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Dilma quer os craques no Brasil e não na Alemanha

Dilma dá a entender que o C Af está certo: abaixo a Lei Pelé e o neolibelismo no futebol !
publicado 10/07/2014
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Entrevista exclusiva da Presidenta Dilma Rousseff à CNN International:


Christiane Amanpour – Senhora Presidente, bem-vinda ao nosso programa.

Presidenta Dilma Rousseff  – É um prazer para mim, Christiane, falar com você. Primeiro, porque você, eu sempre vi na CNN e tenho um imenso respeito por uma mulher ter a posição que você tem no jornalismo internacional.

Christiane Amanpour – Bem, para mim é um grande prazer converser com uma das principais mulheres presidentas do mundo. Mas primeiro gostaria de lhe perguntar: após o desastre da noite passada, sinto que devo lhe dar minhas condolências. Como a Senhora se sente?

Presidenta Dilma Rousseff – Eu sinto a mesma tristeza de todos os brasileiros, de todos os torcedores e dos jogadores. Eu acredito que a Seleção merece o nosso apoio nesse momento em que perdeu essa partida, e creio também que o Brasil será capaz de superar esse momento, transformar essa experiência dolorosíssima numa mudança nas condições pelas quais o futebol é organizado e deve ser renovado no Brasil. Mas, até lá, nós temos de disputar ainda o terceiro lugar, e o Brasil não pode se deixar abater. Nós vamos ter de disputar com a cabeça erguida. E, além disso, a médio prazo, esses jogadores que estão na Seleção serão os jogadores – porque eles são muito novos –, serão os jogadores das próximas seleções brasileiras. Nós entramos nesta Copa, Christiane, sem dois dos nossos grandes craques: o nosso maior atacante, o Neymar, e o nosso capitão que...

Christiane Amanpour – Queria lhe perguntar, Senhora Presidente, se a Senhora acha que a ausência de Neymar e Thiago Silva contribuíram para esta derrota.

Presidenta Dilma Rousseff – Duzentos milhões de brasileiros são técnicos e dão palpite na Seleção. Eu acredito, olhando não como uma pessoa que entende profundamente de futebol, eu acredito que algum efeito significativo teve sobre a Seleção. Agora, diante da derrota, nós temos de ter uma atitude de sermos capazes de aprender com ela e, ao mesmo tempo, superá-la. Por isso, eu tenho certeza que o Brasil e todos os torcedores brasileiros terão um comportamento de persistir nos próximos dias e demonstrar que nós somos capazes de superar essa adversidade. Mas, a gente também tem de considerar uma coisa, sob todos os aspectos o Brasil fez uma Copa do Mundo que eu acredito que, de fato, foi uma das melhores Copas, e nós devemos isso, em grande parte, ao povo brasileiro, à sua capacidade de ter hospitalidade e de receber bem os torcedores do mundo, e eu espero – e tenho certeza – que todo o mundo vai reconhecer esse fato.


Christiane Amanpour – Houve muitas manifestações antes desta Copa do Mundo. E, de repente, durante a Copa do Mundo as pessoas ficaram extáticas, disseram que era a melhor copa do Mundo, houve tantos gols. A Senhora acha que esta derrota irá moldar o sentimento nacional?

Presidenta Dilma Rousseff – Olha, eu não acredito nisso porque nós vivenciamos uma Copa. Nós sabemos, nós, brasileiros, e também todos os torcedores que aqui vieram, nós sabemos que foi uma Copa que foi... que transcorreu em paz, com muita alegria, com toda a infraestrutura funcionando. De fato, é muito triste que nós cheguemos nesse momento e tenhamos uma derrota, é muito triste. Agora, isso não elimina nem a luta anterior da Seleção, nem tudo o que foi feito e está sendo feito. Afinal, tem uma característica o futebol: ele é feito de vitórias e de derrotas. Ser capaz de superar a derrota, eu acho que é uma característica de uma grande Seleção e de um grande país.


Christiane Amanpour – Houve muitas perguntas, não apenas pelo mundo, mas também aqui no Brasil, sobre o custo dos estádios, sobre os 14 bilhões de dólares gastos nestes estádios, comparados com os 4 bilhões gastos na África do Sul em 2010. As pessoas diziam: por que não temos melhores escolas, melhor educação ou melhor transporte, melhor infraestrutura. Durante a Copa do Mundo, elas ficaram empolgadas, porque esta tem sido uma excelente Copa do Mundo e a maioria das manifestações tem sido tranquila. A Senhora se preocupa, acredita na possibilidade de de elas recomeçarem após a final, de as pessoas se perguntarem em que foram gastos esses bilhões de dólares se nós sequer chegamos às finais?


