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Leblon. iFHC soltou um rojão: pau nos pobres !

Leva-se o desespero inflamável às ruas –que já produziu um cadáver.A emissão conservadora esponja-se no bordão tucano da estação: o ‘caos urbano’.
publicado 11/02/2014
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O Conversa Afiada reproduz magistral artigo de Saul Leblon, na Carta Maior:


Um rojão camufla o que importa: 1964, 1988, 2014



O partido que assentiu com reservas à Carta de 88 tornou-se o principal guardião e o mais fiel artífice de suas conquistas, ora carimbadas de estorvo ao mercado



O partido que assentiu com reservas à Carta de 1988 tornou-se o principal guardião e o mais fiel  artífice de suas conquistas, ora carimbadas – a exemplo dele - de estorvo à eficiência dos mercados e entrave à continuidade do desenvolvimento brasileiro.

Entre outros motivos, o PT criticou o resultado constituinte da redemocratização por considera-lo, como de fato era, paralisante do ponto de vista da reforma agrária, avesso à pluralidade sindical, elitista  no que tange à redistribuição fiscal da riqueza e  ao controle do sistema financeiro, ademais de preservar esporões da ditadura no metabolismo da sociedade.

A anistia política recíproca para vítimas e algozes  do regime militar sendo o mais evidente deles. Mas também  o privilégio da Justiça Militar para julgar crimes de farda  –um  fio de continuidade à violência policial impune, de custo pesado nos dias que correm.

O aspecto mais deletério da correlação de forças expressa na Carta, porém, foi ter  legado um sistema político urdido para salvaguardar os interesses de última instância das classes dominantes.

Forjou-se para isso uma democracia representativa capaz de façanhas tais como ungir um Presidente da República com  votação esmagadora nas urnas, todavia minoritário num Congresso capaz de faze-lo picar e engolir o próprio programa de governo.  

A trava de segurança comprova sua funcionalidade nos dias que correm.

Vinte e seis anos passados, dezenas de conquistas progressistas de 1988 continuam à espera de uma regulamentação legislativa dificilmente operável  em um Congresso onde as forças progressistas e os trabalhadores reúnem uma representação francamente minoritária.

Com razão e argúcia, o  ex-ministro Franklin Martins não desperdiça uma chance de espetar nos adversários de seu projeto  de regulação do sistema audiovisual –engavetado pelo Planalto-- o escudo legal da Carta de 1988: ‘Não queremos nada além da Constituição’, reclama.

E o que diz a Constituição de 1988 no capítulo  que rege a comunicação social no Brasil?

Diz no artigo 220, paragrafo 5º, que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio; define a complementaridade nas concessões de radiodifusão entre o sistema público, estatal e privado (art.223, caput); estabelece o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material e moral à imagem (art.5%u0DA, inciso V); enfatiza a preferência às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas no sistema de radiodifusão (art.221, inciso I); prioriza a promoção e defesa da cultura nacional e das culturas regionais (art.221, incisos II e III); ordena o estímulo à produção independente (art.221, inciso II); proíbe  concessões de TV a pessoas que gozem de imunidade parlamentar e foro especial, como parlamentares e juízes (art.54, inciso I) etc.

Por que nada disso acontece então?  Porque a correlação de forças expressa na Assembleia de  1988 não permitiu ao país erigir uma Carta  auto-aplicativa em muitos casos. Alguns dos mais sensíveis, como esse, representam matéria a ser regulamentada por um Congresso onde a bancada de centro direita é francamente majoritária (hoje mais que ontem).

Um número resume todos os demais: o sociólogo Emir Sader, colunista de Carta Maior, lembra que enquanto a bancada ruralista conta com 162 deputados, a dos trabalhadores rurais inclui dois representantes.

Das 162 goelas a serviço do poder fundiário, 26 são de médicos (leia também em Carta Maior: ‘Bancada ruralista: tudo pela terra’, por Najar Tubino).

Liderados pelo anti-hipócrates Ronaldo Caiado eles sangraram a reforma agrária em 1988; dedicam-se agora ao humanitário propósito de  arregimentar deserções entre profissionais cubanos do ‘Mais Médicos’ --programa que atende populações pobres e miseráveis, boa parte formada por descendente de brasileiros expulsos do campo, por força da derrota reformista em 1988.

Em um ambiente legislativo dominado por  cepas regressivas, o risco de golpes constitucionais contra o espírito de 1988 é permanente.

