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Dias: Visanet não é dinheiro público !

"Um furto no canteiro de uma obra pública executada pelo próprio órgão público, após o pagamento do funcionário. O dinheiro público, pago pelo serviço prestado à Administração, no bolso do trabalhador ainda continua público?"
publicado 06/10/2012
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Saiu na Carta Capital, na excelente seção "Rosa dos Ventos", de Mauricio Dias:

Um STF contra as leis?


Certas decisões do Supremo Tribunal Federal, em razão da pauta de acusações do chamado “mensalão”, estão criando um contencioso com o meio jurídico onde há, também, debates sobre a influência da mídia nas decisões do tribunal e, além disso, forte discussão sobre a punição apoiada no domínio do fato, além de nova interpretação para o crime de lavagem de dinheiro.

Nessa pauta pontifica a resolução sobre a “despublicização” do dinheiro, onde pontificou a frase do ministro Ayres Britto: o dinheiro público não se “despubliciza”.

A ênfase provocou, provocou críticas e, inclusive, ironias vazadas anonimamente para a imprensa. Mais fácil ainda foi ironizar Britto, presidente do tribunal, após ele ter interrompido o ministro Celso de Mello, decano da Corte, para lembrar judiciosamente que a corrupção era o “cupim da República”.

A afirmação sobre a impossibilidade de se “despublicizar” o dinheiro público foi feita no caso da aplicação do dinheiro da Visanet, uma companhia de capital aberto integrada pelo Bradesco, Banco do Brasil e Banco Real, entre outros.

Um dos focos de oposição à decisão do STF está no artigo 173 da Constituição onde as sociedades de economia mista, como o BB, devem se sujeitar ao “regime jurídico próprio das empresas privadas” além de não poderem gozar de “privilégios fiscais não extensivos à do setor privado”.

Se fosse verdade a afirmação de Britto, toda e qualquer malversação de recursos oriundos da União deveria ser julgada pela Justiça Federal. Isso só ocorre, entretanto, quando se trata de verba “carimbada” de cujo emprego a municipalidade deve prestar contas. E cabe ao Tribunal de Contas de União cobrá-las. Recursos que se integram à receita do município como, por exemplo, os royalties repassados, terão a regularidade do emprego examinada a nível estadual ou municipal.

Sobre isso diz um dos advogados, já citado no julgamento com o merecido título de jurista, decidiu o STF no “paradigmático” do Mandado de Segurança (nº 24.312). Isso também ocorreria com recursos de quaisquer convênios firmados entre municípios e o governo federal.  Ele aponta para a súmula 209 do Superior Tribunal de Justiça: “... compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”.

Isso também ocorreria com recursos que a União transfere para pessoas jurídicas de direito privado como bancos “públicos” e empresas “estatais” que devem ser julgados pela justiça estadual. Esse raciocínio teria orientado a súmula 508, do próprio STF: “compete à Justiça Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco do Brasil S.A.”.

Mais uma referência legal: “A modalidade de empréstimo de coisa fungível, chamada mútuo, transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário” conforme o artigo 587 do Código Civil.                 

Na prática isso significa que, quando o BNDES empresta dinheiro a um empresário, pouco importa a origem pública dos recursos: celebrado o empréstimo, o numerário emprestado passa à propriedade do mutuário (empresário).

Um exemplo, quase caricatural, mas claro o bastante para o entendimento leigo: um furto no canteiro de uma obra pública executada pelo próprio órgão público, após o pagamento do funcionário. O dinheiro público, pago pelo serviço prestado à Administração, no bolso do trabalhador ainda continua público?