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Leia íntegra dos testemunhos que incriminam Ustra

O Conversa Afiada recebeu e-mail do professor Fábio Comparato, advogado da família Merlino, que processa Ustra.
publicado 03/08/2011
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O Conversa Afiada recebeu o seguinte e-mail do professor emérito Fábio Comparato, advogado da família Merlino, que processa o coronel Ustra.

Como se sabe, Ustra e sua testemunha de defesa, José Sarney, não compareceram à audiência em que esses testemunhos inconstáveis foram feitos :

Caro Paulo Henrique:

Seguem anexos os depoimentos das testemunhas na segunda ação movida contra o Ustra pela família Merlino.

Abraço,

Fábio Konder Comparato

PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO

20ª Vara Cível Central
Processo nº 583.00.2010.175507-9
ANGELA MARIA NENDES DE ALMEIDA e REGINA MARIA MERLINO DIAS DE ALMEIDA X CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA


1ª TESTEMUNHA DAS AUTORAS
Nome: ELEONORA MENICUCCI DE OLIVEIRA
(qualificada nos autos)
TESTEMUNHA COMPROMISSADA E INQUIRIDA PELA MMª JUÍZA DE DIREITO, NA FORMA E SOB AS PENAS DA LEI, RESPONDEU:
MMª JUÍZA:
Eu tenho aqui alguma menção à senhora no processo; a senhora esteve na OBAN em mil novecentos e setenta ou mil novecentos e setenta e um?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
O que significa OBAN?
DEPOENTE:
Operação Bandeirantes.
MMª JUÍZA:
Operação Bandeirante? A senhora esteve lá e encontrou lá com o Sr. Luís Eduardo? O viu lá?
DEPOENTE:
Primeiro, boa tarde.
MMª JUÍZA:
Boa tarde!
DEPOENTE:
Fui presa em onze de julho com o então meu marido, Ricardo Prata Soares; e ficamos na Operação Bandeirantes uma média de sessenta a sessenta e cinco dias. Estive sim com o Luís Eduardo Merlino e ouvia ele sendo barbaramente torturado.
MMª JUÍZA:
Quem batia nele? Quem o torturava?
DEPOENTE:
Existiam três equipes: equipes A, B e C, e essas equipes se alternavam por turno.
MMª JUÍZA:
As equipes era formadas por quantas pessoas?
DEPOENTE:
Variava, variava. Todas as equipes muito disciplinadas e muito agressivas.
MMª JUÍZA:
A senhora viu o General Ustra por lá?
DEPOENTE:
Vi.
MMª JUÍZA:
E ele estava junto com alguma dessas equipes?
DEPOENTE:
Desde o dia que eu fui presa, o que me impressionou, eu tinha uma filha de um ano e dez meses...
MMª JUÍZA:
Com relação ao Seu Luiz Eduardo.
DEPOENTE:
Chegarei lá se possível. Eu vi o Coronel Ustra. E no momento da prisão do Senhor Luiz Eduardo da Rocha Merlino eu já estava presa. Numa madrugada eu fui chamada, retirada da cela e fui a uma sala chamada sala de tortura, onde tinha um Pau-de-Arara e a Cadeira-do-Dragão. Neste Pau-de-Arara estava o Luís Eduardo da Rocha Merlino,  nu, já com uma enorme ferida nas pernas, numa das pernas era maior. E eu fui torturada na Cadeira-do-Dragão. Neste momento eu vi o Luís Eduardo Merlino, eu assisti à tortura, sendo torturada, e vi o Coronel Ustra entrar na sala e sair.
MMª JUÍZA:
Entrou viu e assistiu?
DEPOENTE:
Sim. Entrou na sala, assistiu.
MMª JUÍZA:
Não falou nada? Ficou um tempo lá?
DEPOENTE:
É, não sei precisar o tempo que ele permaneceu na sala. A outra oportunidade, o outro momento em que o vi foi no momento que existiu uma ameaça de tortura de minha filha; e ele entrava na sala e fazia assim, assim, assim (a depoente faz sinais de afirmativo e negativo com o polegar direito, alternadamente) dizendo positivo ou negativo, para os torturadores da equipe.
MMª JUÍZA:
Nessa mesma ocasião, quando estava lá o Senhor Luiz Eduardo?
DEPOENTE:
Sim, sim. Foram dois ou três dias muito fortes.  Eu tinha vinte e três anos..., vinte e quatro..., e tenho plena convicção que o Coronel Ustra não só participava mas ele autorizava as torturas para mais ou para menos. Eu Acho importantíssimo esse momento em que estamos  aqui, consignar, em função do resgate total da verdade.
MMª JUÍZA:
O Senhor Luiz Eduardo ficou mau, pior e teve que ser levado ao hospital? A senhora também viu isso?
DEPOENTE:
Esse machucado que vi foi gangrenando, segundo..., porque a cela das mulheres era separada da dos homens. E o Luís, por informações dadas pelos carcereiros, ele estava na cela forte junto com o Guido.  E depois um silêncio absoluto, não se falava mais nele.  E depois, novamente se falava que ele tinha falecido e, na realidade, ele não morreu, ele foi assassinado.  Ele foi levado para o hospital, não sei dizer para a senhora qual era o hospital, porque a mim não cabia.  Eu estava no outro lado com  outro registro. E depois do silêncio, uma total informação de que ele tinha falecido por gangrena na perna. Então, a gangrena na perna levou a ser amputada a perna; ele voltou para a OBAN e depois foi retirado morto da OBAN.
MMª JUÍZA:
NADA MAIS.

Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, ________________, Lilian de Oliveira Melo Poma Boga, escrevente-estenotipista, estenotipei, transcrevi e subscrevi. Em 02 de agosto de 2011, e assino.


2ª TESTEMUNHA DAS AUTORAS
Nome: LAURINDO MARTINS JUNQUEIRA FILHO
(qualificado nos autos)
TESTEMUNHA COMPROMISSADA E INQUIRIDA PELA MMª JUÍZA DE DIREITO, NA FORMA E SOB AS PENAS DA LEI, RESPONDEU:
MMª JUÍZA:
O senhor também estava na OBAN?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
Que idade o senhor tinha, então?
DEPOENTE:
Vinte e seis anos.
MMª JUÍZA:
Quando foi isso?
DEPOENTE:
Mil novecentos e setenta e um.
MMª JUÍZA:
O senhor lembra a data em que o senhor foi preso?
DEPOENTE:
Eu me lembro que foi... no dia dezesseis de julho, se não me engano.
MMª JUÍZA:
Junto com a Dona Eleonora ou não?
DEPOENTE:
Sim, sim, sim.
MMª JUÍZA:
Lá o senhor viu o Seu Luiz Eduardo?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
Quando o senhor o encontrou ele estava bem?
DEPOENTE:
Absolutamente! Ele estava sendo torturado, numa sessão de tortura e todo lesado.
MMª JUÍZA:
O senhor assistiu o momento que ele estava sendo torturado?
DEPOENTE:
Ele me fez um relato de que havia sido torturado e que me haviam enviado para me convencer a eu falar o que sabia, pra interromper minha tortura.  E que ele, por ter sido torturado, não tinha agüentado a tortura e tinha relevado o  endereço que pediram pra ele.
MMª JUÍZA:
O senhor sabe qual foi a participação do requerido, o Senhor Brilhante Ustra, nessa tortura? Ele participou diretamente? Ele disse para o senhor?
DEPOENTE:
Ustra era o Comandante da unidade e assistiu minha tortura, assistiu a tortura do meu companheiro que estava comigo. Ele não viu o Luiz Eduardo sendo torturado, mas ele era o Comandante da unidade de tortura e orientava essa tortura pessoalmente.
MMª JUÍZA:
Isso o senhor assistiu acontecer?
DEPOENTE:
Eu assisti comigo.
MMª JUÍZA:
Mas o Luiz Eduardo comentou que com ele também aconteceu isso: do Ustra estar lá na hora?
DEPOENTE:
Sim, sim. Eu gostaria de acrescentar mais uma informação. Posso falar?
MMª JUÍZA:
Claro.
DEPOENTE:
Após o contato com o Luiz Eduardo, eu recebi informações de um soldado do exército, que prestava serviço na Unidade da OBAN, de que o Luiz Eduardo tinha morrido, tinha sido torturado durante a noite. E esse soldado, de suposto nome Washington, de cor negra, veio até mim e falou que o Luiz Eduardo tinha morrido de gangrena nas pernas; tinha sido conduzido para um passeio – foi a expressão que ele usou – na madrugada, e que tinha sido várias vezes atropelado por um caminhão que prestava serviços para a Unidade da OBAN. Isso teria se repetido tantas vezes que os órgãos dele tinham sido decepados pelo caminhão. Então, esse foi o relato feito pelo soldado que prestava assistência aos presos nas celas, era militar; não sei com que intenção ele me fez esse relato, se era me forçar a falar o que eu sabia. Mas, de fato, o relato ocorreu.
REPERGUNTAS DO ADVOGADO DAS AUTORAS:
MMª JUÍZA:
Esses fatos que foram relatados, do caminhão indo e voltando, ocorreram dentro da unidade?
DEPOENTE:
Sim, perfeitamente. Ele disse que o Luiz Eduardo foi conduzido do presídio da OBAN já morto para esse passeio, com um caminhão que servia a Unidade da OBAN. E que isso tinha ocorrido...
MMª JUÍZA:
Em alguma estrada por aí?
DEPOENTE:
Ele não citou onde teria sido, mas, em outras palavras, teriam simulado um acidente de trânsito com ele, como se tivesse havido uma fuga. Na realidade a morte dele não foi intencional, não teria sido prevista. Era ruim matar um preso político.
MMª JUÍZA:
NADA MAIS.

Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, ________________, Lilian de Oliveira Melo Poma Boga, escrevente-estenotipista, estenotipei, transcrevi e subscrevi. Em 02 de agosto de 2011, e assino.


3ª TESTEMUNHA DAS AUTORAS
Nome: LEANE FERREIRA DE ALMEIDA
(qualificada nos autos)
TESTEMUNHA COMPROMISSADA E INQUIRIDA PELA MMª JUÍZA DE DIREITO, NA FORMA E SOB AS PENAS DA LEI, RESPONDEU:
MMª JUÍZA:
A senhora também esteve presa em setenta, setenta e um?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
Quando a senhora foi presa?
DEPOENTE:
Em quinze de julho de mil novecentos e setenta e um.
MMª JUÍZA:
E lá a senhora encontrou com o Luiz Eduardo, na OBAN?
DEPOENTE:
Eu ouvi os gritos do Luis Eduardo durante três dias, durante o período que as equipes comandadas pelo Major Ustra o torturaram.
MMª JUÍZA:
A senhora viu o senhor Ustra lá fazendo alguma coisa?
DEPOENTE:
Ele me torturou pessoalmente desde o primeiro dia.
MMª JUÍZA:
Ele pessoalmente com relação à senhora?
DEPOENTE:
Eu fui a primeira militante que estava atuando a ser presa, do nosso grupo. A esperança do Ustra e suas equipes é que eu tivesse grandes informações a dar. Então, ele participou pessoalmente da tortura desde a hora em que cheguei na OBAN, no dia quinze.
MMª JUÍZA:
E com relação ao seu Luiz
Eduardo, também a senhora tem essa notícia de que ele participou diretamente na tortura dele?
DEPOENTE:
Ele passou a ser torturado a partir do momento em que ele chegou. E eu fui tirada da sala de tortura para o Luiz Eduardo Merlino entrar.
MMª JUÍZA:
E lá estava o Ustra, na sala de tortura?
DEPOENTE:
Estava o Ustra. A coisa principal que ele estava fazendo naquele dia era torturar as pessoas que poderiam levar a uma pessoa que ele procurava muito fortemente; e era em código, eu não entendia o que ele dizia, ele pronunciava repetidamente: “Hiroaki Toigoy, Hiroaki Toigoy!”. Ele gritava esse nome pessoalmente enquanto ele era torturado no Pau-de-Arara. Parece um código, mas era o nome de um militante. O objetivo dele  era chegar aos militantes. Quando eu não tive essa informação pra dar, o Luiz Eduardo foi preso e passou a ser torturado na mesma sequência e sala que eu, durante três dias consecutivos. Todos os presos escutavam os gritos dele incessantemente, até sua retirada da Operação Bandeirantes, desacordado e colocado no porta-malas de um carro. Isso foi visto por mim,  no pátio do Presídio Bandeirantes, comandado pelo Major Ustra; colocado no porta-malas de um carro por quatro outros policiais da mesma equipe. Foi colocado no porta-malas do carro, desacordado. Parecia até já morto. Foi assim que eu vi o Luiz Eduardo na OBAN.
REPERGUNTAS DO ADVOGADO DAS AUTORAS:
MMª JUÍZA:
A senhora pode explicar melhor como foi que a senhora viu e onde a senhora estava? A senhora estava onde nessa hora?
DEPOENTE:
Quando começaram a torturar mais fortemente o Merlino eu fui transferida para uma outra cela porque eu estava em péssimas condições físicas. Então me tiraram da carceragem onde ficavam os demais presos. Eles me levaram para a enfermaria por algumas horas; o enfermeiro fez alguns curativos nos meus ferimentos, devido ao Pau-de-Arara e à Cadeira-do-Dragão; e me levaram para uma outra cela. Eu fui várias vezes na enfermaria, mas sempre voltando para essa outra cela que ficava no primeiro andar da Operação Bandeirantes, não no térreo. Nesta cela tinha uma janela basculante e duas outras companheiras tiveram que me segurar porque a gritaria fui muito grande quando retiraram o corpo do Luiz Eduardo...
MMª JUÍZA:
Quem gritava?
DEPOENTE:
Os policiais, porque aparentemente não seria possível salvá-lo. Enfim, eles fizeram um alarido muito grande e nós nos organizamos; as duas companheiras – eu era a menor das três – me seguraram  e eu consegui chegar até a basculante pra ver o corpo dele sendo colocado no porta-malas de um carro, jogado no porta-malas de um carro, vestido, inerte, totalmente vulnerável, por quatro homens comandados pelo Major Ustra.
MMª JUÍZA:
NADA MAIS.
Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, ________________, Lilian de Oliveira Melo Poma Boga, escrevente-estenotipista, estenotipei, transcrevi e subscrevi. Em 02 de agosto de 2011, e assino.


