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Belluzzo, Galípolo: a boiada já estourou!

Vai ser um mico de proporções diluvianas! - PHA/Nostradamus
publicado 07/11/2017
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Extraído de artigo magnífico dos professores Belluzzo e Galípolo (parece complicado mas não é, amigo navegante, porque tudo o que é sólido se desmancha no ar):

O passo da boiada


(...)

Fosse vivo, escreveria Euclides da Cunha, "de súbito, num estremeção repentino, aqueles centenares de dorsos luzidios destroem-se em minutos, abatem-se ou esvaziam-se deixando-os os habitantes espavoridos. Milhares de corpos que são um corpo único, monstruoso, informe, indescritível, de animal fantástico, precipitado na carreira doida. E sobre este tumulto, arrodeando-o, ou arremessando-se impetuoso na esteira de destroços, que deixa após si aquela avalancha viva, largado numa disparada estupenda sobre barrancas, e valos, e cerros, e galhadas - enristado o ferrão, rédeas soltas, soltos os estribos, estirado sobre o lombilho, preso às crinas do cavalo - o vaqueiro!" (Passagens do Estouro da Boiada de Euclides da Cunha).

Os vaqueiros, no caso, são as autoridades monetárias. Sem trepidar, mandaram às urtigas as teorias sobre mercados eficientes, agentes racionais e bancos centrais independentes, injetando liquidez rápida e abundantemente no sistema para sustar a deflação dos ativos. Essa política (quantitative easing) acumulou mais de US$ 15 trilhões em "ativos" no balanço dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa, Japão, Suíça e Inglaterra.

A proteção aos controladores da riqueza líquida não estimulou a criação de riqueza nova. O medo de perdê-la nas armadilhas da capacidade sobrante e nas aratacas da evolução preguiçosa da massa de salários travou os espíritos animais. A inflação segue abaixo do desejado e os indicadores do mercado de trabalho nas economias desenvolvidas não correspondem às celebrações das manchetes. Nosso artigo anterior foi escrito após a divulgação de um CPI frustrante e agora escrevemos na sequência de um payroll também abaixo das expectativas.

Tais sinais recomendariam manter uma política monetária expansionista. No entanto, os bons ventos produzidos pelos bancos centrais talvez possam ter inflado excessivamente os preços dos ativos. Em agosto desse ano os yields dos junk bonds europeus estavam no mesmo nível, ou em alguns casos abaixo, do que os dos títulos públicos americanos de dez anos.

Atormentadas pelos mistérios e contradições da finança, almas mais aflitas, como Olivier Blanchard (ex-economista-chefe do FMI) e Lawrence Summers (ex-Secretário do Tesouro do Governo Bill Clinton), confessaram: na euforia das autocongratulações, os corifeus da Velha Matriz Macroeconômica esqueceram de incluir em seus modelitos os bancos, o crédito e os volúveis humores dos mercados que negociam títulos de dívida e ações.

Desgarrados do rebanho, os dois reconhecem, em seu texto "Rethinking Stabilization Policy: Back to the Future" (outubro de 2017): "Ao longo de décadas, Hyman Minsky advertiu para as consequências da construção de riscos financeiros... Vamos dar dois exemplos de questões fulcrais para as políticas econômicas que permanecem não resolvidas: primeiro, assegurado que as bolhas de ativos eclodem e que sua interação com a alavancagem excessiva é crucial para a compreensão das crises financeiras, qual a importância relativa dos diferentes mecanismos? Um mecanismo é a perda de capital dos intermediários financeiros que respondem contraindo o crédito e derrubando a atividade econômica".

Segue o enterro: "Os eventos dos últimos dez anos colocaram em dúvida a presunção de que as economias são capazes de se autoestabilizar, levantou novamente a questão se choques temporários produzem efeitos permanentes, e demonstrou a importância das não linearidades". (Ah, vá!).

A globalização, a crise de 2008 e o quantitative easing imbricaram complexidades provavelmente irreversíveis ao sistema. No feriado de finados a Bloomberg Businessweek publicou o artigo "The Global Economy Looks Good for 2018 (Unless Somebody Does Something Dumb)". O autor, Peter Coy, após discorrer as razões para seu cauteloso otimismo, conclui: "Também é possível que nós já estejamos voltados para um crash".

Economistas são ruins em identificar pontos de virada. Após a Rainha Elizabeth II questionar a falha na previsão da crise financeira da última década, um grupo de economistas britânicos escreveu uma carta dizendo: "foi principalmente uma falha da imaginação coletiva de muitas pessoas brilhantes, tanto nesse país quanto internacionalmente, de entender os riscos do sistema como um todo".

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

Gabriel Galípolo é professor do Departamento de Economia da PUC/SP e sócio da Galípolo Consultoria