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Belluzzo e o Brexit: subempregados se lixam para os economistas

Trump e a saída da UE fazem parte do mesmo desarranjo
publicado 28/06/2016
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Outro dia, desavisadamente, dentro de um taxi - o que fazer ? -, o ansioso blogueiro ouviu um Colonista chapa-branca, na CBN, com um sobrenome, se não se engana, parecido com sarnemberg ou vermerg.

Ele defendia tese bizarra e neolibelês (ver no ABC do C Af: Açougueiros do neolibelismo): os que votaram no Brexit foram os velhos (só faltou dizer "gagás") e os trabalhadores desqualificados (aqui, a CBN e os tucanos chamariam de "nordestinos").

Como sobreviveram a Auschwitz, preferiram  - imaginou o passageiro - se livrar da Merkel.

Póóóde, amigo navegante?

Para entender esse impasse entre o que Stalin chamaria de "ambos são piores", nada como a breve aula dos professores Luís Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, no PiG cheiroso:

Admirável Mundo Velho     

A saída do Reino Unido da União Europeia parece ser um episódio nos eventos que apontam mudanças de grande alcance na dinâmica da economia mundial. As conexões entre a fratura na União Europeia e o discurso de Donald Trump são mais evidentes, mas a questão de fundo são as desconexões provocadas pela globalização, como afirmamos antes do Brexit:

“O nacionalismo xenófobo de Donald Trump nos EUA, o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a tensão entre a Alemanha e a política monetária do Senhor Mario Draghi na Zona do Euro, e o Japão à beira da recessão e a desaceleração chinesa são sintomas dos achaques e estertores que acometem o arranjo geoeconômico erigido nos últimos 40 anos. ”

A globalização provocou uma verdadeira revolução na estrutura econômica mundial. As transformações concomitantes não são consideradas nos papers de macroeconomia ou são apresentadas como processos desconexos.

A articulação entre os fatores que impulsionaram a expansão da economia globalizada envolve: 1)  o crescimento continuado dos fluxos brutos de capitais para o mercado americano; 2) a migração da produção manufatureira para os países de baixo custo da mão de obra; 3) o acirramento da concorrência entre as grandes empresas que impulsiona a nova distribuição espacial da produção globalizada; 4) a concomitante hiperindustrialização, ou seja, a aceleração da automação na manufatura,  na agricultura  e nos serviços; 5) a formação de bolhas sucessivas de valorização dos ativos reais e financeiros apoiada na “alavancagem” financeira; 6) a insignificante evolução dos rendimentos dos trabalhadores, cada vez mais “precarizados” e menos assalariados; 7) a consequente ampliação das desigualdades; 8) o endividamento excessivo das famílias nos Estados Unidos e na “periferia” europeia; 9) a degradação dos sistemas progressivos de tributação e o encolhimento da proteção social; 10) a persistência de déficits fiscais alentados e a expansão das dívidas dos governos.

As economias centrais se contorcem nas angústias da ruptura do circuito de formação do emprego e da renda. Em seu formato “fordista” esse circuito era ativado pela demanda de crédito para financiar o gasto dos empresários confiantes nos efeitos recíprocos da expansão da renda no conjunto de atividades que se desenvolviam nos espaços nacionais, a partir da generalização dos métodos de produção industriais, seja nos serviços ou na agricultura.
Em seu progresso contraditório, a redistribuição espacial da manufatura e a hiperindustrialização engendram a precarização, a queda dos rendimentos dos trabalhadores e, assim, reduzem a capacidade de difusão do gasto das empresas e desestimulam a demanda. No último ciclo de euforia global, as famílias submetidas à lenta evolução dos rendimentos, sustentaram a expansão do consumo na vertiginosa expansão do crédito. A partir da crise, o circuito de formação da renda na economia como um todo começa a falhar, dando origem ao período da Grande Recessão.

O capitalismo “social” e “inter-nacional” do imediato pós-guerra transfigurou-se no capitalismo “global”, “financeirizado” e “desigual ”. As políticas econômicas “internas” estão limitadas pela busca de condições atraentes para os capitais em movimento.
A desarticulação econômica descortina uma nova fase, marcada por desencontros nas relações entre o modo de funcionamento dos mercados globalizados e os espaços jurídico-políticos nacionais ou apenas parcialmente “internacionalizados”, como é o caso da União Europeia e, pior, da Zona do Euro. É duvidosa a viabilidade de soluções unilaterais. Como afirmou Yanis Varoufakis ao justificar sua posição contrária à saída da UE: “é improvável que sair vá leva-lo aonde você estaria econômica e politicamente, se não houvesse entrado. ”

O filósofo Slavoj Zizek recorreu a uma resposta de Stalin nos anos vinte: “Quando perguntaram ao ditador o que é pior, a direita ou a esquerda, ele respondeu que ‘ambas são piores’. Esta é minha primeira reação à questão de sair ou não sair da União Europeia.”
Ante o nervosismo da insegurança econômica, se eleva a polarização política, fomentada pelo crescimento da massa daqueles que tiveram suas condições de trabalho e vida precarizadas na senda da arbitragem geográfica de salários, impostos, câmbio e juros pela finança globalizada. Mike Whitney divulgou estudo recente do Pew Research Center, estimando apenas 38% dos franceses com uma visão favorável da União Europeia (em 2004 eram 69%), na Espanha as opiniões favoráveis representam 47% da população (em 2007 eram 80%).

Os subempregados e precários estão se lixando para o que pensam os economistas que alertavam para os riscos do Brexit. Os “irracionais” querem os empregos de volta. O cenário lembra o “fechamento” das economias nos anos da Grande Depressão. Vale revisitar o texto do Tariff Act da lei americana Smoot-Hawley de 1930, que elevou brutalmente as tarifas e lançou o comércio internacional na derrocada deflacionária.

A polarização política exprime de forma dramática a ruptura das relações mais “equilibradas” entre os poderes do “livre mercado” e o resguardo dos direitos econômicos e sociais dos cidadãos desfavorecidos.   

As presentes dores e convulsões impelidas às democracias ao redor do globo só receberão sentido histórico se forem capazes de refundar conceitos e práticas, se puderem reestabelecer nexos entre o povo, a mídia, os políticos e as políticas públicas. Desconfiamos que o mundo não padeça apenas sofrimentos de uma crise periódica do capitalismo, mas, sim, as dores de um desarranjo nas práticas e princípios que sustentam a vida civilizada.

Não custa um gesto de humildade intelectual e reler o clássico de Karl Polanyi, A Grande Transformação.