4ª TESTEMUNHA DAS AUTORAS
Nome: PAULO DE TARSO VANUCCHI
(qualificado nos autos)
TESTEMUNHA COMPROMISSADA E INQUIRIDA PELA MMª JUÍZA DE DIREITO, NA FORMA E SOB AS PENAS DA LEI, RESPONDEU:
MMª JUÍZA:
O que o senhor tem a dizer a respeito desses fatos e da participação do senhor Ustra na tortura com relação ao Senhor Merlino?
DEPOENTE:
Meritíssima, eu fui preso no Doi-Codi no dia dezoito de fevereiro de setenta e um e fui levado imediatamente à presença do Comandante Ustra, que usava, então, o nome de Major Tibiriçá. Fiquei preso ali três meses, tendo contato estreito com ele; depois fui levado ao Dops, um mês e meio; uma semana de presídio Tiradentes; e retornei ao Doi-Codi na Rua Tutóia no mês de julho. E no mês de julho eu já estava iniciando o processo sub judice; respondi relatórios curtos e conheci o Merlino, que foi trazido para a porta da minha cela, no xadrez três. Rabisquei um croquis para a senhora, pra deixar para a senhora, explicando onde foi a massagem, deitado numa escrivaninha, que um enfermeiro – conhecido como Boliviano – fez durante uma hora na minha frente. Pude conversar com o Merlino, eu era estudante de medicina e notei que ele tinha numa das pernas a cor da cianose, que é um sintoma de isquemia, risco de gangrena. E nos dias seguintes perguntei para carcereiros, sobretudo para um policial de nome Gabriel – negro, atencioso – o  que tinha acontecido com aquele moço e ele respondeu que ele tinha sido levado para o hospital. Nos dias seguintes vi essa versão ser repetida e tinha contato com o Major Tibiriçá, cheguei a perguntar sobre isso e ele nada me respondeu. E nesse sentido eu tenho a dizer que o Major Ustra era o comandante que determinava tudo o que podia, o que devia ser feito lá e o que não tinha.
MMª JUÍZA:
Ele assistiu quando o senhor Merlino foi agredido? Ustra assistiu? Estava na cela?
DEPOENTE:
Não posso responder porque não assisti Merlino sendo agredido ou torturado. Assisti só a sessão de massagem, que era um episódio raro. Os presos torturados não eram socorridos dessa forma, tampouco em alguma situação especial de risco e emergência, que levou a essa massagem. E o semblante das respostas dos funcionário era que alguma coisa grave ali tinha acontecido.
MMª JUÍZA:
Nessa hora o senhor conversou com o Merlino, quando ele estava lá?
DEPOENTE:
Bastante.
MMª JUÍZA:
E ele comentou quem estava na sala?
DEPOENTE:
Não, não comentou. Ele estava com muita dor, com uma voz muito fraca e se limitou a responder à pergunta: “Como você chama?” – Ele respondeu: “Merlino” – Eu não entendi, entendi que fosse Merlim, e ele acenou. E o silêncio era absolutamente comum entre nós, porque nós éramos levados para as celas e não sabíamos quem eram as pessoas que nos perguntavam coisas. E poderiam não ser presos, como várias vezes ocorreu, mas pessoas do próprio sistema do Doi-Codi.
REPERGUNTAS DO ADVOGADO DAS AUTORAS:
MMª JUÍZA:
Com relação ao senhor, houve tortura por ele?
DEPOENTE:
Houve no momento da minha prisão seções de tortura comandadas por ele, inclusive a decisão, no décimo dia da minha prisão, ele entra na sala e manda parar. Então, dele veio a decisão de que eu parasse de ser torturado. Um ano depois, em junho de setenta e dois, eu retornei pela sexta vez ao Doi-Codi e fui submetido a uma sessão de tortura comandada pessoalmente por ele, não mais para confissão, e, sim, porque nós estávamos em greve de fome, exigindo um tratamento compatível com a dignidade humana e com a dignidade de presos políticos. E Paulo de Tarso Venceslau e eu fomos trazidos, escolhidos entre os grevistas que eram dezenas, para sermos torturados e obrigados a nos alimentar. Não aceitamos e eu retornei à auditoria militar, à presença do Juiz Auditor Nelson da Silva Machado Guimarães, a minha Defensora Enir Raimundo Moreira, assistente do Sobral Pinto, e houve um laudo em que o próprio Juiz Auditor constatou equimoses, hematomas e essa sessão de espancamento que foi comandada pessoalmente por Ustra, em Junho de setenta e dois.
MMª JUÍZA:
Major Tibiriçá e Major Ustra são a mesma pessoa?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
NADA MAIS.
Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, ________________, Lilian de Oliveira Melo Poma Boga, escrevente-estenotipista, estenotipei, transcrevi e subscrevi. Em 02 de agosto de 2011, e assino.