Presidenta Dilma Rousseff – Veja bem, nos estados, nos estádios foram gastos 8 bilhões de reais, mais ou menos 4 bilhões de dólares, nos estados. Esse gasto dos estádios, ele foi financiado pelo governo. Dois dias atrás, um jornal brasileiro estampou que nós iríamos cobrar um ressarcimento, por isso, de juros e que equivalia a dois estádios de São Paulo. Sim, nós vamos cobrar juros dos empréstimos que fizemos para fazer a Copa, agora, o gasto, no Brasil, com educação e saúde, nesse mesmo período... porque o período de construção dos estádios foi entre 2010 e 2013... 4 bilhões de dólares aproximadamente. Nós gastamos, nesse mesmo período, com educação e saúde, nas três esferas de governo, 1 trilhão e 700 bilhões de reais, o que dá aproximadamente 850 bilhões de dólares, bilhões de dólares. Então comparar 4 bilhões de dólares com 850 bilhões de dólares é absolutamente desproporcional. Nós não gastamos... porque o resto dos gastos fica para o Brasil, não só para a Copa. Nem os estádios ficam só para a Copa. Os aeroportos, eles existem porque nós, de 2003 para 2013, nós passamos de 33 milhões de passageiros que viajavam de avião no Brasil para 113 milhões em 2013. Você veja que é... nós estamos fazendo aeroportos para nós mesmos, porque há uma imensa multidão de brasileiros que, nesta década, descobriu que podia viajar de avião porque tinha renda para pagar a passagem.

Christiane Amanpour – Você terão as Olimpíadas em 2016 e as pessoas querem saber se precisamente esses gastos em infraestrutura beneficiarão as Olimpíadas e se beneficiarão as economias nos locais onde foram construídos os estádios para a Copa do Mundo. Muitos se perguntaram: por que um estádio em Manaus, por que no meio da Amazônia? Ele nunca mais vai ser usado. A Senhora sabe se os estádios impulsionaram e contribuíram com as economias locais durante esta Copa do Mundo?


Presidenta Dilma Rousseff – Veja você, estádio em Manaus! Manaus, além de estar perto da maior floresta tropical, está numa região que tem 20 milhões de brasileiros, e os 20 milhões de brasileiros daquela região merecem um estádio que vai ter todas as atividades que tem um estádio em qualquer parte aqui do Sul ou do Sudeste: jogos, terão também shows, espetáculos culturais. E hoje, por exemplo, aqui em Brasília, o estádio é usado desde festa de batizado até casamento. Então, é um lugar de encontro da população, e quando eu disse que o futebol brasileiro tem de ser renovado, o que eu queria dizer com isso? Eu queria dizer que o Brasil não pode mais continuar exportando jogador. Exportar jogador significa não ter a maior atração para os estádios ficarem cheios. Qual é a maior atração que um país que ama o futebol como o nosso tem para ir num jogo de futebol? Ver os craques. Tem craques no Brasil que não... estão fora do país há muito tempo. Então, renovar o futebol brasileiro é perceber que um país, com essa paixão pelo futebol, tem todo o direito de ter seus jogadores aqui e não tê-los exportados.

Christiane Amanpour – A Senhora alguma vez sonhou, em seus piores pesadelos, que este poderia ser o resultado das semi-finais?


Presidenta Dilma Rousseff – Verdadeiramente, não. Não, os meus pesadelos não chegaram a tanto. Sinto imensamente, como uma torcedora, porque sei o que sentem os outros torcedores, mas sei também que nós somos um país que tem uma característica: nós nos levantamos diante da adversidade. Nós somos capazes de superar a adversidade. Então eu tenho certeza que nós vamos enxergar... Primeiro, quando você tem uma adversidade, você tem de localizar a dimensão dela. Essa adversidade diz respeito a um jogo. Ela não elimina o valor dos nossos atletas, por quem nós temos de continuar tendo todo o carinho e dar todo o apoio. Ela não elimina o fato de que nós lutamos até aqui. É um momento de adversidade, mas precisar qual é a dimensão dela é fundamental para poder superar. Nós, como país, conseguimos, tanto com a nossa Seleção quanto com os esforços de todos os brasileiros – trabalhadores, empresários –, fazer uma grande Copa, principalmente com o calor da nossa população. Eu vi um editor de jornal dizer que tinha de engarrafar o humor – o mood – do Brasil nesta Copa para distribuir para as Copas futuras. Eu acho que nós temos muito a apresentar e muito orgulho a ter com esta Copa. Diante deste fato, o que nós temos de fazer é, primeiro, não fingir que ele não aconteceu. Reconhecer. É uma derrota. Agora, dar a dimensão devida a essa derrota e usá-la para renovar o futebol brasileiro e para valorizar cada vez mais os nossos atletas.


