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Mangabeira explica o ajuste. E o que fazer depois dele

O ajuste não é agenda... é mera preliminar
publicado 13/04/2015
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Raymundo Costa fez no Valor fecunda entrevista com Mangabeira Unger, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Aos poucos, Mangabeira expõe suas ideias, como fez recentemente sobre a tentativa de tornar do Brasil um mercado de trabalho menor e tão mal remunerado quanto o da China.

Na entrevista dessa segunda-feira (13/4), ela explica – como ninguém, antes – o ajuste e o que fazer depois dele.

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Não esquecer que, nessa mesma função ministerial, Mangabeira – sem querer – desempenhou papel salvador: ao receber do Presidente Lula a função de formular ideias sobre a Amazônia, acelerou a demissão da Bláblárina, o que foi relevante serviço prestado à Nação.

Nessa entrevista de hoje, ele se refere a “déspotas administrativos”, de forma elegante …, digamos assim:

O nosso direito ambiental não existe. Não existe um direito ambiental substantivo. Existe um direito quase exclusivamente processual, que delega poderes discricionários praticamente ilimitados a um elenco de pequenos déspotas administrativos. Não estou tratando nem de um outro aspecto, que são os órgãos de controle como os tribunais de contas, o Ministério Público. É uma perseguição permanente à atividade criativa do país. Empoderamos esta elite política e judiciária, ao mesmo tempo em que criamos um vácuo de regras, e portanto nos colocamos sob a ditadura desses juízes sem lei. Isto é um impedimento intransponível à democratização da economia de mercado e ao produtivismo includente.

Sobre o ajuste:



Há duas narrativas a respeito do ajuste. Uma é falsa.

Valor: Qual?


Mangabeira: Ela está resumida na doutrina da confiança financeira. Segundo essa visão, o ajuste seria necessário para ganhar confiança financeira para trazer o investimento para gerar crescimento. A doutrina da confiança financeira é uma magia que não tem respaldo na realidade, basta ver a situação da Europa, entregue agora, simultaneamente, à austeridade e à estagnação. A narrativa correta a respeito do ajuste é o inverso da doutrina da confiança. O ajuste é para permitir ao governo e ao país não depender da confiança financeira.

Valor: Uma não leva à outra?

Mangabeira: Não, é o oposto. É para que o governo e o país não fiquem de joelhos e tenham margem de manobra. Para que os incentivos econômicos não fiquem desorganizados e para que o Estado possa reafirmar a sua faculdade de iniciativa estratégica. É para isso que precisamos do ajuste. O ajuste não é agenda e não é projeto. É mera preliminar. A minha tarefa é ajudar a presidente e o governo a construir uma agenda pós-­ajuste.

(…)

O que não é possível é exigir sacrificios do país sem explicar para que é o sacrificio.

(…)

Valor: Em tempos de ajuste, há dinheiro para esse projeto?

Mangabeira: Não é correta a visão de que a limitação mais importante seja dinheiro. A nossa limitação mais importante é falta de clareza a respeito do caminho. Desde que tenhamos clareza a respeito do caminho, todas as restrições materiais serão suscetíveis de manejo. O importante é compreender o caminho e os primeiros passos.

Valor: Pode fazer um resumo?

Mangabeira: Este projeto eu distinguiria em três grandes capítulos. A primeira parte são inovações destinadas a ampliar as oportunidades econômicas, o acesso às oportunidades produtivas. É o que chamo de produtivismo includente. O segundo capítulo são iniciativas destinadas a assegurar um contexto macroeconômico favorável a essas iniciativas institucionais de democratização de oportunidades econômicas. O terceiro capítulo é a qualificação do ensino básico

Valor: O que é produtivismo includente?


Mangabeira: São três conjuntos de iniciativas capazes de compor a agenda do produtivismo includente. O primeiro se destina a qualificar. Há centenas de milhares de pequenos e médios empreendimentos no país, mas a vasta maioria está afundada nesse primitivismo produtivo, sem acesso a crédito, à tecnologia e a práticas avançadas. Não basta ter uma agenda simplificadora, a antiga agenda Hélio Beltrão, para aliviar o ônus tributário e regulatório que pesa sobre os empreendedores, é preciso também ter uma agenda qualificadora. Nas grandes economias do mundo, as maiores empresas estão cercadas por uma periferia de empresas menores, porém vanguardistas, que acalentam as inovações mais radicais. A nós falta esta periferia vanguardista. Nós temos que criá­-las.

Valor: Com subsídio?

Mangabeira: O subsídio não é o instrumento mais importante. O mais importante é o acesso ao crédito, à tecnologia e às práticas avançadas. É isso o que nós temos que fazer. Não é a distribuição de subsídios. É a institucionalização do acesso. É uma parceria entre os governos e os empreendimentos emergentes em que o objetivo é a qualificação e o método é a ampliação do acesso destinado a qualificá­-las. Ao contrário do que nós temos muitas vezes no Brasil, que é a distribuição de favores a um pequeno grupo de apaniguados.

Valor: O horizonte são apenas as pequenas e médias empresas?

Mangabeira: Até mesmo as nossas maiores empresas não têm muitas das tecnologias dos processos produtivos complexos que estão difundidos em países como a China. E não têm porque são especializadas ­ empresas como a Petrobras ou a Vale ­ no aproveitamento de recursos naturais. A organização de um choque de ciência e tecnologia é um imperativo para todas as empresas.

