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A Justiça não é cega. É caolha!

Escândalos caminham a passos lentos no Brasil da Lava Jato
publicado 30/05/2016
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Justiça caolha

Os escândalos que caminham a passos lentos no Brasil da Lava Jato

por Henrique Beirangê

A Operação Lava Jato fez florescer em parte da opinião pública uma velha esperança: a impunidade estaria com os dias contados. Corruptos e corruptores passariam a ser punidos exemplarmente, submetidos às mesmas regras de qualquer cidadão. Nunca antes tantos empreiteiros importantes enfrentaram o rigor das leis.

Mas, a exemplo do “mensalão” petista, ela tornou-se uma exceção em meio a um cenário desolador. Escândalos de corrupção que atingem representantes de outros partidos que desviaram tanto ou mais dinheiro do que os esquemas na Petrobras continuam sem punição e arrastam-se nos tribunais. Coincidência ou não, na última semana, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão das diligências e o depoimento do senador Aécio Neves, citado por cinco delatores na Lava Jato.

Há um ponto em comum em todos os escândalos sem punição: a desatenção da mídia. Quando jornalistas não cobram, o Ministério Público, a polícia e o Judiciário não exibem o mesmo ímpeto da força-tarefa instalada em Curitiba sob o comando do juiz Sergio Moro, impera a impunidade. CartaCapital lista a seguir alguns dos casos mais rumorosos dos últimos anos. Os resultados da investigação, até o momento, são pífios. Confira:

Escândalo do metrô de São Paulo

O caso veio à tona com o acordo de leniência elaborado por executivos da empresa alemã Siemens, em 2013, no qual denunciam a existência de um cartel bilionário no País, especialmente em contratos do metrô paulista. O esquema funcionou entre 1998 e 2008, durante as gestões dos tucanos Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Segundo as investigações, foram desviados ao menos 2,5 bilhões de reais dos cofres de São Paulo.

As apurações foram divididas entre o Ministério Público Federal e o de São Paulo. No âmbito federal, o inquérito elaborado pela Polícia Federal foi concluído em dezembro de 2014 e encaminhado ao procurador Rodrigo de Grandis no mesmo mês. Pasme-se: quase um ano e meio depois, ainda não há prazo para a apresentação da denúncia.

De Grandis é um procurador controverso. Ficou conhecido por conta de uma “falha administrativa” nas investigações do Caso Alstom, esquema de corrupção na área energética paulista na década de 90. O procurador diz ter colocado um pedido de compartilhamento de informações encaminhado por investigadores suíços em uma “pasta errada” e o caso acabou literalmente engavetado.

A multinacional francesa era alvo por suspeitas de desvios para pagamento de propinas a políticos ligados ao PSDB e teve a apuração prejudicada por conta da falta de cooperação do procurador brasileiro com o Ministério Público do país europeu.  

Um procedimento foi aberto no Conselho Nacional do Ministério Público para apurar a conduta de De Grandis, mas o ministro Gilmar Mendes, crítico contumaz da “corrupção no PT”, determinou o trancamento do procedimento por considerar que houve “prejuízo na ampla defesa do procurador”.

Em São Paulo, a investigação do trensalão a cargo do MP estadual ganhou ares mais insólitos. Ficou estabelecido que a apuração fosse dividida em dois núcleos. A parte relacionada a personagens políticos sem foro privilegiado foi encaminhada ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e o inquérito relacionado aos executivos envolvidos no cartel para o Grupo Especial de Combate a Delitos Econômicos.

Passados três anos, não houve nenhuma denúncia formalizada contra personagens sem foro privilegiado ligados a políticos em São Paulo. O inquérito no Gaeco mudou de mãos ao menos quatro vezes. Promotores sem experiência em investigação foram colocados no comando da apuração e nenhuma diligência avançou.

Não à toa, o grupo é alvo de piadas por promotores de outras áreas. Faz mais de dez anos, desde as investigações que tiveram como alvo o contrabandista Law Kin Chong, que o Gaeco paulistano não realiza nenhuma operação de destaque. Integrantes do MP afirmam que a cúpula do órgão tem formado as equipes do Gaeco entre os mais jovens e menos capacitados. A estratégia seria esvaziá-lo e impedir ações contra o governo.

“Fazemos troça. Quando sabemos que o caso é complexo, pedimos para mandar para o Gaeco”, conta aos risos um promotor da capital. Outro integrante do MP paulista diz que o órgão é um aparelho sem utilidade e que ninguém mais tem interesse. “Desde que o governo paulista começou a nomear diversos procuradores para cargos de secretário no governo estadual, o Gaeco acabou.”

No Gedec, dez executivos foram denunciados, mas o Judiciário paulista parece não ter a mesma rigidez quando julga personagens ligados ao PSDB. Foram negados todos os pedidos de prisão preventiva apresentados.

