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Wanderley: eles vão ganhar no grito, de novo ?

Os adversários vão ganhar no grito ?
publicado 04/04/2014
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Wanderley Guilherme dos Santos, extraído da Carta Maior:


1950-2014: o grito e a ferida da democracia




Depende das organizações populares, como dependeu em 64, responder duas perguntas: a ferida de 1950 vai prevalecer? Os adversários vão ganhar no grito?




Uma ferida há mais de 50 anos machuca o inconsciente popular. Mais precisamente, desde julho de 1950. Naquele julho fatídico o que era uma conquista certíssima transformou-se em chaga incandescente na alma do povo: a seleção brasileira, imbatível, fora derrotada pela celeste do Uruguai, Maracanã lotado por cerca de 200 mil pessoas, placar de 2x1. A foto de um Zizinho, o mestre Ziza, cabeça baixa, no vestiário, segurando um pé de chuteira, significava ao mesmo tempo a tristeza e o pontapé humilhante no orgulho nacional. O gigantesco silêncio do estádio, depois do apito final, evocava o grito engasgado da dor reprimida. Os uruguaios venceram no grito. Grito que nunca demos.

O trauma de perder no grito persegue o povo brasileiro desde então. Já ali, em 1954, não fosse o martírio voluntário de Getulio Vargas, atirando contra o próprio peito, e a reação levaria o poder no grito, na esteira de uma ilegal e golpista República do Galeão, a inventar monumentais escândalos envolvendo o governo trabalhista. Escândalos nunca vistos no passado, como se assegurava, frutos da ação maligna de uma quadrilha apadrinhada pelo próprio presidente da República. O suicídio de Vargas abafou o grito reacionário, repôs a história em seus devidos trilhos e garantiu a continuidade democrática.

Desprezando uma tentativa de golpe de gabinete durante o interregno Café Filho, abortada pelo Exército em novembro de 1955, outra aventura golpista ocorreria em agosto de 1961. O mercurial presidente Janio Quadros, eleito em 1960, concorrendo por uma coalizão conservadora, renunciou após sete meses de governo. Embora sob fogo cerrado de sua própria base parlamentar, irritada com algumas de suas medidas, a renúncia insinuava um possível convite a que voltasse ao poder com poderes ilimitados. Repelido o convite pelo Parlamento, outro grito ecoou na nova Capital: os ministros militares vetavam a posse do então vice- Presidente João Goulart, em viagem pelo exterior.

Diante da surpresa e pasmaceira nacionais, o grito golpista prevaleceria não fosse o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, se recusar a obedecê-lo. Criando a rede radiofônica da Legalidade, Leonel Brizola mobilizou a vontade popular contra a ferida paralisante do grito e em uma semana a aventura se dissipara em vergonha.

Aí chegamos a 1964. Oura quadrilha de megafones parlamentares, em criminoso conluio com os favorecidos agentes da imprensa, anunciava a iminente substituição das instituições democráticas pelo comunismo internacional. Exortações aos militares se sucediam, enquanto o deputado Bilac Pinto denunciava a existência de uma guerra subversiva em desenvolvimento. As esquerdas trouxeram sua contribuição, pressionando o presidente João Goulart a medidas tergiversando a legalidade. Ao inverso de 1961, quando os golpistas falavam em romper a Constituição e Leonel Brizola em defendê-la, em 1964 os golpistas bradavam defender a democracia e os democratas pareciam depreciá-la. O grito golpista foi ao extremo da escala com os editoriais do Correio da Manhã, Basta e Fora. O general Mourão Filho já partira de Juiz de Fora, mesmo sem ler os jornais, em direção à cidade do Rio de Janeiro, então capital do estado da Guanabara. Não obstante toda a polifonia anterior das esquerdas, o apito de Mourão Filho foi correspondido por guarnição após guarnição, simultaneamente ao silêncio e passividade de toda a Nação, suas instituições e organizações. Pela primeira vez os reacionários ganharam no grito. E continuaram com o monopólio da voz por 21 anos.

Em 2005 foram os mesmo ventríloquos da reação, no Congresso e na imprensa, que se extremaram na gritaria contra a legalidade constitucional. Ao contrário do que profetizaram os terroristas da opinião, o primeiro governo de um operário brasileiro não fazia água, afundando em seu fracasso, mas encantava o país e a cena internacional com os resultados de uma administração cuja prioridade anunciada em discurso de posse, obedecida tenazmente, seria a abolição da miséria no Brasil. Desmoralizando a clássica tese de que era impossível conciliar crescimento econômico, baixa inflação e distribuição de renda, os frutos da ação governamental apontavam justamente para a realização dos três objetivos. O grito, na verdade o berreiro reacionário, voltou a perder. O governo popular venceu as eleições em 2006 e 2010.

O tradicional berreiro retornou com pompa e circunstância, agora em 2014. Herdeiros de nomes ilustres disputam o poder. É do jogo. Bem como é conhecido o coral de denúncias vazias, marolas inconsistentes e o sussurrar das más intenções, na imprensa, no parlamento e nas redes sociais. Depende das organizações populares, todavia, como dependeu em 64, e não aos institutos de pesquisa, responder a duas perguntas fundamentais: a ferida de 1950 vai prevalecer? os adversários vão ganhar no grito?






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