Valor: E o segundo conjunto?

Mangabeira: Tem a ver com o mundo das relações entre o capital e o trabalho. A informalidade diminuiu no Brasil. Era 60%, agora é mais ou menos 40%. Mas na economia formal a precarização aumentou. Nós temos no Brasil, como ocorre em muitos países do mundo, uma proporção crescente de trabalhadores em situações precarizadas do trabalho temporário, terceirizado ou o auto­emprego. Esses trabalhadores estão além da proteção eficaz das leis. Não podemos progredir apostando em trabalho precarizado, desqualificado e desprotegido. Temos que criar, ao lado do direito do trabalho existente, um segundo corpo de regras destinado a governar esse novo mundo de relações produtivas. O trabalho voltou a ser organizado com base em uma rede de relações contratuais descentralizadas, como era antes do século 19, mas agora em nível global, com a decomposição do processo produtivo e sua delegação a equipes de trabalhadores espalhados pelo mundo. Nós temos que escolher se essa nova forma de organizar o trabalho vai resultar em insegurança econômica radical para a maioria ou se vai ser tomada por um novo regime que evite essa insegurança. Eu tenho dito sempre que nós não podemos prosperar como uma China com menos gente, jogando os trabalhadores brasileiros na insegurança radical. Para isso nós precisamos de uma grande iniciativa.

Valor: Os marcos regulatórios trabalhistas estão desatualizados?


Mangabeira: O direito tradicional do trabalho não alcança essa nova realidade. Não é correto entender essas formas precarizadas de trabalho como mera evasão fraudulenta das leis. É um novo paradigma produtivo que está emergindo e continuará a emergir em todo o mundo. Nós não conseguiremos evitá-­lo.

Valor: O que é preciso?

Mangabeira: Um novo direito. É isso que tenho argumentado à presidenta da República: assim como Getulio Vargas criou a CLT, marco histórico do seu regime, agora teria que haver uma outra iniciativa de igual dimensão histórica. Não custa um centavo. É uma ação normativa. É criar um novo conjunto de regras. O terceiro aspecto tem a ver com a criação do contexto jurídico institucional desse produtivismo. Os produtores, sobretudo os pequenos e médios, vivem um pesadelo permanente de falta de segurança jurídica e de regras.

(Sobre a agenda pós-ajuste, do ponto de vista econômico)


Primeiro, deixar que a depreciação cambial siga o seu curso, sem tisná­lo, sem maculá­-lo. O real ainda está mais caro do que convém aos interesses do país. Nós temos um regime de câmbio flutuante. Deixemos flutuar. Em segundo lugar prover compensações tributárias para os efeitos da depreciação cambial para os importadores de bens de capital, sobretudo de tecnologias avançadas. Nós precisamos dessas tecnologias. Temos ainda no Brasil o preconceito mercantilista. Exportar é bom, importar é ruim. Não é verdade. As nossas mais exitosas empresas, como a Embraer, são as empresas que exportam e importam muito. Se as importações fossem um problema, a política econômica correta seria afundar os navios que nos trazem tudo de volta. O terceiro ponto desse contexto macroeconômico ­ e aí sou eu que defendo, não consegui convencer os meus colegas da veracidade desse ponto de vista ­, é o abandono unilateral de todas as restrições tarifárias e não tarifárias à importação de bens de capital. Não podemos avançar, se as tecnologias importantes custam em São Paulo o dobro do que custam em Nova York ou em Pequim.

(…)

Em quarto, o realismo fiscal. Não para homenagear os interesses financeiros, mas para ter autonomia estratégica. O quinto, facultado pela disciplina fiscal, é a possibilidade de manter uma pressão para baixo na taxa de juros, no custo do dinheiro para o investimento. Esses cinco pontos são os elementos essenciais de um ajuste fiscal ampliado, a base macroeconômica para assegurar a fecundidade das ações que vão assegurar o espaço para o produtivismo includente.


(…)

Valor: A Pátria Educadora é só um lema ou será o grande salto que há anos se espera na educação?

Mangabeira: O projeto que comecei a formular e discutir tem quatro grandes eixos. O primeiro é organização da cooperação federativa em educação. O governo federal só pode avançar em educação organizando a maneira de cooperar com os Estados e municípios. Nós não temos na educação algo semelhante ao SUS em Saúde. O SUS é o exemplo mais acabado de federalismo cooperativo. O segundo eixo é a transformação do paradigma curricular e pedagógico. O terceiro é um conjunto de iniciativas para qualificar os professores e diretores para administrar o ensino analítico. Estamos discutindo a construção de centros regionais de qualificação avançada de professores em meio de carreira. O quarto eixo do projeto é o aproveitamento de tecnologias e técnicas como são as aulas em vídeo e os softwares progressivos e interativos


Valor: Isso vai se transformar numa proposta, em que prazo?

Mangabeira: Já é uma proposta. É uma obra em construção que está sendo debatida no governo. Eu tenho confiança que o novo ministro da Educação vai participar com entusiasmo da construção desse projeto. É um projeto com o qual a presidenta se comprometeu, inclusive em discurso público. É ela que vai conduzir esse projeto.