O legado em vigor - como a aposentadoria rural, a universalização do serviço público de saúde, punição à demissão imotivada, a extensão da licença -maternidade, o direito de greve e a autonomia sindical etc. - se levado a uma revisão constitucional, como a que houve em 2004, dificilmente escaparia de ser mitigado ou mesmo revogado.

Foi essa tensão permanente que soldou  a convergência entre o PT e a Carta de 1988, que ganhou assim um guardião disposto a honrá-la no que tinha de avançado.

O partido, por sua vez, incorporou ao seu alicerce  histórico um  piso legal para ordenar a luta pela construção negociada da democracia social brasileira.

Não foi pouco o que se conquistou nos últimos 12 anos.

O salário mínimo teve um ganho de 70%, acima da inflação. Beneficia, entre outros, os 14 milhões de aposentados e pensionistas rurais reconhecidos pela Carta de 1988. Cerca de 17 milhões de vagas foram abertas  no mercado de trabalho, regidas pela regulação trabalhistas da era Vargas, que a Carta preservou, aperfeiçoou e FHC prometera abduzir: carteira assinada; férias; 13º; reajuste anual, licença maternidade etc. Políticas sociais destinadas a mitigar a fome e a miséria adquiriram forte abrangência: atingem cerca de 14 milhões de lares atualmente. Mais  de 55 milhões de pessoas.

O matrimônio entre o PT e a Carta de 1988  trouxe  60 milhões de novos consumidores para a fila do caixa.

O conjunto criou um novo personagem  histórico que mudou as referências estratégicas da produção, da demanda e da política nacional.

A assepsia que os cirurgiões conservadores gostariam de realizar nessa equação requer um cavalo de pau  inconciliável com a vigência da ordem constitucional em vigor.

O chão político do conservadorismo foi esburacado a tal ponto que o que se  busca agora é uma máscara nova  para ocultar o conteúdo velho que orienta os  blac blocks da ortodoxia .

As sirenes do colapso iminente – ‘se não for hoje, de amanhã o Brasil não passa’— ecoam um repertório que alimenta o descrédito na capacidade soberana do país –e da democracia—para comandar o seu desenvolvimento, subordinando mercados aos interesses da população e não o inverso.

Toneladas desse ácido corrosivo banham a confiança da sociedade diuturnamente.

A ardilosa montanha-russa eleva as expectativas para em seguida frustrá-las com a porretada do desencanto.

Cobra-se um país ‘padrão Fifa’.

Leva-se o desespero inflamável às ruas –que já produziu um cadáver.

Desautoriza-se em seguida a viabilidade e  a construção do objetivo martelado.

A emissão conservadora esponja-se, então, no bordão tucano da estação: o ‘caos urbano’.

Culpa de quem?

(...) ‘Culpa’ dos governos petistas ‘que puseram em marcha uma estratégia de alto rendimento econômico e político imediato, mas com pernas curtas e efeitos colaterais negativos a prazo mais longo’. Assinado o rojão o ex-presidente FHC, de credenciais sabidas no exercício do poder ( Estadão 03/11/2013).

Remédio tem, sibila-se no imaginário popular.

Qual?

O desmonte da Carta de 1988 e o aniquilamento do  PT. Ou  vice -versa .

Um sugestivo seminário denominado "Transição incompleta e dilemas da (macro) economia brasileira", realizado no Instituto FHC, em 26 de agosto de 2011, reuniu a fina flor do PSDB em colóquio explícito sobre o que seria do legado de 1988 se o Brasil caísse de novo em suas mãos.

Presentes: André Lara Rezende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Pérsio Arida.  

Consenso: arrochar  o gasto publico e elevar o superávit fiscal --não apenas para cobrir o déficit anual entre receitas e despesas (em torno de 2% do PIB), PIB) mas um esforço épico ( bélico?)  capaz de contemplar também a rolagem da dívida que deveria ser amortizada anualmente (uns 17% do PIB).

Para atingir esse nirvana ortodoxo será necessário, naturalmente, escalpelar o Estado e a nação, a começar por  uma segunda onda de privatizações capaz de fazer dinheiro.

Não apenas privatizações de patrimônio físico, portanto, que desse restou pouco após o reinado tucano.

Mas também do escopo financeiro do Estado  –que deve ser mínimo, dispensando-se a concentração de recursos em mãos do gestor público.

Entra no radar do reformismo, assim, a privatização dos fundos públicos, cuja administração passaria à banca privada –caso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da caderneta de poupança.

São inúmeras as implicações. Entre elas, a revogação, na prática, do direito à moradia digna, que passou a respirar através do programa Minha Casa, Minha Vida, fulminado por ausência de recursos  para a equalização do subsídio estatal à moradia popular.

