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Brizola: informação é o antídoto contra o Golpe

Nesta 2ª, a Nitpress vai lançar o livro “A legalidade”, uma antologia de pensamentos de Brizola.
publicado 22/01/2012
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Nesta segunda-feira, na ABI, no Rio, a Nitpress vai lançar o livro “A legalidade”, uma antologia de frases e pensamentos de Leonel Brizola.

O trabalho foi coordenado por Oswaldo Maneschy, assessor de imprensa de Brizola e Apio Gomes, Paulo Becker e Madalena Sapucaia.

Alguns trechos:

Jânio Quadros

Jânio Quadros era uma pessoa muito inteligente, de muitos conhecimentos. Dominava aquela máquina toda. Ele era como um relógio suíço, desses dos melhores; um verdadeiro Patec Philip, mas só que tinha um parafuso frouxo. O relógio ia muito bem e, de repente – poc, poc, poc, poc, poc, poc – chegava no parafuso solto… e, vruuuuuuu – falhava. [25/5/2000¬]


Legalidade – mulheres em arma

Até mulheres fizeram fila, quando mandei abrirem as portas do Palácio e instalar mesas para a distribuição de armas para a população. As mulheres, depois que não tínhamos mais revólveres – que era mais fácil de ensinar a usar, bastava puxar e apertar o gatilho – quiseram saber se podiam pegar fuzis também. Fuzil é uma arma mais pesada. E não teve problema. Teve camarada nosso ensinando: “Olha, bota a bala aqui, mira e dispara”. Algumas perguntavam: “Mas ele não vai me derrubar?”. Eles ensinavam: “Não. Basta botar um pé atrás, bem firme, apoiar a arma no ombro e atirar. [10/9/2001¬]


Legalidade – mulheres (revolta da calcinha)

Tão logo acabou a reunião no Piratini, João Goulart se despediu de Machado Lopes e chegou na frente do Piratini, parece que ele queria ir até a calçada. Mas aí começou uma grande gritaria, uma grande reação da multidão. O acordo foi uma decepção. As mulheres tiraram as calcinhas e passaram a exibir para os que estavam na sacada do Piratini, algumas delas gritando: ‘Vocês são dirigentes ou não? Como é que vão se entregar?” Elas tiravam as calcinhas e gritavam, “Tomem! Tomem!”, para os homens. Houve muita gritaria, muita vaia, muito desaforo. [18/7/2001]


Legalidade – e guerra civil

Foi o único golpe, na América Latina, estruturado, organizado, já implantado no governo, que foi frustrado por causa da resistência popular. Porque a resistência foi popular. Houve aquele momento da Legalidade, um momento importante. Pela primeira vez um movimento civil derrubou um golpe militar que já estava instalado. Os três ministros estavam em Brasília, aboletados, decretando. E, no entanto, aquilo tudo caiu. Foi um fato importante. Tão importante que dividiu as Forças Armadas. E por um triz não saiu uma guerra civil naquele episódio. A guerra que ia ser vitoriosa, se saísse. Tenho esta convicção. [12/2/2001¬]


Golpe de 64 – Jango tinha que botar pra quebrar

Jango era um homem bom, totalmente bom, mas inexperiente. Era ladino, esperto, bom político, mas inexperiente. Ele era uma criança na mão deles. A ele faltava uma coisa que costumo chamar de ‘coragem inconsciente’: aquilo que fizemos ali na Legalidade - diante dos tanques; diante dos aviões; diante da Marinha, que já descia para o Rio Grande do Sul; diante do Exército; diante de tudo. Nós, diante daquilo, botamos pra quebrar: ‘Ah, é? Então vai ser assim: vocês vão vencer, mas terão que reduzir tudo a escombros’. Os golpistas de 61 se viram diante de uma realidade que não imaginavam. Pensavam que iam levar no grito. Eu não tenho a menor dúvida de que João Goulart não caía, em 1964, se botasse pra quebrar. Ele tinha que enquadrar o Lacerda, que ficava fazendo provocações a partir do Palácio. Jango tinha que convocar o Aragão, que era meio louco, e dizer: ‘Aragão, pega a tua gente, entra lá no palácio do Lacerda e quebra aquilo tudo lá’. Pronto! A metade corria… Os outros não teriam condições de resistir, porque não tinham moral nenhuma com a tropa. [12/3/2003]


