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Aragão: não, o nazismo não é de esquerda!

Procurador cai na mentira das redes sociais
publicado 18/08/2017
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O Conversa Afiada reproduz texto de Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça do governo Dilma (ela acertou por último...):

Sobre a ignorância do ódio tacanho-fascista


Conta-se numa anedota que um oriental, ao embarcar num avião, pediu licença a um passageiro sentado na poltrona do corredor, para sentar-se a seu lado. O homem do corredor levantou-se com mau humor e deixou o oriental passar. Quando ambos estavam sentados, o sujeito de maus bofes resmungou... "odeio japoneses", no que o oriental cutucou: "mas por que?". E continuou o do corredor: "porque vocês destruíram uma esquadra americana em Pearl Harbor!". O oriental então disse: "mas eu não sou japonês! Sou coreano!". E o mal humorado retrucou: "japonês, coreano... tudo a mesma m...!". O oriental olhou de soslaio para o cartão de embarque que seu vizinho bronqueado segurava na mão e leu parte de seu sobrenome: "-berg". E então disse: "também odeio vocês!". E o vizinho perguntou com ar debochado: "mas por que?". E o oriental saiu-se com essa: "vocês afundaram o Titanic!". O sujeito do corredor caiu na gargalhada e, apontando para seu cartão de embarque, disse: "Seu ignorante! Meu nome é Grinberg, não sou nenhum iceberg!". O oriental não se fez de rogado e disparou: "Grinberg, iceberg... tudo a mesma m...!!!".

Essa piada vem a propósito da parvoíce do Sr. Ailton Benedito, procurador da república em Goiás, que, repetindo bordão ignorante da ultradireita tupiniquim nas redes virtuais, quis lembrar que nacional-socialistas se autodenominavam "socialistas". Sugeriu, com isso, que as atrocidades do NSDAP poderiam ser colocadas à conta da esquerda. Confundiu "Grinberg" com "iceberg" ou coreano com japonês. Se o Sr. Ailton lesse um pouquinho de história - e estou aqui falando apenas dos clássicos sobre o Terceiro Reich, como Joachim Fest, Jan Kershaw, Richard J. Evans e até, quiçá, a autobiografia de Albert Speer - ficaria enrubescido com a tolice que disse.

O nazismo, assim como o fascismo, não é propriamente uma ideologia, mas muito mais uma prática política de ódio alimentado por sopinhas de letras, bobagens que só impressionam quem está fora de si de desespero, à procura de um culpado por sua miséria. É que essa turma sabe fazer: mobilizar a bronca com discurso populista, para dar aos perdedores a sensação de unidade, de pertinência a um grupo, seja social, seja étnico, seja religioso. Colocam-nos na condição de vítimas de uma injustiça, em que suas qualidades superiores são ignoradas em benefício de um grupo de aproveitadores de menor valor. Com esse nivelamento dinâmico, fascistas e nazistas controlam as massas enfurecidas para seu projeto de poder.

O partido de Adolf Hitler surgiu de uma agremiação bávara obscura chamada inicialmente "Deutsche Arbeiterpartei" (DAP), Partido Alemão dos Trabalhadores. Reunia-se num galpão, juntando desempregados e subempregados, revoltados com a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. Grande parte de seus membros eram militantes dos Freikorps, ex-soldados que se viram traídos pelos movimentos de esquerda sindical que, com greves, teriam inviabilizado a vitória, que para esses perdedores sociais era certa na frente de batalha. Alimentavam-se, como o Sr. Ailton Benedito, do mais tosco ódio a socialistas e comunistas, acusando-os de terem dado uma "facada nas costas" dos patriotas. Essa versão da derrota pela traição na frente doméstica ficou conhecida como a "Dolchstoß-Legende", ou a lenda da facada.

Ocorre que, ao longo dos anos, com o intenso trabalho de recrutamento de apoiadores nas ruas entre desempregados e desamparados da miséria social dos anos vinte e trinta do século passado, liderado pessoalmente por Adolf Hitler, o partido, principalmente sua tendência mais rasteira e violenta, com a "Sturmabteilung" (SA) à frente, achou por bem adicionar a expressão "nacional-socialista" ao nome da agremiação. Passou a chamar-se então "Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei" (Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores - ou dos Trabalhadores Alemães) - NSDAP. O objetivo dessa mudança não era em absoluto sinal de simpatia ao marxismo ou à social-democracia, como a tosquice de certa direita ignorante tupiniquim pretende, mas o esforço de competir com os partidos de esquerda na conquista da simpatia dos desafortunados da sociedade no abismo. Em outras palavras, o uso da expressão "socialismo" não passava de um estratagema de propaganda enganosa.

Com a consolidação do poder nazista depois de 30 de janeiro de 1933, a SA, sob o comando de Ernst Röhm, a parte mais barulhenta do partido, composta precisamente por perdedores sociais, começou a mostrar insatisfação com alianças que a cúpula do NSDAP passou a fazer com a nata da burguesia industrial, em detrimento de seus ideais originais, e passou a insistir em mais ênfase no "socialista" naquilo que chamavam de "doutrina" do nacional-socialismo. O resultado foi a "noite das facas longas" (Nacht der langen Messer), episódio ocorrido na noite do 30 de junho para 1° de julho de 1934, quando a SS ("Schutzstaffel" ou comando de segurança) guarda pretoriana de Hitler, com o próprio a sua frente, assassinou todo o comando da SA, Ernst Röhm incluído entre as vítimas. Mas nem por isso a expressão "nacional-socialista" foi retirada do nome do partido.

Logo, Sr. Ailton Benedito, antes de falar asneiras e difundi-las pela internet, se instrua um pouco. Pega mal tanta ignorância confiante. Não pense que no Brasil só tem cego e que seu estrabismo intelectual o torna rei. O Sr. não passa de um burocratazinho pretensioso, mal instruído e cheio de bronca para dar. O Brasil – e o MPF em especial – merece coisa melhor.
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