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Leblon: Dilma, o sonho dos vivos e dos mortos

Se pensar pequeno, o Brasil corre o risco de caber no projeto conservador.
publicado 11/12/2014
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:


Dilma, o sonho dos vivos e dos mortos



Dilma sabe o quanto é imperioso manter uma nação a salvo de forças incontroláveis. Se pensar pequeno, o Brasil corre o risco de ser sequestrado por elas.


por: Saul Leblon


A emoção da Presidenta Dilma na cerimônia de entrega do Relatório da Comissão da Verdade, nesta 4ª feira, condensa camadas de angústia de quem conheceu de perto o horror de ser mastigada por forças incontroláveis.


O chão tinto de sangue do banheiro onde foi jogada após as sessões de tortura ficou impregnado na memória da jovem ativista de 19 anos.


Presa em 1970, ela foi manuseada por quase três anos na máquina de sadismo que matou 434 pessoas no Brasil, perseguiu milhares de outras, submeteu a sociedade a um regime de arrocho, terror, censura e medo.


As lágrimas incontidas desta 4ª feira, miravam o passado dos que foram supliciados como ela; o eterno presente dos familiares dos desaparecidos, ‘que sofrem como se eles morressem de novo, e sempre, a cada dia’; mas também, é muito provável, carregavam a angústia da chefe da nação diante da encruzilhada brasileira atual.


O sonho dos vivos e dos mortos desafia a mulher madura que hoje se prepara para assumir o segundo mandato presidencial e sabe o quanto é imperativo manter uma nação a salvo de forças incontroláveis.


Sabe, sobretudo, que elas não se manifestam mais apenas na forma do totalitarismo policial.


A supremacia do poder financeiro no século XXI pode sequestrar o destino de uma nação através de fluxos financeiros à paisana.


E impor a sua vontade, interditos históricos, e os mesmos custos sociais de um Estado ditatorial.


O passado, o presente e o futuro se entrecruzam nesse momento a evidenciar que o Brasil vive um divisor nessa história.

Um ciclo de expansão se esgotou, um outro pede para ser construído.


Pendências novas e antigas se misturam em meio a um cenário mundial adverso.


A variável determinante passa pela velocidade imprevista da transição chinesa.


A sensação de que tudo está despencando não é fora de propósito.


É como se o mastro que ancorava a lona da economia global de repente afundasse.


O motor asiático investia, em média, cerca de 45% do PIB e importava outros 10% em matérias-primas para saciar sua fornalha.


O velocímetro do seu crescimento recuou de 11% para perto de 7% ao ano.


O ritmo da freada sugere que poderá recuar ainda mais.


O tranco derruba as cotações das commodities nos cinco continentes.


As agrícolas estão em média 15% abaixo do piso declinante de 2013. O custo barril de petróleo ficou 40% mais barato desde junho.


Caiu mais um pouco nesta 4ª feira.


O freio de arrumação vai desativar poços ineficientes que flutuavam sobre uma demanda a US$ 120/barril.


O canal externo da economia nos países exportadores de óleo, metais e alimentos foi comprimido;


Em muitos deles, estreitou-se a margem de manobra de políticas associadas a um projeto de desenvolvimento com repartição de renda.


A descrição se encaixa nas características do modelo em curso na América Latina, pilotado por um colar de governos progressistas que mudou a geopolítica regional.


Em 2014, pela primeira vez em dez anos, segundo a OCDE, o PIB médio da região terá um crescimento inferior à expansão, já medíocre, prevista para as economias ricas: poderá situar-se abaixo de 1,5%.


O Brasil será atingido pela queda nas cotações e no volume dos embarques de minérios e grãos. Mas também de produtos manufaturados vendidos a parceiros latino-americanos em idêntico apuro.


O raciocínio não vale para o caso da Petrobrás.


Sobretudo, não vale para o pré-sal, que opera com tecnologia de ponta e risco zero em cada poço, sendo viável a partir de um barril em torno de  U$45/50.


A escala gigantesca das reservas é outro diferencial quando cálculos de amortização de custos tem que ser refeitos.


O número mais comedido estima em 45 bilhões de barris o total recuperável das reservas descobertas a seis mil metros da superfície, no fundo do oceano. Estimativas não descabidas falam em algo como o dobro disso.


O fato é que o pré-sal oferece o melhor horizonte de desenvolvimento para a indústria de petróleo no mundo.


A taxa que mede isso mostra que ele garante 88% de óleo recuperável sobre o total existente, contra 75% na Arábia Saudita, 65% na Rússia e 55% nos EUA.


O avanço do xisto norte-americano mexe com a demanda mundial, mas não altera o trunfo das vantagens comparativas, que inclui o domínio brasileiro da tecnologia de ponta em águas profundas.