5ª TESTEMUNHA DAS AUTORAS
Nome: OTACÍLIO GUIMARÃES CECCHINI
(qualificado nos autos)
TESTEMUNHA COMPROMISSADA E INQUIRIDA PELA MMª JUÍZA DE DIREITO, NA FORMA E SOB AS PENAS DA LEI, RESPONDEU:
MMª JUÍZA:
O senhor também esteve preso no Doi-Codi?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
Em setenta, setenta e um?
DEPOENTE:
Foi no ano de setenta e um, no dia quinze, na madrugada de quatorze pra quinze, de julho. Fui preso eu e minha ex-mulher Leane, os dois juntos. Fiquei, calculo, uns trinta dias no Doi-Codi, por aí. Presenciei uma série de fatos que levaram a poder testemunhar claramente sobre o problema.
MMª JUÍZA:
Encontrou lá com o Merlino?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
Já o conhecia antes?
DEPOENTE:
Não, conheci lá. Estava da primeira cela, com uma visão muito boa, fácil de quem entrava para o interrogatório. Era a cela em que eles colocavam as pessoas que, até então, poderiam ter uma passagem vaga. No meu caso, eu fui preso e a hipótese inicial era: namorado de uma pessoa procurada, amigo de uma pessoa procurada. Depois do depoimento a coisa mudou um bocadinho. Mas a partir desse instante, eu ainda não era tão importante. Eu fiquei numa cela que dava uma visão ampla de tudo e vi fatos que me levam a poder a ajudar.
MMª JUÍZA:
De lá o senhor assistia as pessoas sendo torturadas?
DEPOENTE:
Não. Eu assistia as pessoas que eram levadas para o interrogatório. No caso o Merlino, nós fomos presos do dia quatorze pra quinze, de madrugada. Torturas nesse dia; a minha esposa na época foi torturada, ameaças para mim não podendo ver. Sabia porque as pessoas iam e voltavam à noite para a prisão. Havia do meu lado uma cela forte, uma chapa de aço; havia nessa cela uma pessoa que fiquei sabendo depois que era o Guido Mantega... Não, desculpe não era o Mantega, era outra pessoa de nome Guido também.
MMª JUÍZA:
É outro Guido, não o Mantega. Mas ele é mencionado aqui no processo.
DEPOENTE:
O Guido, depois vim a conhecê-lo, ele sai dessa cela em que tinha sido torturado nos dias anteriores. Sai dessa cela pra receber uma pessoa, que eu não sabia que era o Merlino. Na manhã do dia seguinte, que era um sábado, o carcereiro – eu chamava ele de Marechal, apelido de Marechal – abriu a cela e reclamou que a cela estava suja, tinha defecado, urina, etc., etc. Mas o ajudou a sair porque ele estava com dificuldade, pegou ele rápido, foi colocado  numa mesa no corredor. Esse corredor, a cela feminina que era do outro lado não era possível ver por causa do muro. Mas da minha cela eu conseguia ver. Ele foi colocado nessa mesa, foi colocado o Merlino, ele não tinha como se locomover. E a tentativa era fazer uma massagem na perna pra que ele pudesse andar e ter o mínimo de autonomia e voltar para a cela. É claro que isso não resolveu o problema, lógico.
