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Leitura para se defender dos que defendem os torturadores - III

publicado 04/05/2010
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O Conversa Afiada aguarda a íntegra dos votos dos ministros Ayres Britto e Ricardo Lewandowski.

Enquanto isso, exibe o vídeo dos votos e um resumo dos votos, segundo o próprio STF:

Ministro Ayres Britto acompanha divergência pela revisão da anistia

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto foi o quarto a votar na ação (ADPF 153) da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que pede a revisão da Lei da Anistia e o segundo ministro a concordar que a norma não tem caráter amplo, geral e irrestrito. Para Ayres Britto, crimes hediondos e equiparados a estes, como tortura e estupro, não foram anistiados pela lei de 1979.

“Quem redigiu essa lei não teve coragem, digamos assim, de assumir essa propalada intenção de anistiar torturadores, estupradores, assassinos frios de prisioneiros já rendidos, pessoas que jogavam de um avião em pleno voo as suas vítimas”, disse. Segundo Ayres Britto, a concessão de anistia ampla, geral e irrestrita deve ser de feita de forma muito clara e deliberada. “O que interessa é a vontade objetiva da lei, não a vontade subjetiva do legislador”, alertou.

Antes dele, o ministro Ricardo Lewandowski já havia divergido dos votos anteriores, dos ministros Eros Grau e Cármen Lúcia, para afirmar que crimes comuns praticados por agentes do regime ditatorial não foram automaticamente abrangidos pela anistia.

Falta de vergonha

No início de sua exposição, o ministro Ayres Britto recitou um poema de autoria dele mesmo, escrito há 20 anos. Os versos são os seguintes: “A humanidade não é o homem para se dar as virtudes do perdão. Em certas circunstâncias, o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha, convite masoquístico à reincidência”.

Para deixar claro que a Lei da Anistia não foi produzida com o sentido manifesto de beneficiar agentes do Estado que teriam cometido crimes hediondos, em diversas passagens ele ressaltou que o perdão coletivo a certos infratores deve ser feito “de modo claro, assumido, autêntico, não incidindo jamais em tergiversação redacional, em prestidigitação normativa, para não dizer em hipocrisia normativa”.

“Com todas as vênias, não consigo enxergar no texto da Lei da Anistia essa clareza que outros enxergam, com tanta facilidade, no sentido de que ela, Lei da Anistia, sem dúvida incluiu no seu âmbito de incidência todas as pessoas que cometeram crimes, não só os singelamente comuns, mas os caracteristicamente hediondos, ou assemelhados”, completou.

Na linha do que disse o ministro Lewandowski, Ayres Britto afirmou que certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura ou por conexão. E acrescentou que quando, em março de 1964, as Forças Armadas instituíram o regime de exceção, o fizeram a partir de uma base legal, mesmo que autoritária.

“Essas pessoas de quem estamos a tratar – os torturadores – desobedeceram não só a legalidade democrática de 1946 como a própria legalidade excepcional do regime militar. [São] pessoas que transitaram à margem de qualquer ideia de lei, desonrando as próprias Forças Armadas, que não compactuavam nas suas leis com atos de selvageria”, afirmou.

O ministro fez críticas incisivas aos agentes do Estado que praticaram tortura no regime militar. Disse ele: “Um torturador não comete crime político, crime de opinião. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. O torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios perpetrados por eles. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador”.

Ayres Britto também contestou argumentos no sentido de que a Lei da Anistia foi integrada à ordem constitucional por estar reafirmada na Emenda Constitucional 26/85, que convocou a Assembleia Constituinte de 1988. Para o ministro, a Assembleia Constituinte é um poder fundador, não regulado por direito anterior e, por isso, o instrumento de convocação da assembleia é apenas um meio que proporciona a atividade do poder constituinte que, por sua natureza, é um poder independente.

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Ministro Lewandowski abre divergência ao defender revisão da Lei de Anistia

Terceiro a votar no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, o ministro Ricardo Lewandowski abriu divergência ao defender a revisão da Lei de Anistia (Lei 6.683/79). Para ele, os crimes comuns como homicídio e tortura cometidos durante a ditadura militar não foram abrangidos pela lei de 1979 e os juízes devem analisar, caso a caso, se o crime cometido teve motivação política ou não. No caso de entender que não foi crime político, deverá ser aberta persecução penal contra os autores.

A posição do ministro é contrária à do relator e à da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que entenderam não ser possível reinterpretar a Lei de Anistia após 31 anos da promulgação para punir os que já foram anistiados.

Em seu voto, o ministro Lewandowski afirmou que a lei, deliberadamente, não trouxe a previsão de anistia aos agentes do Estado que praticaram crimes comuns contra os opositores do regime de exceção. Ele lembrou que a lei foi editada em meio a um clima de crescente insatisfação popular contra o regime autoritário após uma séria crise de legitimidade do regime. E então, os líderes do regime entenderam que era chegada a hora de promover mudanças de forma controlada, a partir daí se deu a abertura lenta e gradual liderada pelo general Ernesto Geisel.

De acordo com o ministro, teria havido uma “inegável equivocidade” na redação dada ao parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 6.683/79 no ponto em que faz referência à conexão entre crimes comuns e políticos para o efeito de estender a anistia aos agentes estatais.

O ministro citou algumas hipóteses de conexão de crimes aceitas pelo sistema penal e processual brasileiro e concluiu que o caso aplicado aos anistiados não está entre elas.

“A simples menção à conexão no texto legal contestado não tem o condão de estabelecer um vínculo de caráter material entre os crimes políticos cometidos pelos opositores do regime e os delitos comuns atribuídos aos agentes do Estado para o fim de lhes conferir o mesmo tratamento jurídico”, disse.

Para Lewandowski, ainda que o Brasil estivesse enfrentando uma guerra, “mesmo assim os agentes estatais estariam obrigados a respeitar os compromissos internacionais concernentes ao direito humanitário, assumidos pelo Brasil desde o início do século passado, pelo menos”.

Caso a caso

Ao finalizar o voto, o ministro frisou a possibilidade de abertura de responsabilização penal contra os agentes do Estado que tenham eventualmente cometido os delitos previstos na legislação penal. Para ele, pode sim ser desencadeado processo-crime contra essas pessoas desde que se descarte, caso a caso, a prática de um delito de natureza política ou cometido por motivação política mediante a aplicação dos critérios acima referidos.

Para ele, é irrelevante que a Lei 6.683/79, no tocante à conexão entre crimes comuns e crimes políticos, tenha sido mais tarde parcialmente reproduzida na Emenda Constitucional 26/1985.

Ao concluir seu voto, o ministro afirmou: “julgo procedente em parte a ação para dar interpretação conforme ao parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 6.683/79, de modo que se entenda que os agentes do Estado não estão automaticamente abrangidos pela anistia contemplada no referido dispositivo legal, devendo o juiz ou tribunal, antes de admitir o desencadeamento da persecução penal contra estes, realizar uma abordagem caso a caso mediante a adoção dos critérios da preponderância e da atrocidade dos meios para caracterizar o eventual cometimento de crimes comuns, com a consequente exclusão da prática de delitos políticos ou ilícitos considerados conexos. É como voto”.