Christiane Amanpour – Senhora Presidente, algumas pessoas disseram que Brasil e Copa do Mundo, esta é a fantasia do Brasil. Este é o Brasil que se gostaria de ter. Organizar uma Copa do Mundo fabulosa, apesar da terrível derrota da sua seleção. Mas este não é o Brasil real. No Brasil real, as pessoas estão nas ruas, querem melhor saneamento, melhor educação, melhores serviços. Isto acontece num momento em que a Senhora se lança para a reeleição. A Senhora sente agora o desafio político, com esta derrota, e que após a competição a Senhora estará sob pressão para mostrar resultados?


Presidenta Dilma Rousseff – Primeiro, eu acho que esse Brasil que estão descrevendo não tem nada a ver com o Brasil real. O Brasil real é um Brasil que, de 2003 até hoje, tirou 36 milhões da pobreza, levou à classe média 42 milhões de pessoas. Quarenta e dois milhões de pessoas, para a gente colocar uma dimensão, equivale à Argentina, um país próximo aqui e bastante populoso. Isso se conseguiu em uma década. Essas pessoas que chegaram à classe média querem, de fato, melhor educação e melhor saúde. Nós estamos nos esforçando imensamente para esse processo. Melhor educação significa um esforço enorme do Brasil, inclusive agora nós aprovamos uma legislação importantíssima, que é transformar os recursos finitos do petróleo – porque são finitos, não são renováveis, e nós descobrimos uma grande reserva de petróleo no pré-sal –, transformar os royalties e todos os rendimentos daí derivados em educação e saúde. Mas isso não significa que o brasileiro quer voltar para trás. O que todo mundo quer é avançar em melhores condições de habitação, de saneamento, de transporte urbano. No passado, antes de 2003, nós estávamos submetidos às exigências do Fundo Monetário Internacional. Só pagamos a nossa dívida em 2005. Nesse período se investiam 2 bilhões em sanitation, em saneamento. Hoje nós investimos 33 bilhões em saneamento.

Christiane Amanpour – A Senhora fala em retirar 36 milhões de pessoas da pobreza. Este é um grande triunfo para o Brasil. E é obviamente a razão pela qual as pessoas ainda têm aspirações. Elas querem melhorar ainda mais. Qual a sua resposta a esse um milhão de pessoas que saíram às ruas no ano passado e para as pessoas que ainda dizem que ainda têm aspirações, apesar do que a Senhora já fez? Por outro lado, Senhora Presidente, o incrível crescimento econômico do Brasil da última década desacelerou-se e continua lento. O que a Senhora fará? A Senhora precisará encontrar um novo modelo econômico para alcançar o desenvolvimento?

Presidenta Dilma Rousseff – Veja você, o nosso crescimento ter desacelerado se deve à violenta crise que começa no mundo a partir de 2008. De 2008 até 2014, no mundo, em torno de 60 milhões de empregos foram encerrados, foram fechados. Nós conseguimos, mesmo assim, enfrentar essa crise mantendo um nível de emprego ainda alto. Nós criamos, nesse mesmo período, 11 milhões de empregos. De fato, o mundo passa hoje por um momento difícil. Antes se achava... no início deste ano se achava que as economias desenvolvidas iam puxar a recuperação. Hoje se vê que as taxas de crescimento de todo o mundo, de todos os países se reduziram de forma significativa. Tudo indica que as previsões, pelos organismos internacionais, vão ser refeitas e vai haver uma redução na expectativa de todo o mundo, seja dos Estados Unidos, da União Europeia e dos países emergentes. No nosso caso, nós temos feito um imenso esforço para manter as taxas de crescimento e um desses esforços diz respeito aos investimentos que fazemos em infraestrutura. Eu acredito que nós entraremos num novo ciclo de desenvolvimento no Brasil. Se o primeiro foi baseado no crescimento com inclusão social, estabilidade macroeconômica, o segundo ciclo vai ter de se basear na melhoria da nossa produtividade, portanto, da nossa competitividade. Nós temos, como país, de apostar muito na educação. A educação dá conta de duas coisas: garantir que essas pessoas que mudaram as suas condições de vida e de renda, elas tenham esse ganho de forma permanente. A educação garante isso. Em segundo lugar, nós temos de entrar na economia da inovação, do crescimento e do valor agregado. Somos um país que tem uma agricultura, uma indústria e um setor de serviços bem desenvolvido. Então, nós temos de assegurar qualidade de emprego e temos de investir em infraestrutura logística, energética e social-urbana.


