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Por 30 anos, Bolsonaro sapateou contra as instituições

Hübner: os óculos do Judiciário e do Congresso falharam e continuam a falhar
publicado 03/09/2019
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De Conrado Hübner Mendes, doutor em Direito e professor da USP, na Época:

Muitos gatilhos dispararam Jair Bolsonaro à Presidência da República. A espiral de antagonismo político na qual o país se enredou nos últimos anos é apenas um deles. Não fosse a maliciosa relação do presidente com casas de tolerância, a trajetória não teria sido tão exitosa. Nos 30 anos de carreira parlamentar, Bolsonaro sapateou contra as instituições enquanto estas enxergavam apenas liberdade de expressão e imunidade parlamentar. Quando muito, enxergaram um estilo “polêmico”, “grosseiro” e “vulgar”. Os óculos do Judiciário e do Congresso falharam por décadas a fio. E continuam falhando.

A história começa em 1988. O Superior Tribunal Militar (STM) absolveu Jair Bolsonaro da acusação de ter planejado explodir bombas em quartéis. Dois laudos grafotécnicos demonstravam a autoria dos croquis. Havia condenação da instância inferior do Exército à perda do posto e da patente. Após analisar documentos e ouvir horas de gravação do julgamento sigiloso do STM, Luiz Maklouf Carvalho relata o caso em seu livro O cadete e o capitão (Todavia, 2019). Conta como o “espírito de corpo militar” e a “hostilidade à imprensa” explicam a decisão. A quebra de hierarquia fez a fama do capitão no Exército.

Foi tolerado também pelo Congresso. O Conselho de Ética da Câmara arquivou sucessivos processos de quebra de decoro parlamentar. Em 2011, depois de Bolsonaro ter associado promiscuidade à mulher negra, Onyx Lorenzoni, veja só, redigiu parecer e entendeu que, apesar de “fortes e contundentes”, as opiniões “encontram respaldo e ressonância em seguimentos (sic) expressivos da sociedade brasileira, independentes de nossa discordância com elas”. Em 2013, depois de ter dado soco em Randolfe Rodrigues, entenderam que houve “um bate-boca normal da democracia”. Em 2014, após o famoso “não te estupro porque você não merece”, o caso caminhou para o arquivo. Em 2016, depois de celebrar torturador como herói brasileiro, foi outra vez protegido por interpretação equivocada (se não autointeressada) da imunidade parlamentar.

Do STF recebeu o mesmo tratamento. De um lado, as ações por apologia ao estupro e injúria, que tramitavam desde 2017, não foram decididas a tempo e tiveram de ser suspensas em virtude do mandato presidencial. De outro, foi arquivado inquérito por crime de racismo (na palestra em que se referia a quilombolas e ponderava sobre a “raça que tem vergonha na cara” e a “minoria ruminando”). No voto de desempate, o ministro opinou que, “por piores e mais rudes que tenham sido, não caracterizaram incitação à violência física ou psicológica contra negros, refugiados, estrangeiros”.

Do Congresso, que continua a ser acusado pelo presidente de não deixá-lo governar, podemos demandar maior controle sobre as técnicas prototípicas da legalidade autoritária (por exemplo, o uso abusivo de decretos pelo presidente). Quando um pedido de impeachment chegar, que reconheça a variedade de crimes de responsabilidade em curso (em minha conta, 17). Poderia começar por levar a sério a CPI das fake news.

Do STF, sob comando da presidência Toffux, melhor não cobrar demais. A extensa pauta bolsonarista de ações constitucionais dormita nas gavetas. O tribunal não resgatará seu capital político, dilapidado por anos de desvios éticos e arbitrariedades jurídicas, no meio da tempestade. Resta sobreviver e torcer para não entrar na história universal da infâmia judicial.

Por fim, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), manchado pelo despreparo na guerra tecnológica das campanhas de 2018 (da qual foi avisado e respondeu com soberba). A ação que investiga os disparos em massa por WhatsApp caminha no “tempo judicial”. O “tempo judicial” de nossos tribunais, lembre-se, não se confunde com “devagar e sempre”, mas com aleatório, arbitrário e estratégico. Não se sabe se o TSE prefere esperar o mandato acabar, as políticas sociais sumirem ou a Amazônia se “savanizar”.

Esse é o quadro resumido dos déficits institucionais da democracia brasileira para se proteger da delinquência política. Precisa de reforma arquitetônica e melhores operadores. E nem falamos das rachadinhas, dos funcionários-fantasma, do nepotismo. E nem pergunte do Queiroz (...)

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