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Bláblá passou fome mesmo?

Ela se esqueceu disso nas memórias. E se lembrou na campanha ...
publicado 24/09/2014
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Kiko Nogueira no DCM:

 

 

A fome de Marina Silva

 

 

 

 

O vídeo de um comício de Marina Silva em Fortaleza viralizou. O mote era sua defesa do Bolsa Família, programa que não será desativado em seu eventual governo.


Diz ela, emocionada:

 

”Eu sei o que é passar fome. Eu sei o que foi um sábado de aleluia em 1968. Tudo que minha mãe tinha, para oito filhos, era um ovo e um pouco de farinha e sal. Meu pai, minha mãe, minha avó, minha tia olhavam para aqueles oito irmãos. Eu me lembro de ter perguntado pro meu pai e minha mãe: ‘vocês não vão comer?’ Minha mãe respondeu: ‘nós não estamos com fome’. Uma criança acreditou naquilo. Quem viveu esta experiência, jamais acabará com o Bolsa Família. Não é um discurso, é uma vida. O compromisso não está escrito em um papel que depois eles rasgam e esquecem. Está escrito sabe aonde? Na carne deste corpo magro”.


É contundente. Ela interrompe sua fala por causa das lágrimas. Há quem, compreensivelmente, chore ao ouvi-la.

 

Mas essa passagem da vida de Marina ganhou um tamanho inédito apenas recentemente.

 

Uma biografia de 2010 acaba de ser relançada. “Marina, a vida por uma causa” foi escrita pela jornalista Marília de Camargo César, que ouviu familiares, amigos e pessoas próximas de Marina ao longo de meses — além, é claro, da própria MS.

 

A palavra “fome” aparece dez vezes em mais de 260 páginas. Em nenhum momento referindo-se ao que ela disse no Ceará.

 

Ela conta da influência da avó paterna, Júlia, com quem morou no Seringal Bagaço, a 70 quilômetros de Rio Branco: “Na Semana Santa, não se comia carne nem nada que tivesse açúcar. Minha avó fazia mungunzá sem açúcar, arroz-doce sem açúcar. Deve ser uma tradição vinda do Ceará”.

 

Marina, segundo aprendemos, era muito querida pela avó. Arnóbio Marques, ex-governador do Acre, que a conhece “há uns duzentos anos”, aparece dizendo: “É a única pobre mimada que conheço”.

 

Marina tinha 10 anos quando do almoço mencionado no palanque. Há um testemunho da época no livro:

 


“Desde uns dez anos de idade, eu acordava todo dia por volta de quatro da manhã para preparar a comida que meu pai levava para a estrada da seringa. (…) Todo dia preparava farofa. Às vezes com carne, mas quase sempre com ovo e um pouquinho de cebola de palha, acompanhada de macaxeira frita. Aí botava dentro de uma lata vazia de manteiga, com tampa. Manteiga era comprada só quando minha mãe ganhava bebê. Meu pai encomendava no barracão — o entreposto de mercadorias mantido pelo dono do seringal — uma lata, pra fazer caldo d’água durante o período de resguardo. Por incrível que pareça, a manteiga vinha da Europa para as casas aviadoras de Manaus e Belém e dali chegava aos seringais do Acre.A lata era uma coisa preciosa. De bom tamanho, muito útil, tinha tampa e desenhos lindos e elegantes”.


Num outro trecho sobre a infância:

 

“Minhas irmãs também faziam as mesmas coisas que eu. As outras crianças, filhas de meus tios, do vizinho do lado, também iam pro roçado, iam buscar água no igarapé, varrer o terreiro, ajudavam a plantar arroz, milho e feijão. O pai à frente, cavando as covas, e elas colocando a sementinha nas covas. Você não tinha nenhum instrumento para ver uma realidade oposta àquela, para dizer: por que os filhos do fulano de tal ficam só brincando e nós, aqui, trabalhando? Não existia isso. Havia até um prazer de poder ajudar nossos pais a diminuir o fardo deles”.


Não se coloca em dúvida que Marina enfrentou enormes atribulações e é dona, sim, de uma trajetória notável. A ex-seringueira acreana adquiriu malária cinco vezes, alfabetizou-se aos 16, chegou a senadora e ministra e concorre à presidência. Uma vencedora.

 

Mas a cartada da fome é típica de um populismo que, esperava-se, passaria longe da “nova política”. Quando ditou suas memórias, aquele sábado dramático, portinariano, não mereceu qualquer evocação. Hoje, talvez por insistência dos marqueteiros, a cena virou o filme.

 

É difícil competir com isso. Aécio, moço bem criado (ficou bom o botox), não tem o que oferecer nesse quesito. Dilma poderia apelar para o câncer ao qual sobreviveu para provocar a empatia da superação.

 

Se o fizesse, porém, a candidata do PSB provavelmente estaria pronta para acusá-la de demagogia.

 

A revelação em Fortaleza é mais uma faceta de um personagem surpreendente, cuja história não vai parar de ganhar novos capítulos e ser reescrita. Pelo menos até o fim das eleições.

 

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