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Haitianos no Brasil: ficar de joelho, nunca!

Os coiotes cobram US$ 4 mil por pessoa
publicado 31/05/2015
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A rota é uma só: partem da República Dominicana, embarcam para o Panamá, seguem para o Equador, vão até o Peru para, só então, atravessarem a fronteira do Brasil e chegarem ao Estado do Acre.

São, em sua maioria, haitianos que desde 2010, após forte terremoto que atingiu o país e abalou a vida dos menos de 10 milhões de habitantes, passaram a buscar outras nacionalidades para acolhê-los.

"Em 2010, 28 haitianos chegaram aqui. No ano seguinte, foram 80. Em 2012, vieram 700. Um ano depois, em 2013, foram 2.400. No ano passado, 4.690. A situação emergencial é desde outubro do último ano", diz o padre Paolo Parisi da Paróquia Nossa Senhora da Paz, referência para os haitianos que chegam a São Paulo.

Segundo ele, em média, 40 pessoas chegam todo dia ao local. E engana-se quem pensa ser somente haitianos. "São congoleses, nigerianos, sírios...", conta o religioso.

Na última quarta-feira (27), o Conversa Afiada foi à igreja, no bairro do Glicério, que conta com a Casa do Migrante para receber os estrangeiros.

Para muitos deles, após dias de viagem e contratempos, São Paulo é o destino final. O fim de um trajeto que representa um novo começo.

"Vim para o Brasil para trabalhar e para fazer escola", diz Jean Charles Etienne que chegou ao Brasil em 2014 junto com a irmã mais nova. Já habituado e sem dificuldade em se expressar, o jovem de 29 anos conta que conseguiu alugar uma casa no tradicional bairro da Mooca.

"Passei por Brasiléia, no Acre, por uns 15 dias. Cheguei a trabalhar em Santa Catarina, como ajudante na cozinha", conta ele que também revela: "Sobre o Brasil, no Haiti, fala-se muito de futebol". Indagado sobre para qual time torce, lembrou do Corinthians, mas mencionou Santos e Flamengo.

"Os haitianos gostam do Brasil porque podem entrar aqui", diz.

Há quatro anos no Brasil, Lopez Ricardo Piellelis, de 28 anos, é outro exemplo de integração cultural. Formado em engenharia e empregado de uma grande empreiteira, ele não quis ser filmado.

"No Haiti, depois do terremoto, as coisas ficaram 'embaçadas'", declara em um português cheio de gírias que, segundo ele, aprendeu no dia-a-dia. "Lá faltava trabalho", conclui o profissional que trouxe a esposa e a filha para o Brasil.

Indagado sobre voltar ao país de origem, responde: "Estou aqui graças a Deus. Penso em voltar um dia, mas quando me aposentar".

Como não são considerados refugiados, já que não foram perseguidos politicamente nem por raça ou religião, os haitianos recebem um visto humanitário, que garante ao imigrante o direito ao trabalho com carteira assinada e regularizada e o  acesso à saúde e à educação por um período de cinco anos, que poderá ser renovado por igual período mediante a comprovação de atividade laboral no país.

A mesma sorte não tiveram os amigos Ahmad e Shadx, de 18 e 29 anos, respectivamente. Nascidos na Síria, viram a guerra destruir parte do seu país e agora vivem na iminência da separação.

Isso porque Shadx conseguiu um emprego em Santa Catarina. E, apesar do amigo e da namorada que conquistou em São Paulo, pretende dar sequência ao seu objetivo.

Naquele tarde, na casa do Migrante, Ahmad foi tentar a possibilidade de viajar junto com o amigo, mesmo sem emprego certo.


Após o tortuoso caminho...

Quando chegam à estação rodoviária da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, muitos dos haitianos já não contam com dinheiro, que vai ficando pelo caminho.

"A grande parte deles é explorada até o fim. Muitos são vitimas de coiotes [agenciadores] que chegam a cobrar US$ 4 mil pela viagem. As quadrilhas funcionam desde o Haiti", revela o padre Paolo.

O alojamento tem 110 vagas. Todas ocupadas. Atualmente, mais de 200 migrantes se encontram no local. De acordo com o padre, os que chegam são recebidos. Mas com dificuldades.

Para os que ocupam as 110 vagas, as refeições são garantidas. Os demais contam apenas com uma marmita por dia, que é fornecida pela Prefeitura da cidade.

Lá, os migrantes contam com assistência médica, social, jurídica, tem a possibilidade de aprender noções da cultura brasileira, como curso de português, e são instruídos para que tirem a documentação.

As vagas surgem a partir dos empregos encontrados. Muitos empresários procuram a igreja em busca de profissionais. No momento que o Conversa Afiada visitava o local, um dono de salão de beleza procurava 20 manicures para o seu negócio.

"40% dos haitianos têm curso médio ou superior. O dado alarmante é que 85% da população do país que tem formação está fora da nação".

"No inicio, a maioria seguia para a construção civil. Hoje, são 5%. O que aumentou foi o setor de serviços como limpeza de hospital, garçom e cozinheiros", continua o pároco.

"Até para os brasileiros a vida é muito difícil", opina um dos estrangeiros que, após passar por tantas agruras, parece levar consigo o provérbio haitiano: "ficar de joelho, nunca".


Alisson Matos, editor do Conversa Afiada