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Santayana e a reforma política. Recomenda-se ouvir o povo

O Conversa Afiada reproduz artigo magistral do auto-didata Mauro Santayana
publicado 06/04/2011
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana:

Que se ouça a voz do povo


Mauro Santayana


Não se trata de uma simples lei ordinária, nem de mera reforma no processo eleitoral, mas de profundo golpe no sistema democrático que há quase 200 anos estamos construindo no Brasil. É triste que os principais patrocinadores dessa “lista preordenada”, como o leguleio Henrique Fontana, em jogo semântico, a denomina, sejam parlamentares do Partido dos Trabalhadores, que, a um tempo, foi a mais bela promessa de realização democrática de nosso povo.


Ainda que os partidos políticos brasileiros fossem organizações sérias, com diretórios em todas as circunscrições eleitorais funcionando regularmente e a participação de filiados (todos em dia com sua contribuição para seu funcionamento), e que esses filiados fossem ouvidos para a composição das listas eleitorais, em consultas prévias e honestas, o sistema seria viciado. A Constituição não exige do eleitor a sua filiação a qualquer partido político. Os partidos são instâncias intermediárias entre o voto e o poder, que facilitam o processo, mas não são absolutamente necessários à legitimidade do sistema. O que faz a legitimidade do poder é a expressão clara da vontade de cada um dos cidadãos em escolher quem o representará no poder legislativo, e quem o representará (no sistema presidencialista que adotamos) na chefia do poder executivo, no município, no estado e na união. Os partidos são a reunião, eventual (não há partidos eternos) de cidadãos em torno de ideias, quando as há, o que não é exatamente o nosso caso, e de interesses corporativos. Eles nasceram, no modelo moderno que conhecemos, dentro da Casa dos Comuns, na Inglaterra, ao longo do século 17, com  a divisão entre whigs e tories; com os primeiros contestando o poder estabelecido e os segundos, o apoiando. Em suma, na linguagem de hoje, entre a esquerda e a direita, entre conservadores e progressistas.


Não se tratando de uma questão tão simples, como querem fazer os líderes dois grandes partidos que dividem hoje a maioria na Câmara, o poder – o PT e o PMDB – é preciso que os legítimos senhores do poder político, ou seja, os cidadãos, sejam ouvidos. Os eleitores não lhes conferiram mandato tão amplo, como pretendem. A imposição das listas eleitorais fechadas corresponde a nova regra constitucional, ainda que a votação uninominal não seja claramente estabelecida na Carta Maior. Desde que há eleições no Brasil, o voto tem sido uninominal. O que, felizmente tem mudado, é a qualificação dos eleitores. A República, ao eliminar o voto censitário, estabeleceu o sufrágio universal masculino. A Revolução de 30 trouxe o voto feminino.  O voto uninominal é regra consuetudinária, que jamais foi posta em dúvida.


Os partidos, se fossem organizados, poderiam agora ouvir seus filiados – mas os filiados são minoria inexpressiva e, em nosso caso, cooptados e escolhidos pelos donos das legendas, mediante seus representantes nas bases municipais. Ainda assim, conviria que houvesse, mediante convenções regionais, a consulta a esses filiados, que deveriam ouvir seus eleitores. Eles preferem votar em listas fechadas ou diretamente nos candidatos?


No caso em que se aprovasse o sistema, haveria que decidir quem iria elaborar a lista. Se essa elaboração não partisse dos filiados, em número expressivo, dentro do círculo eleitoral próprio, seria uma violência intolerável ao processo democrático de escolha. O voto em lista fechada é admissível em certos países europeus, onde os partidos têm programas definidos, filiados pagantes e que se reúnem normalmente, e que escolhem previamente seus candidatos.


Os que têm mais votos prévios assumem os primeiros lugares da lista. Nesse caso, é comum que os filiados escolham nomes de prestígio, de pouco apelo eleitoral, mas que podem dar substância moral e ideológica à bancada. Aqui no Brasil, a escolha será dos dirigentes partidários que sempre irão ouvir os seus financiadores. Enfim, irão  fortalecer-se as já numerosas bancadas da Febraban, do agronegócio, das igrejas, dos sindicatos.


Se os eleitores não forem ouvidos, o povo se fará ouvir, nas ruas. Disso não tenham dúvidas.