Golpe de 64 – Oromar Osório

Na crise do golpe visitei o general Oromar Osório – na época, Comandante da Vila Militar, aqui no Rio de Janeiro. Ele era meu amigo; eu o conhecia, foi o grande general de 61. Antes de Machado Lopes se decidir, ele, que comandava uma divisão em Santiago, já se decidira. Era um sujeito decidido cem por cento. E eu o procurei ali, o golpe de 64 já nas ruas, antes de partir para o Sul pensando em resistir. Ele me disse: “Brizola, estou aqui e todo vem aqui fazer análise, análise, análise, análise e análise! Ninguém me faz uma síntese!”.


Ele estava desesperado: queria receber uma ordem e percebia que estava perdendo pé da situação aqui. Ele queria uma ordem e como, não a recebia, não podia fazer nada. Os militares não atuam sem ordem. Então Oromar estava vivendo aquela circunstância, ligado a outros companheiros dele. Os generais que estavam tomando atitude, infelizmente, estavam agindo a favor do golpe. Ele ainda me disse: “É, estou no direito de tomar atitude contra o golpe” – quando o general Murici, que era chefe do Estado-Maior, anunciou apoio ao golpe. Mas ele estava isolado e precisava da ordem que não veio. [15/3/1999¬]


Exílio – Brizola foi internado em hospício

Nossos valores vêm do Presidente Vargas, passaram para João Goulart e depois caíram nos meus ombros. Não sei explicar bem porque – porque não é uma coisa que se possa passar no cartório. Minha vida vem de longe; tem coerência. Houve período mais massacrante do que o da ditadura? Foram 20 anos e aqui era até proibido falar no meu nome. Quando falavam, era para dizer ‘está morto’. Um jornal de Belo Horizonte chegou a publicar uma manchete: “Brizola louco, foi internado no hospício”.


É… Estou dizendo… Fui internado lá, no Uruguai – por um decreto. Na verdade, fui confinado num determinado lugar. Houve um internamento político, mas aqui disseram: “Brizola foi internado, foi para um hospício”. Chegava carta, lá. Chegava carta. E eles aqui, manobrando com tudo. Podendo fazer tudo. Eles incentivaram a criação do PT. Não se podia falar em mim, mas Lula era capa de revista. E assim iam fazendo. Quer tempo que eu estive mais por baixo do que esse? Eles diziam que eu nunca mais iria voltar. E pegavam nossos amigos para judiar nas prisões. Às vezes, estavam no Rio Grande do Sul e tinham certos oficiais do Exército, que nem sei quem são, que botavam o dedo no nariz de conhecidos meus, porque eles iam lá no Uruguai. “Ele jamais vai voltar; e você ainda tem coragem de falar no nome dele aqui?”. [12/2/2001¬]


Governo RS – acampamento rural

Jango criou os acampamentos e nós criamos uma instituição para os camponeses sem terra. Tudo partiu da inspiração que despertou em nós o nosso Julião, com as suas Ligas Camponesas. Lá no Sul, pensamos: aqui, em vez de Liga, vamos criar uma associação, um nome mais pacífico e mais conciliador. Criamos a Associação dos Agricultores sem Terra. E foi só criar! De lá vieram companheiros que hoje estão velhinhos como o pai de um de nossos deputados, Wilson Muller, o nosso Milton Rodrigues. Criamos centenas, milhares de associações. E depois veio até uma federação. Fomos semeando, agrupando agricultores, filhos de agricultores sem terra que não sabiam para onde ir – muitos iam para o Paraná, Mato Grosso ou Santa Catarina, mas a maioria ficava lá no Rio Grande do Sul.


Um dia nos ocorreu a idéia: como a Constituição dizia que qualquer brasileiro poderia se reunir livremente em qualquer lugar público para reivindicar os seus direitos, vimos que podíamos fazer. Ao longo de uma estrada, de um rio, de um arroio, pelo menos no verão, podíamos fazer um acampamento – já que o inverno é duro – e reivindicar legitimamente áreas produtivas abandonadas. Daí surgiu o primeiro acampamento, tudo feito de forma a se desenvolver. Foi em um lugar chamado Sarandi.