MMª JUÍZA:
O senhor viu lá o Ustra, o Senhor Brilhante Ustra participando desses interrogatórios com agressão?
DEPOENTE:
Nesse interrogatório não. No meu sim. Quando eu fui interrogado ele estava na sala. Ele não participava...
MMª JUÍZA:
Do Merlino o senhor não sabe se ele estava na sala ou não?
DEPOENTE:
Eu não estava sabendo, fiquei sabendo depois pelo depoimento da minha mulher e de outros colegas. Mas no meu caso ele estava no interrogatório e era dele que partia a ordem se ia ser torturado ou não. As pessoas não tinham autonomia, passava por ele a decisão. Com um sinal ele decidia se ia ser torturado ou não, como foi no seu caso. Qualquer coisa fazia com que a pessoa fosse levada, o negócio era assim. No meu caso foi assim. E as pessoas eram levadas sob as ordens dele. Eu também vi – acho importante para o depoimento – foi no interrogatório que eu estava sendo submetido, na segunda feira...; essa cena na mesa aconteceu no sábado – ele não melhorou, é claro –. No domingo voltou a cena da massagem e na segunda feira foi para o depoimento e tortura minha. Nesse depoimento ficou me pressionando, coisa e tal. E mais pessoas na sala, ele na sala ...
MMª JUÍZA:
Ele, o senhor quer dizer, o Ustra?
DEPOENTE:
Exato. Alguém abriu a porta – não lembro o nome – e chamou o comandante, dizendo  que era do hospital, uma ligação do hospital, pedindo a presença da família para autorizar uma eventual amputação. Foi um mal estar terrível, uma notícia ruim, desagradável. Uma reação..., ele saiu da sala. É claro, evidentemente eu entendi que era do hospital, dizendo que precisaria fazer uma cirurgia porque o paciente estava com gangrena. Ele estava com sinais evidentes de gangrena. Na minha cela, nesse período, um médico residente que estava preso, foi preso nessa noite, comentou conosco e disse: “Olha, ele tem que ir para o hospital, a massagem não vai resolver, é princípio de gangrena!” Então, no fim de semana ficou esse processo, iniciou a gangrena e eu conclui que ele foi para o hospital porque não o vi e escutei esse telefonema que o Ustra toma a liderança do que fazer. E ele sai da sala para tomar a decisão, já que a família não podia ser acionada. A notícia era péssima.
REPERGUNTAS DO ADVOGADO DAS AUTORAS:
MMª JUÍZA:
O Senhor Guido a que o senhor se referiu é: Guido de Souza Rocha?
DEPOENTE:
Sim, exatamente.
MMª JUÍZA:
Ele também estava preso lá?
DEPOENTE:
Estava preso. Um artista plástico, vim a  saber depois. Mineiro. O Mantega saiu por...
MMª JUÍZA:
NADA MAIS.
Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, ________________, Lilian de Oliveira Melo Poma Boga, escrevente-estenotipista, estenotipei, transcrevi e subscrevi. Em 02 de agosto de 2011, e assino.


