido dos Trabalhadores, Lula da Silva, e seu ministro da Cultura, Gilberto Gil, formularam uma estratégia para a política cultural. Entre outras iniciativas, a introdução de taxas para os canais de televisão e a telefonia móvel possibilitaram o financiamento de um significativo apoio ao cinema e à regionalização das políticas para a indústria cinematográfica, o que permitiu a criação de filmes fora do eixo cultural Rio-São Paulo”, diz Holmberg.

O resultado dessas políticas, prossegue o diretor sueco, foi uma explosão na produção de filmes - em 1992, três filmes foram produzidos no Brasil; em 2019, o número passou para mais de 300 filmes. Novos grupos tiveram a oportunidade de fazer filmes, e com temáticas que retratam minorias sociais, étnicas e sexuais.

“Bolsonaro vai representar o fim de tudo isso?”, pergunta-se Holmberg.

“Talvez - se o “Trump dos Trópicos” tiver a energia e a habilidade de realmente cumprir o que prometeu. Então, falências, fuga de talentos e uma avalanche de de filmes de cunho evangélico provavelmente vão se tornar realidade”, diz o diretor artístico do festival.

“Mas Bolsonaro promete mais do que pode cumprir. Até agora, tudo é muito incerto, embora a autocensura seja sempre a primeira a se difundir. A maioria dos filmes que mostraremos agora foi financiada e gravada antes da ascensão do presidente ao poder, e estes são filmes que fornecem uma imagem crítica e multifacetada da nação brasileira, de seus sonhos, da repressão e dos movimentos de resistência”, conclui Holmberg.

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