Colocamos lá uma grande cruz de madeira, enorme. Isto foi no tempo em que estava doutrinando para o mundo o grande papa João XXIII, falando em reforma agrária e tudo o mais. Então, colocamos aquela cruz: “Acampamento João XXIII, queremos terra!” Naquele tempo foi um acontecimento, assustou a todo mundo. Dentro de poucos dias lá estavam mais de cinco mil pessoas. Levamos a imprensa lá para mostrar o nível de organização daqueles trabalhadores. Eu consegui dois aviões e organizamos uma visita ao local, levamos o comandante do III Exército, juízes, deputados, empresários, para ver o que era aquilo.


Lembro que havia um serviço de som muito precário e eu conversei com todos eles: “E vocês, de onde são e o que são? São comunistas?” Eles disseram: “Comunistas não, governador, aqui não tem comunistas não; somos todos agricultores”. E eu pedi: “Mostrem as mãos, quero ver se vocês têm mãos de agricultores”. E mostrei para o general aquelas mãos que mais pareciam pedras, de tão duras e calejadas pelo trabalho. E eu perguntava: “E família, filhos, vocês tem? Quem tem cinco filhos?”, um mar de braços levantados. “Quem tem dez filhos?”, outro mar de braços... Um deles queria ser o campeão, com 18 filhos, mas houve protesto e logo apareceu um com 21 filhos. Perguntei o que eles queriam, se pretendiam invadir terras, e eles disseram que não, que só queriam trabalhar. E prossegui: “Alguém aqui vai à missa” – o Arcebispo estava presente... – e a resposta: “Nós vamos a missa lá longe, porque o padre não quis fazer uma missa aqui para nós”. Perguntei: “De onde vocês vêm, como chegaram aqui?” Todos explicavam que vinham de fazendas, de estâncias, desempregados e tudo o que queriam era terra para trabalhar.


Como o general comandante estava presente, perguntei: “Alguém aqui serviu o Exército?” e foi aquele mar de braços, todos estavam em dia com as suas obrigações militares. E eu provoquei ainda mais: “E na guerra, alguém aqui foi da FEB?” Apareceram diversos braços erguidos. Aí o general se comoveu. E um deles pediu licença: “Nos prometeram tudo e agora nos negam até um pedacinho de terra”, reclamou um ex-pracinha indignado. Depois foram tantos outros acampamentos e muitas desapropriações. Mas também veio a linha dura do golpe. Algum tempo depois, quando voltei do exílio, achei bom ir lá de novo para ver o que tinha acontecido durante aqueles anos duros. Convidei alguns companheiros para ir, e constatei que até hoje eles estão lá, em Sarandi. [27-08-93]


Conselho a Collor

Eu disse ao Collor: “Presidente, se eu fosse o senhor, iria à televisão. Abra a discussão com quem quer que seja” – até citando nominalmente: “Olha, o deputado fulano disse isto, ele não tem razão, ou eu agradeço a sua sugestão, suas opiniões. Mas diretamente. Acho que quanto mais o senhor for à televisão – ainda mais que o senhor te facilidades, pode convocar uma rede –, mais leva informação. Precisamos ter o povo informado, porque a informação é realmente uma espécie de antídoto de todo e qualquer movimento golpista”.


O golpe só se concretiza quando estamos diante de uma população desinformada. Em todo aquele movimento de 61 que evitou o golpe – claro, depois veio o respaldo da divisão do III Exército que ficou do lado da legalidade – mas essencialmente o que valeu foi a informação, foi o rádio que levou informação. Eu disse ao presidente: o senhor tem que levar a informação e falar. Acho que isso é uma necessidade. Foi a sugestão que eu dei. No meu caso, iria até ao questionamento dos adversários, porque é meu método combater também as incoerências, a falta de autoridade moral, muitas vezes política, de um adversário. Tenho muito medo destes estados de histeria, porque os antecedentes nos mostraram que levam a conseqüências funestas. [28-04-92]