O Tribunal de Justiça paulista, aliás, é um oásis para os agentes públicos. Nunca foi aceita uma ação de improbidade contra nenhum governador, e nenhum deputado estadual jamais foi preso. Com prefeitos, a situação é a mesma. Uma das exceções históricas aconteceu faz dois meses. Juliano Mendonça Jorge, de Miguelópolis, foi detido por fraudes em licitações. A outra excepcionalidade ocorreu na região rural de Casa Branca, em 2011, quando o prefeito Odair Leal da Rocha foi detido por suspeita de tráfico.

Mensalão do PSDB

Dezessete anos após as eleições de 1998, o ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo foi condenado em primeira instância por envolvimento com o esquema do mensalão mineiro. Apesar de sentenciado a 20 anos e 10 meses de prisão por lavagem de dinheiro e peculato por desvios de recursos de estatais mineiras para sua campanha à reeleição a governador, nada mudou em sua rotina.

Diferentemente de outros condenados do mensalão do PT julgados pelo STF sem acesso ao chamado duplo grau de jurisdição – recorrer a uma instância superior –, Azeredo renunciou ao mandato de senador e teve o processo enviado à primeira instância.

O ex-presidente do PSDB continua livre. Não houve decretação de prisão preventiva e há boa possibilidade de Azeredo não cumprir um dia sequer de pena. O ex-presidente do PSDB completa 70 anos em setembro de 2018. Caso os recursos ainda não tenham sido julgados, bem provável, o código penal prevê redução do prazo prescricional pela metade.

O Ministério Público chegou a pedir a prisão imediata de Azeredo e o aumento da pena. O pedido está, porém, na 5ª Câmara Criminal sem prazo para ser julgado. Nenhum outro denunciado no esquema, incluindo o ex-senador Clésio Andrade, hoje no PMDB, cumpre pena.

Máfia da Merenda

A investigação dos desvios de recursos da alimentação escolar no estado de São Paulo não segue os mesmos padrões impostos na Lava Jato e chancelados pelo STF. Desde que a Operação Alba Branca foi às ruas em janeiro deste ano, nenhum personagem com prerrogativa de foro foi preso e todas as prisões dos demais envolvidos não duraram uma semana.

Em depoimentos e delações foram citados cinco integrantes da cúpula do governo Alckmin, entre eles Edson Aparecido, ex-chefe da Casa Civil, e Duarte Nogueira, secretário de Logística e Transportes. Também houve menções ao ex-secretário de Educação Herman Voorwald e o atual secretário de Agricultura, Arnaldo Jardim. O principal nome apontado no esquema é o do tucano Fernando Capez, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.

O Tribunal de Justiça ainda não autorizou o depoimento dos investigados na operação. Alega ser preciso concluir as quebras de sigilo determinadas pela Corte para que o MP os ouça.

Outra curiosidade do Judiciário paulista e estranhamente encampado pelo ex-procurador-geral Márcio Elias Rosa foi pedir foro privilegiado para os investigados ligados aos secretários. O ex-chefe de gabinete da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, “o Moita”, e o ex-chefe de gabinete da Educação Fernando Padula não são alvo da primeira instância.

Embora o STF já tenha determinado na Lava Jato que os investigados sem foro privilegiado devam ser alvo em primeiro grau, em São Paulo a jurisprudência é outra. Não há previsão de novas diligências na apuração.

Propina do Agripino e mensalão do DEM

O senador Agripino Maia (DEM-RN) é crítico contumaz da corrupção. Dos outros. Após ser acusado por um empresário de ter recebido 1 milhão de reais de propina por permitir um esquema de desvios de recursos públicos na inspeção veicular do estado, seu caso foi encaminhado para o STF.

A ministra Cármen Lúcia autorizou a abertura de inquérito, mas a Procuradoria-Geral da República parece não ter pressa. A autorização foi dada em março do ano passado e desde então não se tem notícia da investigação. O inquérito foi oportunamente declarado como “segredo de Justiça”.

O DEM também passou incólume durante a Operação Caixa de Pandora. A apuração ganhou notoriedade em 2009, com a divulgação de um vídeo em que o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda aparece com maços de dinheiro que seria repassado a deputados aliados.

O escândalo ganhou o nome de mensalão do DEM e custou o mandato de Arruda, cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral após sair do partido. Apesar disso, Arruda não tem sido incomodado. Os advogados do político conseguiram trancar parte da ação no STJ em fevereiro deste ano, aquela que envolve a acusação de lavagem de dinheiro. O processo continua parado sem prazo para ir a plenário.

Talvez haja uma explicação, como afirma o sociólogo Vladimir Safatle: “A razão é simples de entender: as relações entre o alto tucanato e membros do Poder Judiciário e da imprensa é algo que vem do berço. Todos frequentaram as mesmas escolas, cresceram nos mesmos clubes, participaram dos mesmos círculos. Assim, eles se defendem como casta”.