Christiane Amanpour – Desculpe-me, mas a senhora foi alvo de vaias e xingamentos no jogo de abertura entre Brasil e Croácia. A Senhora agora tem à frente a campanha para reeleição. A sua popularidade ainda é alta. A Senhora ainda tem ainda níveis mais altos de aprovação do que os seu adversário mais próximo. A Senhora acha que que conseguirá manter isso? A Senhora acha que pode vencer?

Presidenta Dilma Rousseff – Todo... Toda pessoa que concorre a uma eleição, o requisito básico é achar que vai ganhar. Eu tenho a convicção que eu tenho que apresentar para a minha população. Eu tenho certeza que nós vamos poder apresentar tudo o que fizemos. Por exemplo, a maioria das pessoas não têm acesso a todos os dados que nós temos a apresentar. Eu vou te dar um exemplo: um programa de habitação. O Brasil tem um déficit habitacional que explica por que as pessoas vivem em favelas, em habitações precárias, correndo risco de vida até. Nós fizemos, nos últimos anos... no último ano do presidente Lula e nos meus quatro anos, sendo que a maior parte foi feita nos meus quatro anos, nós fizemos 3 milhões e 750 mil moradias, sendo que a camada mais pobre da população ganha... que ganha um salário de 800... até 800 dólares, nós financiamos a moradia para essa parte, pagando um subsídio de 90%, do Tesouro Nacional. Portanto, não tem bolha imobiliária no Brasil. Além disso, nós temos um programa de saúde em que nós, agora, garantimos a cobertura para 50 milhões de pessoas, que até um ano atrás não tinham um atendimento médico sistemático. Nós temos um outro programa de formação técnica, que está formando 8 milhões de pessoas. Nós temos programas que garantem medicação gratuita de hipertensão, diabetes e asma para todos os brasileiros, sem exceção. Então, eu vou ter oportunidade de colocar isso no nosso chamado palanque eletrônico, que é o direito que todo candidato tem no Brasil de mostrar suas realizações e suas propostas na televisão, coisa que eu não tive. Veja você, até uma semana antes da Copa, a imprensa internacional e a imprensa nacional diziam que não tinha aeroportos, que não tinha segurança, que não tinha estrutura de comunicação, que nós teríamos um apagão de energia, que teria doenças gravíssimas no Brasil. Se você me perguntar por que essa desinformação...

Christiane Amanpour – A Senhora sente que mostrou que tinha razão?

Presidenta Dilma Rousseff – Não, não. Não há nada que tenha... Não é uma questão de – se eu entendi a pergunta –, não é uma questão de... Eu entendi vingança, vindicated.

Christiane Amanpour – A senhora se sente vingada?


Presidenta Dilma Rousseff – Não, eu não acho que é uma questão de vingança, é uma questão de política.

Christiane Amanpour – Vingança, não. A Senhora tem a sensação de ter dito: eu te disse?

(Intérprete – É vingança em outro sentido. Vingar no sentido “eu avisei antes”.)

Presidenta Dilma Rousseff – Sabe, todo mundo que fala “eu te disse que isso ia acontecer” é muito ruim porque ele não resolve o problema. O que eu acho é que mostra é mais um sintoma do que... O que eu sinto é mostrar que isso é um sintoma porque ninguém faz assim uma semana antes da Copa e tudo aparece. O que estou tentando é fazer um paralelo. Assim como havia desinformação a respeito da Copa, há desinformação extrema sobre o Brasil. Achavam que 8... 4 bilhões de dólares é para... é a questão da educação, a questão da educação... com o dinheiro do pré-sal nós queremos 1 trilhão e 300 a mais... e 300 bilhões a mais, 1 trilhão e 300 bilhões a mais, o que dá 650 bilhões além do 1 e 700. O nosso problema é maiúsculo, não é de... não é o que nós botamos nos estádios.