Brizola nos EUA

Lá em Nova York, na Câmara de Comércio Brasil - Estados Unidos, aquela gente importante me olhava, com certa curiosidade, para ver como é que esse Brizola de cabelos brancos, já setentão, ainda seria uma ameaça. Tanto que perguntaram de chofre: “O senhor, eventualmente na Presidência da República, honraria os compromissos assumidos pelos sucessivos governos brasileiros por conta da dívida externa?” Olhei bem, parei um pouquinho e fiz que nem o papa que espera um pouco só para criar expectativa. Aí disse:


“Olha, os senhores sabem que temos milhões de pessoas no Brasil passando fome. Temos milhões de crianças sem colégio, desnutridas, estamos mergulhados numa crise em grande parte devido à insensatez dessa dívida externa. Precisamos atender a essas prioridades, mas de nenhuma forma queremos fazer algum tipo de papelão assumindo uma atitude que de repente deixe mal o nosso país. Mas continuar com o quadro que está aí, é impossível. Os senhores não estão recebendo nem os juros da dívida e nós estamos sem condições de pagar. Estamos dando sucessivas cartas para o FMI e não cumprimos estas cartas. Esta é uma situação deprimente, inclusive até destrutiva moralmente para nós e para os senhores frente a seus acionistas, pois terão que explicar como é que foram emprestar dinheiro para um cliente tão relapso.”


Aí conclui: “Sabem qual é a minha orientação? Negociar, negociar e negociar!” Bom, na medida em que ia repetindo a palavra negociar, aumentava a reação de desabafo daquele plenário. Acharam graça, acharam tudo razoável. [24-11-93]


Justiça política

No meu caso, sinto-me reparado, justiçado, quando ali em frente da minha casa, na avenida Atlântica, sempre tem gente. Eu saio e às vezes pequenas multidões me rodeiam. Ali tem segurança, mais para me auxiliar do que para me proteger. Saio  no meio de todas as pessoas e muitas vezes ando só. E ali, entre aquelas pessoas, já tenho identificado alguns dos nossos perseguidores, que andam ali levando o cachorrinho para fazer pipi num lugar ou outro, olhando aquilo tudo. Estou certo de que se os que me cercam soubessem que entre aquelas pessoas está o poderoso fulano daquela época da repressão, até proteção e segurança eu teria que mandar dar a eles. Isto aí chama-se justiça política!


Por exemplo, um homem como o general Geisel, como o general Médici, ditadores poderosos – falar em Brizola para eles devia dar vontade de cuspir, com toda aquela empáfia e importância – eles fizeram tudo o que nós sabemos, mas quando voltei com a minha roupinha, me tornei governador do Rio de Janeiro.


Sabe uma das primeiras coisas que fiz? Tomei conhecimento de que as pessoas que davam segurança para o general Geisel e para o general Médici eram, essencialmente, servidores da polícia estadual, mais precisamente da Polícia Militar. Chamei o coronel Cerqueira, comandante da Polícia Militar, e disse: “Coronel, ponha o seu melhor fardamento e peça uma audiência ao general Geisel e ao general Médici também, ex-presidentes. Chegando lá, bata a sua continência e diga que o senhor está indo á em meu nome, do governador eleito Leonel Brizola”. E isso ocorreu.


Geisel deve ter batido o pé, mas ouviu o coronel transmitir-lhe, em nome do governador, que não iria ser alterada nenhuma vírgula naquele dispositivo que dava segurança à vida dele, e que se ele julgasse necessário um reforço, que tratasse de escolher os funcionários de sua confiança. Claro que ele deve ter ficado muito surpreso, mas declarou ao coronel, comandante da PM e secretário da Polícia Militar, que não estava necessitando de nada e que transmitisse os seus agradecimentos ao governador. O coronel não teve dúvida, levantou-se, bateu continência e se retirou. O mesmo aconteceu com o general Médici. Só uma virada, só uma visão superior da vida é que poderia ensejar um episódio como este. Isto, no meu conceito, chama-se justiça política. [07-01-92]


PT e PMDB

Olho o futuro com fé, da juventude dos meus 70 anos. O povo brasileiro vai sacudir dos seus ombros tudo isto que lhe colocaram, mesmo porque as estruturas que fizeram isto estão aí, aos pedaços. Esse PMDB é uma caricatura, esse PT criou-se naquele período deformador que foi a ditadura. Numa hora dessa ficam na mesma trincheira.  [17-12-91]