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De que crise estamos falando? Só se for no PiG

"Procure a expressão 'apesar da crise' no Google. O resultado é risível"
publicado 16/10/2015
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bessinha nao podemos reclamar fascismo

O Conversa Afiada reproduz artigo de Homero Fonseca, extraído de seu blog:


De que crise estamos falando? Considerações em torno do terrorismo midiático

Positivamente, aqui em Maragogi a crise não é o tsunami alardeado.

No último feriadão, hordas de turistas invadiram nossas praias; veranistas ocuparam suas casas promovendo a barulheira de sempre; lanchas possantes cruzaram os mares de águas verde-claro numa festa de espuma; bares e restaurantes ficaram lotados. Houve engarrafamentos, não apenas na AL-01, mas em muitas ruas empoeiradas, onde carros de toda procedência disputavam espaço com os ônibus das excursões.  Os nativos estavam, como sempre, a postos, arrumando as casas, limpando as piscinas, servindo tira-gostos, cozinhando, pescando, vendendo frutas, artesanato e bolos de goma.

Independente do feriadão, loteamentos surgem a toda hora, por toda parte erguem-se casas, os armazéns de construção têm um movimento febril.

Mas isso aqui seria uma bolha?

Os dois supermercados da vizinha São José da Coroa Grande fervilham, desde que o inverno foi embora.

Estive no Recife às vésperas do dia das crianças. Conforme o esperado, a fuga em massa em direção às praias deixou a cidade mais civilizada: menos carros e mais bicicletas nas ruas, trânsito fluindo normalmente (ah, se fosse assim o tempo todo!). Mas nos shoppings multidões se acotovelavam comprando de última hora os presentes para os pirralhos (procuravam promoções, preços mais em conta, mas compravam), nas praças de alimentação era difícil encontrar uma mesa livre, os cinemas engoliam filas de espectadores tagarelas.

Cenas semelhantes a televisão mostrou em praticamente todo o país. A Rua 25 de Março em São Paulo mais parecia um formigueiro.

E a crise? A CRISE?

Não se pode negar que ela existe. Mas estou convencido de que é muito menor do que o terrorismo midiático faz crer. Aliás, esse mesmo terrorismo é, ao meu ver, em parte responsável pela própria crise. A crônica da crise anunciada: se todos gritam “vem aí uma crise”, ela vem mesmo. A sociologia explica: é o fenômeno que o professor Robert Merton denominou “a profecia autorrealizável”.  E a quem interessaria tudo isso? Interessa à oposição irresponsável comandada pelo senador Aécio Neves louco para ganhar no tapetão as eleições que perdeu nas urnas; a uma mídia ideologicamente comprometida até a medula com a derrubada do governo; a certos setores do empresariado sempre alinhados à direita radical como fizeram antes e depois do golpe civil-militar de 1964; àquelas parcelas da classe média mais afortunada que engrossam as passeatas perfumadas com suas palavras de ordem histéricas e seu atávico pavor aos avanços sociais (gente que não suporta viajar de avião ao lado dos pobres, nem aceita perder o conforto das relações escravagistas com as empregadas domésticas – assistam ao filme Que horas ela volta?).

Sobre esse tipo de mentalidade, terreno fértil para florescerem as sementes do fascismo, o economista Jean-Paul Delevoye, por vários anos ouvidor da República na França, esclarece: “É mais fácil privar o pobre do essencial do que privar o rico do supérfluo”.

A crise existe, mas é menor do que se pinta e restringe-se a alguns setores da economia. A propósito, o consultor Carlos Valença, ouvido numa enquete da TGI Consultoria em Gestão, no dia 17 de agosto passado, afirma com convicção:

“Algumas empresas estão demitindo, principalmente aquelas que prestam serviços para o governo, a indústria naval e o petróleo. Outras, no entanto, estão revendo processos, melhorando seus indicadores de desempenho e contratando gente. Existe demanda nas áreas financeira, de informática, de gestão e de saúde.” Vários outros gestores concordaram que o Brasil já passou por situações piores e se recuperou, como se recuperará. E advertem: “Pior que a crise é o medo dela”. Pois é justamente esse medo que vem sendo disseminado descontroladamente pela mídia, cuja estratégia é dar a impressão de um desarranjo generalizado.

Um jornalista fez o seguinte experimento: procurou no Google a expressão “apesar da crise” e vieram milhares de exemplos. Ou seja, mesmo quando falam em avanços e pontos positivos dessa imensa economia brasileira, arranjam um jeito de enfiar a palavra crise e de dar entender que são casos isolados. Repitam a experiência. A coisa fica até risível, não fosse um caso criminoso de manipulação da informação para influir na crise política, essa sim preocupante e fermentada pela incompetência política de doutora Dilma. Enfim, quem lê as revistas semanais, os jornalões do Rio e São Paulo e não desgruda da televisão, fica até com medo de sair às ruas: a impressão é a de que diariamente indústria e comércio expelem hordas de desempregados que vagam pelas estradas, famintas e raivosas, prestes a saquear shoppings e supermercados.

Bom, creio ser clara a culpa parcial da imprensa pela crise. Não vou entrar no mérito das causas reais, pois, além de me faltar engenho e arte para tal, isso implica adentrar numa grande discussão que não cabe nesse texto. Aí chocam-se as visões econômicas antagônicas ideologicamente: a turma da Escola de Chicago contra a Cepal,  Milton Friedman versus Raul Prebisch. Eu fico com o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, para quem “as medidas que os conservadores querem para o Brasil fracassaram na Europa”.

E antes que me chamem de filisteu por ter, como leigo, ousado bordejar um assunto geralmente reservado para os especialistas, faço uma paráfrase da célebre frase de Georges Clemanceau, ex-primeiro ministro francês: “A economia é assunto tão sério que não pode ser deixada na mão dos economistas”.
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