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Dilma e a falta que a política faz

A conta virá e terá de ser paga de qualquer maneira. O governo terá todos os ônus e Dilma nenhum bônus, ao contrário.
publicado 18/06/2015
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Fernando Brito, extraído do Tijolaço:


Dilma e a falta que a política faz



Vou esperar os detalhes da tal “progressividade” do fator previdenciário 85/95, anunciada pelo Planalto como fórmula para que o veto ao 85/95 “simples”, embora isso represente, em parte,  a restauração do  direito do trabalhador de livrar-se  do peso que significa a exclusiva aplicação do atual fator, criado no Governo Fernando Henrique Cardoso.

Dou um exemplo pessoal, que conheço com todos os detalhes: tenho 56 anos e meio de idade e 37,5 anos de contribuição. Logo, dentro de seis meses, pelo fator aprovado, terei  direito a aposentadoria integral.

Pelo fator FHC, daqui a seis meses, com 57 anos e 38 de contribuição, teria direito a apenas 80,2% do valor integral.

Não é preciso mais para ver o que isso representa de vantagem para o trabalhador e, de outro lado, de gasto para a Previdência.

Pela fórmula atual, para chegar perto da aposentadoria integral, teria de estar perto de completar 60 anos de e 41 de contribuição, o que ultrapassa até mesmo o máximo fator 90/100 estabelecido como máximo pela nova fórmula para a partir da próxima década.

Portanto, há um ganho real para os trabalhadores e não há porque dizer que se retira direitos, embora o avanço tenha sido menor que o com o simples fator 85/95.

Mas há um imenso prejuízo para Dilma, porque nem o mais cândido do “articuladores” de Dilma pode acreditar que a medida provisória com a tal “progressividade” (não está clara a sua velocidade) vá passar sem emendas: ou retirando a progressividade ou, no mínimo, estendendo-a para as calendas…

A conta virá e terá de ser paga de qualquer maneira. O governo terá todos os ônus e Dilma nenhum bônus, ao contrário.

Não há porque Dilma achar que simplesmente não vetar o fator 85/95 representaria responsabilidade dela sobre dificuldades que a Previdência enfrentaria com isso daqui a alguns anos. Seria razão, sim, para aumentar a receita previdenciária, aumentando alíquotas em pequena proporção, suficiente para fazer frente, no horizonte visível, ao acréscimo de despesas que, afinal, foi criado pelo Congresso.

Cada problema tem sua hora para ser resolvido, não dá para deixar, na política, o trabalho pronto de véspera. Nunca se terá uma fórmula definitiva para a aposentadoria, pela simples razão de que não se sabe onde – e tomara que seja longe – vai parar a expectativa de vida que  terá de ser mantida com aposentadorias.

Até porque, na política, se aplica algo da história do homem que chegou a um reino espalhando ser tão bom professor que seria capaz de ensinar até um burro a falar. Intrigado com a história, o rei do reino mandou chamá-lo e ordenou que, então, ensinasse um burro a falar. “Perfeitamente, majestade”, disse o homem, “mas como o burro é muito burrinho, preciso de tempo, uns dez anos…E nestes dez anos preciso de aposentos no palácio e de uma bolsa de mil moedas de ouro, para manter-me (professor ganhava bem, àquela época)”. O rei concordou, mas disse que ao cabo do prazo, se não falasse o burro, o tal homem seria decapitado diante do palácio.

Então o homem passou a sentar num banquinho e conversar com o burro por duas ou três horas, enquanto no resto do dia aproveitava sua bolsa e seu palácio. Até que um dia, um moço cavalariço, vendo-o falar com o burro, disse que ele parasse com isso, que aquele burro jamais falaria e que ele teria sua cabeça cortada…O homem calmamente disse: rapaz, em dez anos muito pode acontecer. É provável que até lá ou o rei ou eu tenhamos morrido e, se estivermos vivos, o burro estará morto.

Não se trata, obvio, de ser irresponsável com a Previdência, mas de entender o que será inviável politicamente e inócuo economicamente.  Propor um escalonamento quase que imediato e rápido – cinco anos – é algo que não vai passar e não há razão para que o Governo se submeta ao desgaste por algo em que, ele próprio sabe, terá de ceder ou vai ser derrotado.

É preciso atravessar esta onda alucinada de pressão e chantagem e, hoje, Dilma ficou um pouco mais longe disso, porque aprofundou, inutilmente, suas resistências à esquerda e depende, cada vez mais, de concessões a Renan Calheiros e a Eduardo Cunha para, ainda que cedendo, evite a derrubada do veto.

Mas, repito o que disse ao início do post, é preciso que venham mais informações sobre o que está sendo proposto. Torço para estar errado e que seja algo, sim, capaz de viabilizar-se politicamente.



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