Christiane Amanpour – É um grande problema...


Presidenta Dilma Rousseff –  O dinheiro que nós usamos é muito maior do que o que diz... O que se diz pela imprensa que nós gastamos. O Brasil, na educação e na saúde, tem um nível de investimento que é grande, mas, mesmo assim, é insuficiente. Por isso, petróleo, petróleo e petróleo.

Christiane Amanpour – Quão grave é para este país e para esta nação o problema da corrupção? Muitas pessoas se queixam disso, não apenas aqui, mas em muitos países. A Senhora foi capaz de combater o problema ou ainda há mais a fazer no nível da corrupção?


Presidenta Dilma Rousseff – Eu acredito que essa é uma questão fundamental no país. Por quê? Porque a corrupção não é só aquele ato específico. É o grau de corrosão que ela provoca no tecido social, moral e cultural de um país. Eu defendo, e a minha vida toda demonstra isso, eu defendo tolerância zero com a corrupção, e isso não é só... Não pode ser só uma fala presidencial. Tem de resultar em modificações institucionais. Nós criamos, no setor público federal, nós criamos um Portal da Transparência. Todos os gastos, todas as compras, todos os investimentos realizados pelo governo federal aparecem no Portal da internet em menos de 24 horas. Nós criamos a Controladoria-Geral da União e demos à Controladoria-Geral da União poder de investigar e de criar todos os mecanismos de imposição de melhores práticas dentro da Administração. Muitas das ações de corrupção foram descobertas pela Controladoria-Geral da União. Nós demos integral autonomia para a Polícia Federal investigar crimes de corrupção. Noventa por cento do que aparece de corrupção no Brasil foi investigado pela Polícia Federal, que é um órgão do governo federal. Nós não tivemos, com os procuradores que representam a Justiça...


Christiane Amanpour – A Senhora prometeu transformar a corrupção em crime e não apenas uma contravenção. Isto já foi feito?

Presidenta Dilma Rousseff –  Yes, todas. Não só fizemos isso, mas, agora... Porque no Brasil tinha a prática de só o corruptor pagar pela corrupção. Os dois lados, hoje, tanto quem corrompe como quem é corrompido, hoje, paga diante da Justiça, o que eu acho uma grande melhoria porque um não existe sem o outro.

Christiane Amanpour – A Senhora tem uma história de vida fenomenal, Presidente. Depois do intervalo eu gostaria de falar sobre isso.

(Intervalo)

Christiane Amanpour – Bem-vinda de volta ao nosso programa. A Senhora é a primeira mulher presidente do Brasil, um país de mais de 200 milhões de pessoas, o motor da América Latina – a economia do país é de longe a maior comparada com o restante do continente. A Senhora sempre sonhou em ser Presidente?


Presidenta Dilma Rousseff –  Não, eu nunca sonhei em ser presidente.


Christiane Amanpour – A sua história pessoal sugere, na verdade, justamente o contrário, porque a Senhora foi uma guerrilheira urbana nos anos 60, lutando e resistindo à ditadura militar. A Senhora sonhava em ser uma espécie de Robin Hood?


Presidenta Dilma Rousseff – Não. Não, não. É muito difícil viver numa ditadura. A ditadura limita seus sonhos. Quando você não tem direito de expressão nem de organização, qualquer ato de discordância torna-se um ato de contraposição. No Brasil, o direito de greve era visto como uma ofensa ao regime. As manifestações que hoje nós... Com as quais nós convivemos tranquilamente, eram motivo para você perseguir, matar, torturar. Então, na minha juventude, eu lutei contra a ditadura, eu fui produto desse tempo. Tenho muito orgulho de ter lutado porque não é fácil, não é fácil... O clima de uma ditadura é um clima que corrói, que corrompe as pessoas no sentido de corromper a sua capacidade de resistir. Então eu tenho orgulho de ter lutado.

Christiane Amanpour – A Senhora chegou a ser presa e mantida em prisão por três anos. E foi torturada. A Senhora pode falar sobre isso?

Presidenta Dilma Rousseff –  Sim. Eu fui presa nos anos 70 e fiquei por três anos num presídio em São Paulo, que hoje está, inclusive, demolido. É uma experiência em que você aprende que é necessário duas coisas: resistir e... E você percebe que só você mesmo pode te derrotar. Não que seja fácil suportar a tortura, não é, e você só suporta a tortura se você se enganar, deliberadamente, dizendo: mais um pouco eu suporto, mais outro pouco eu suporto, e assim você vai indo, e vai indo, e vai indo. A tortura não pode te derrotar, a adversidade não pode te tirar o ânimo de viver e você não pode se contaminar pelo que o torturador acha de você.