A meta do equilíbrio fiscal a ferro e fogo condiciona, como se vê,  o padrão de sociedade,  a abrangência do desenvolvimento e a sorte da gente que o protagoniza.

Para a inteligência tucana, o padrão de Estado Social, com direitos  europeus inseridos na Carta de 1988, é incompatível com a miserável gente brasileira.

‘Eles encarecem o custo do investimento privado’, afirmam.  E rebaixam a poupança do setor público. O conjunto move a engrenagem do endividamento do Estado; pressionando a taxa de juro, impedindo o desejado círculo virtuoso do investimento.

Nenhuma palavra sobre justiça fiscal, por exemplo, capaz de reordenar o fluxo da riqueza para as demandas da sociedade.

Ao contrário, aventa-se  cortes de impostos generosos dos ricos.

É a filosofia da ‘oferta’ da era Reagan aplicada aos trópicos. Deixe o dinheiro no bolso de quem sabe o que é melhor para o país.

Os mercados e seus endiabrados centuriões.

A legião de desempregados da  Europa onde bancos se locupletam, enquanto direitos e vagas de trabalho minguam, traz dúvidas às certezas inquebrantáveis marteladas pela emissão conservadora.

Aventou-se no faiscante seminário do Instituto FHC, inclusive, a privatização  das reservas nacionais, liberando-se integralmente depósitos no exterior dos dólares resultantes de exportações e movimentações financeiras.

O país deixaria de gastar com a compra dessas divisas, justificou-se,  que rendem menos (aplicadas lá fora) do que o governo paga em juros aqui para a obtenção dos reais necessários à sua aquisição.

Omite-se o fato de que um Brasil sem o atual air-bag de US$ 375 bilhões em reservas seria, nesse momento de transição de ciclo econômico mundial, uma peteca de penas de colibri nas patas  dos especuladores, locais e internacionais.

Nenhum problema.

Do ponto de vista de quem acredita  que as conquistas dos últimos 12 anos devem ser corroídas – a exemplo das tarifas protecionistas da economia--  para melhor credenciar o país no repertório dos capitais globais, não importa o custo  em termos de demolição do parque fabril e da qualidade do emprego presente e futuro.

Dos escombros, assegura-se,  brotará uma nova matriz de crescimento ‘mais leve, ágil e competitiva’, sem o  fardo de direitos e deveres legados pela Carta de 1988 e turbinados pelo ciclo do’ lulopetismo’.

Quem acredita que o entrave ao avanço progressista do desenvolvimento brasileiro decorre, exclusivamente, de um déficit de ousadia dos governos do PT  toma, portanto,  a nuvem por Juno.

Do PT pode-se  –deve-se -  cobrar um reencontro com o engajamento criativo de suas bases, predicado indissociável da centralidade que elas já ocuparam na vida do partido.

Pode-se, deve-se, igualmente, desafiá-lo a resgatar o desassombro político original, anestesiado pela responsabilidade do poder e só restituível com amplas doses de democracia e transparência interna.

Mas a parede contra a qual se esbarra hoje, na disputa pelo passo seguinte do desenvolvimento, remete a um fio de continuidade que liga 1964, 1988 e 2014.

Ela se ancora na mesma correlação de forças que em 1988 –como hoje--  interditou a reforma política, o financiamento público de campanha, a justiça fiscal (capaz de alimentar os fundos públicos requeridos pelo desenvolvimento) e o controle sobre o mercado financeiro e a democratização pluralista da mídia.

A Carta de 1988 dissociou o núcleo duro do capitalismo brasileiro do espírito progressista e cidadão que embalou a reordenação constitucional ao final da ditadura.

A tensão parece ter chegado ao seu nível máximo. E as ruas –naquilo que expressam de insatisfação real--  são uma expressão de contradições que já vazam dos limites da institucionalidade disponível.

Para o país inaugurar o novo ciclo histórico requerido pela transição em curso  na economia mundial (cuja redução de liquidez inviabiliza a acomodação dos conflitos via importações baratas e saldos comerciais elevados propiciados pelo boom das commodities) é forçoso romper esses limites e  interditos.

Não é obra apenas para o PT.

É tarefa para um mutirão histórico, organizativo e constitucional, que reivindica uma articulação progressista maior,  mais sólida e mais coerente do que aquela que  emergiu ao final da ditadura.

Do  que menos o Brasil precisa nesse momento é de um rojão de irresponsabilidade homicida,  que unifique as fileiras do conservadorismo em defesa de uma regressividade camuflada de ordem para o progresso.

A ver.