O conjunto compõe o chão firme sobre o qual se desenvolve o maior projeto de investimento empresarial do planeta na atualidade.


Repita-se: o maior plano de investimento em curso no século XXI, feito por uma única corporação, é o da Petrobras.


Algo em torno de U$ 200 bilhões de dólares serão aplicados pela estatal em exploração e produção, entre 2014 e 2018.


Cerca de US$ 12 bilhões de dólares terão que ser financiados no mercado internacional.


Caso o mergulho das commodities ganhe a parceria de uma elevação nas taxas de juros nos EUA, o custo desse financiamento poderá impor algum freio no ritmo da exploração.


Mas não a ponto de inviabilizar as suas referências estratégicas de longo prazo.


Entre elas inclua-se a insubstituível necessidade de uma oferta estável de petróleo para que a humanidade possa realizar a transição rumo a energias renováveis, sem atropelos de abastecimento ou explosão de custos.


O pré-sal e o seu modelo de regulação soberana, acoplado à exigência de conteúdo nacional, continuam a figurar como o bilhete premiado do desenvolvimento brasileiro.


Mais que isso.


Talvez representem o derradeiro impulso industrializante capaz de rejuvenescer a sua base competitiva, garantindo o excedente necessário à finalidade social do crescimento.


O tesouro não contradiz, antes explica a angústia que talvez tenha contribuído para a demonstração incomum de emotividade da Presidenta da República na cerimônia da Comissão da Verdade.


A exploração conservadora dos casos de corrupção dentro da empresa pode inviabilizar esse trunfo contracíclico no momento em que a China desacelera, a Europa deflaciona e a recuperação norte-americana se faz com elevada desigualdade social.


Fomentar uma crise de confiança no país para atingir o governo Dilma é a estratégia do terceiro turno em marcha.


Desqualificar a Petrobrás, e o projeto de desenvolvimento que ela pilota, é a pedra basilar do mutirão graúdo.


Não se mira a lisura na gestão do dinheiro público.


Fosse isso o clamor da faxina viria associado à defesa da reforma política, do pré-sal e do que ele significa para o crescimento, a educação e a saúde.


O alvo é outro.


Trata-se de usar o pé-de-cabra da corrupção para derrubar um governo, e escancarar portas que permitam ao capital estrangeiro servir-se do pré-sal como um banco de sangue na transfusão requerida pela riqueza papeleira.


A angústia estampada no rosto crispado da Presidenta da República nesta quarta-feira refletia o desfile dos vivos e dos mortos; mas também do sonho brasileiro que os mobilizou.


O risco de vê-lo escapar é real.


A curetagem conservadora pode anular a alma de uma nação se conseguir convencê-la a rastejar por debaixo de suas possibilidades históricas.


A Petrobras sozinha representa mais de 10% de todo o investimento brasileiro em 2014, estimado em insuficientes 18,5% do PIB.


As empreiteiras associadas ao esquema de corrupção da estatal, segundo cálculos rápidos do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, estariam ligadas a um conjunto de obras em diferentes setores que somariam quase a metade da taxa de investimento prevista para o ano.


‘É importante o rigor com os envolvidos na corrupção; mas as empresas, a exemplo da Petrobras, e assim como se faz nos EUA, não podem ser inviabilizadas. Há um risco real de paralisar o país’, diz Belluzzo que discorda da orientação ministerial de sua amiga, ex-aluna e Presidenta da República.


Um aperto fiscal e monetário agora, pondera o economista, reforça a ameaçadora dinâmica do estrangulamento recessivo: ‘Tínhamos que reagir com um forte investimento público, mas cedemos ao senso comum’, diz com desacordo: ‘É como se coisas movessem os humanos e não o contrário. A hierarquia só será recomposta quando o desemprego bater nas ruas’.


O conservadorismo opera diuturnamente para reforçar essa coisificação da economia e assim sepultar qualquer disposição para enfrentar dogmas e interditos.


O matadouro é visível até a um bife a Camões.


Trata-se de espremer Dilma e tanger o  PT, obrigando-os a pensar pequeno.


Pensar um futuro menor que o país.


Uma segunda gestão de Dilma menor que as possibilidades e urgências da Nação.


Com um programa menor que a ponte necessária para saltar da prostração ao discernimento de um pacto feito de prazos, salvaguardas, reformas e metas críveis de crescimento.


Se pensar pequeno, o Brasil corre o risco de caber no projeto conservador.


E emergir do outro lado na lista dos desaparecidos da Comissão da Verdade, com um adendo:


‘O sonho da democracia social brasileira’.


Não é impossível que a Presidenta Dilma tenha vislumbrado esse risco na cerimônia de hoje.


A ver.



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