Christiane Amanpour – O que eles fizeram com a Senhora?

Presidenta Dilma Rousseff – O que faziam no Brasil com todo mundo que era preso: choque elétrico; uma coisa que se chamava pau-de-arara, que é difícil de explicar para você, que é uma forma de pendurar as pessoas pelos braços e pelas pernas; e muito choque elétrico. O pior era o choque elétrico. É a forma mais... É uma dor que anda. A dor praticada por alguém sobre outra pessoa é algo imperdoável, bárbaro, que quem faz isso tem uma perda de valores humanos, de tudo o que nós conquistamos ao sair das cavernas e nos elevarmos à condição de civilizados. A tortura é uma negação disso, é uma negação do outro. Talvez a pior forma de negação. Por isso nós não podemos aceitar, em lugar nenhum do mundo, a ocorrência de tortura, sob qualquer alegação. Eu nunca vi um processo de tortura não destruir a instituição que pratica, que pratica a tortura. Todos os processos de tortura, historicamente, destruíram quem praticou a tortura. É gravíssimo o Ocidente voltar atrás nessa questão.

Christiane Amanpour – Como isto moldou a sua visão de mundo?


Presidenta Dilma Rousseff –  Como eu construí a minha visão de mundo?


(Intérprete: Como a tortura mudou a sua visão de mundo, sua experiência?)

Presidenta Dilma Rousseff – Sabe, só tem um jeito da tortura não te contaminar. Ela não pode te levar a absorver uma raiva contra quem pratica, o ódio contra quem pratica. Você não pode deixar isso entrar para dentro de você, tem de ficar no externo, tem de ficar na dor física. Não pode se transformar numa motivação de sentimento, de visão de mundo, e da sua... Eu diria assim, da sua ideologia, da sua cultura, da sua forma de ver o mundo. Agora, eu vou te dizer uma coisa, sobretudo tem uma coisa que eu acho que a tortura me fez viver de uma forma intensa, é a certeza absoluta que nós derrotamos, no Brasil, quem praticou. A derrota não é uma derrota pessoal, não é contra A, B ou C. Nós derrotamos, no Brasil, a estrutura que praticou a tortura, e foi a ditadura. Ao construir a democracia e construir com padrões que respeitam os direitos humanos... Porque no Brasil nós temos, hoje, esse amor perdido pela democracia. Eu acho que isso foi o grande ganho.

Christiane Amanpour – Eu posso ver a paixão com a qual a Senhora fala disso. E a sua história pessoal é impressionante. Há muitas críticas hoje à polícia do Brasil de que é uma das mais letais na região, de que em 2012 cerca de 2 mil pessoas foram torturadas e mortas pela polícia brasileira. Isso parece ser um legado ruim desse tipo de tortura, ditadura e de falta do Estado de Direito que a Senhora combatia. A Senhora pode mudar isso?


Presidenta Dilma Rousseff –  Esse talvez seja um dos maiores desafios do Brasil. Eu acredito que essa é uma questão que nós temos de enfrentar abertamente, que é a questão da segurança pública no Brasil hoje, e a questão da segurança pública está ligada ao fato de como combater a criminalidade. O combate à criminalidade, ele não pode ser feito com os métodos dos criminosos. Muitas vezes isso ocorre, e nós não podemos também deixar intocada a estrutura prisional brasileira. Então tem de haver uma interação entre o Executivo Federal e as polícias, e as polícias são dos estados, porque na Constituição brasileira a atribuição da segurança pública é estadual. Eu acredito que nós teremos de rever isso, rever a Constituição. Por quê? Porque essa é uma questão que tem de envolver o Executivo Federal, o estadual, a Justiça estadual e federal, porque também há uma quantidade imensa de prisioneiros em situações sub-humanas nos presídios. Isso nós vamos ter... Essa é uma questão das mais graves no Brasil. Essa... Em alguns lugares nós conseguimos um grande avanço, que foi o caso das UPPs no Rio de Janeiro, das... Não sei se você sabe o que é uma UPP. É... O crime organizado e o tóxico se apropriavam de algumas regiões no Rio de Janeiro. Nós fizemos uma articulação com o governo do estado do Rio e conseguimos, em várias regiões, acabar com o crime organizado através não só de ações policiais, mas também porque levamos infraestrutura, escolas, melhores moradias, todo um processo de transporte dentro desses lugares. O teleférico no Morro do Alemão, no Rio, é um exemplo disso. Então eu acredito que no Brasil nós teremos de ter uma política prisional diferenciada, uma política de segurança pública diferenciada e uma relação com o Judiciário, que permita maior agilidade nos processos, e menos impunidade.