6ª TESTEMUNHA DAS AUTORAS
Nome: JOEL RUFINO DOS SANTOS
(qualificado nos autos)
TESTEMUNHA COMPROMISSADA E INQUIRIDA PELA MMª JUÍZA DE DIREITO, NA FORMA E SOB AS PENAS DA LEI, RESPONDEU:
MMª JUÍZA:
O senhor também esteve preso no Doi-Codi?
DEPOENTE:
Sim.
MMª JUÍZA:
Em setenta e um?
DEPOENTE:
Em setenta e dois.
MMª JUÍZA:
Quando o senhor foi pra lá?
DEPOENTE:
Fui pra lá nos últimos dias de dezembro de setenta e dois.
MMª JUÍZA:
O senhor conhecia o Merlino?
DEPOENTE:
Conheci muito, ele era meu amigo.
MMª JUÍZA:
O senhor acompanhou quando ele foi preso?
DEPOENTE:
Não. Eu soube depois.
MMª JUÍZA:
O senhor também sofreu tortura?
DEPOENTE:
Sofri.
MMª JUÍZA:
Quem tomava conta disso?
DEPOENTE:
O mandante era o Comandante Ustra.
MMª JUÍZA:
Ele participava diretamente das seções de agressão?
DEPOENTE:
No meu caso sim, no meu caso sim; seções de choques elétricos, tapas...
REPERGUNTAS DO ADVOGADO DAS AUTORAS:
MMª JUÍZA:
As equipes lá do Doi-Codi, parece que havia mais de uma equipe? O senhor sabe disso?
DEPOENTE:
Havia mais de uma equipe.
MMª JUÍZA:
Eles comentavam alguma coisa com o senhor a respeito do Merlino?
DEPOENTE:
Principalmente um torturador, o Oderdan, ele me relatou como foi a tortura do Merlino. Quer que eu conte isso?
MMª JUÍZA:
Nós estamos mais interessados em saber quem foi que torturou, essa é a nossa idéia; saber se o Coronel, ou Major Ustra estava na sala quando ele foi torturado.
DEPOENTE:
Pela versão que me deu esse torturador, ele estava presente e comandou a tortura sobre o Merlino. E decidiu ao final se amputava ou não a perna do Merlino. A versão que recebi foi essa, que o Merlino, depois de muito torturado, foi levado ao hospital e de lá telefonam, se comunicam com o Comandante Ustra pra saber o que fazer. Ele disse para deixar morrer.
MMª JUÍZA:
Ah! Não amputou?
DEPOENTE:
Não amputou, nessa versão.
MMª JUÍZA:
Ele, então, morreu no hospital?
DEPOENTE:
No hospital.
MMª JUÍZA:
Ele foi para o hospital, voltou pra lá e foi de novo, ou ele já foi para o hospital e ficou?
DEPOENTE:
Isso não sei.
MMª JUÍZA:
Não sabe essa sequência?
DEPOENTE:
Não.
MMª JUÍZA:
NADA MAIS.
Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, ________________, Lilian de Oliveira Melo Poma Boga, escrevente-estenotipista, estenotipei, transcrevi e subscrevi. Em 02 de agosto de 2011, e assino.