Christiane Amanpour – E, finalmente, por falar em Estado de Direito, a Senhora criticou duramente o Governo dos Estados Unidos por causa da espionagem ou das revelações de Edward Snowden. A Senhora foi espionada, milhões de brasileiros foram espionados. A Senhora se reconciliou com o Presidente Obama. As relações estão bem novamente? A questão já passou ou a Senhora ainda tem um problema com os Estados Unidos e a administração Obama quanto a isto?

Presidenta Dilma Rousseff – Olha, eu não acredito que a responsabilidade com... Pelos hábitos de espionagem seja da administração do presidente Obama. Eu acho que ela é um processo que vem ocorrendo depois do 11 de Setembro. O que nós não aceitamos e continuamos não aceitando é o fato de que o governo brasileiro, empresas brasileiras e cidadãos brasileiros fossem espionados, porque isso atinge diretamente os direitos humanos brasileiros, principalmente o direito à privacidade e à liberdade de expressão. Então nós manifestamos essa questão para o governo Obama porque, no momento, o que nós dissemos a eles é que cada ato recíproco entre o Brasil e os Estados Unidos, que são grandes parceiros estratégicos, seria comprometido por revelações que nós não tínhamos controle, não sabíamos que existiam, e que queríamos duas coisas: uma garantia que não aconteceria mais e o fato de que alguém tinha de se responsabilizar e falar para nós que não aconteceria. Naquele momento o governo Obama estava em processo de equacionar esse problema... Essa questão da espionagem internacional, e não tinha condições de responder para nós. Como não tinha condição de responder para nós, nós não tivemos nenhuma outra ação... Por exemplo, eu ia fazer uma visita e não fiz por isso. Isso não implicou em nenhuma ruptura com o governo Obama. Implicou simplesmente em colocar as cartas na mesa e dizer “olha, isso é impossível”. Hoje eu acredito que eles deram vários passos porque houve uma demora até eles fazerem aqueles painéis, eles levantaram várias questões dos painéis que nos interessam, principalmente no que se refere ao que acontecerá daqui para frente. Eu acredito...


Christiane Amanpour – Eles deram as garantias que a Senhora exigiu?


Presidenta Dilma Rousseff – Para mim, para o Brasil, eles... A única coisa que fizeram foi mostrar que com esses painéis eles acreditavam que nós estávamos sendo contemplados, mas que não seria uma ação, seria um processo. Então nós aceitamos que seria um processo e estamos avaliando em conjunto com eles.


Christiane Amanpour – A Senhora aceitou? Porque o Vice-Presidente Bush (sic)...


Presidenta Dilma Rousseff – Biden.


Christiane Amanpour – ...desculpe, Vice-Presidente Biden esteve aqui. Ele se reuniu com a Senhora há duas semanas. A questão está clara para vocês agora? A Senhora disse “isto está bem, vocês deram as garantias que queríamos”?

Presidenta Dilma Rousseff – O que nós dissemos para o presidente Biden é que, para nós, o processo desencadeado pelos painéis era adequado e que nós esperávamos os resultados dos painéis para ver o que aconteceria conosco. Se prosseguisse como estava prosseguindo, seria adequado. Nós não temos nenhuma intenção, nós não temos nenhuma intenção de deixar, por exemplo, que ocorra novamente espionagem com empresas brasileiras nem com cidadãos brasileiros, nem tampouco com o governo brasileiro, mas nós também entendemos, por parte dos Estados Unidos, o esforço feito no sentido de eliminar esses aspectos. Temos uma posição aí muito parecida com a da Alemanha, bem parecida. Tanto é assim que fizemos, em conjunto, aquela nota sobre a questão do governo digital. Agora, nós estamos levando a questão para outras, vamos dizer, para dimensões relacionadas a ela, por exemplo, a internet. Nós organizamos aqui, juntamente com todo... Eu acho, os interessados nessa questão internacionalmente, o Fórum Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, em abril, e aí nós tiramos um princípio de uma rede internacional como um espaço democrático que garante a liberdade de expressão, a neutralidade da rede no sentido que a rede não pode ser usada nem comercial, nem econômica, nem religiosa, nem culturalmente, só para um lado, defendendo também que ela seja inclusiva, que ela permita o desenvolvimento econômico, que ela assegure uma participação não só multissetorial, ou seja, governos, organizações não governamentais, sociedade civil, academia, técnicos, etc, mas que ela seja também multilateral, que não haja sobreposição de um governo sobre outro governo dentro da rede. Eu acho que essa iniciativa é a iniciativa mais forte para responder, de um lado, vamos dizer assim, a questão internacional relativa ao problema da espionagem.

Christiane Amanpour – Obrigado, gostaria apenas de fazer mais uma pergunta para o segmento final do programa. Finalmente, Senhora Presidente, a Chanceler Merkel e a Senhora são as duas mais poderosas mulheres presidentes do mundo hoje. O que é ser uma mulher presidente? E o que a Senhora dirá à Chanceler Merkel já que a seleção dela chegou à final da Copa?


Presidenta Dilma Rousseff – Congratulations. Vou cumprimentar a chanceler Merkel pela vitória porque o futebol, ele tem uma característica, ele é um jogo que permite que o que há de melhor na atividade humana apareça. Primeiro, ele é um jogo que implica em cooperação, as pessoas têm de cooperar. Segundo, ele implica em treinamento, as pessoas têm de treinar. No futebol e na vida, se você não se esforçar, não trabalhar, não... Você também não obtém sucesso. Implica numa coisa que eu acho fundamental e que é uma educação para todos nós: no fair play, no saber ganhar e no saber perder. Quando você perde, você tem de cumprimentar o adversário. Não é uma guerra, é um jogo, e é por isso que o futebol encanta. Porque, além disso, ele mostra a beleza da iniciativa individual humana em vários momentos, apesar de ele ser um jogo de cooperação. Então eu vou cumprimentar a Angela Merkel e dizer para a Chanceler que o time dela jogou muito bem. E ela esteja de parabéns.


Christiane Amanpour – Presidenta Rousseff, muito obrigada pela participação.

Presidenta Dilma Rousseff – Eu que te agradeço.

(Pergunta final...)

Christiane Amanpour – É diferente ser uma mulher Presidente. A Senhora faz as coisas de maneira distinta?

Presidenta Dilma Rousseff – Eu acho que ainda no nosso mundo é visto de forma diferente. Mulheres que são líderes políticas, elas são vistas como duras, duras, mulheres duras, frias, cercadas de homens meigos. Nem uma coisa, nem outra é verdade. Nós somos, como lideranças, como presidentes ou como chanceleres, nós somos mulheres exercendo o papel de mulheres. Eu sempre quero crer que nosso olhar feminino tem uma parte que é perceber que você governa para pessoas e não para coisas. Não que os homens façam necessariamente diferente, mas é certo que a mulher sabe que as pessoas são sentimentos e emoções também, além de pensamentos, além da racionalidade. Acho que essa é uma diferença fundamental. A mesma que você deve viver sendo uma jornalista premiada como você é.

Jornalista: A Senhora é muito gentil. Muito obrigada.


​Antes o Conversa Afiada tinha publicado:

Dilma: só os grandes suportam a derrota

Como se sabe, a Presidenta não lê o Valor nem assiste à Globo:

Eis o que diz o site da Dilma:

DILMA FALA SOBRE A COPA NA MAIOR REDE DE NOTÍCIAS DO MUNDO

 

 

A presidenta Dilma concedeu entrevista sobre a Copa à CNN, a maior rede de notícias do mundo. Na entrevista à jornalista Christiane Amanpour, Dilma, embora lamentando muito a derrota brasileira nas semifinais, destacou que é inegável o sucesso do país na organização de um evento internacional do porte da Copa.

“O Brasil provou a si mesmo que é capaz de organizar uma Copa do Mundo de primeira classe”, afirmou a presidenta brasileira. “Somos um país com uma característica peculiar: enfrentamos os desafios, superamos as adversidades.”

Dilma também voltou a elogiar o povo brasileiro na entrevista à CNN. “É preciso ter em mente que, sob todos os aspectos, o Brasil organizou e tem mostrado uma Copa do Mundo que é uma das melhores Copas. E isso é em grande parte devido à capacidade do povo brasileiro de oferecer hospitalidade e receptividade aos torcedores de todo o mundo.”