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Leblon e Lula: quem sabe faz a hora

Ao dar uma de suas mais contundentes entrevistas aos blogueiros, Lula sinalizou um novo divisor ao PT, ao governo e à campanha.
publicado 09/04/2014
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O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:


Lula: quem sabe faz a hora



Ao dar uma de suas mais contundentes entrevistas através da rede de blogs e sites progressistas, Lula sinalizou um novo divisor ao PT, ao governo e à campanha.

por: Saul Leblon

O presidente da Suprema corte do país mantém um líder político encarcerado há três meses, em ilegal e ostensiva afronta ao desfecho do processo  do qual foi o relator e no qual o condenado teve o benefício do regime semiaberto.

A mídia ‘isenta’ trata o escárnio  jurídico incomum como um fato da natureza.

A prisão do líder da extrema direita venezuelana, Leopoldo López, acusado de incitar a violência que causou inúmeras mortes no país, ademais de liderar atentados a prédios públicos, incluindo-se a edificante prática de incinerar universidades, ensejou mais indignação nas páginas dos veículos isentos do que o aleijão  jurídico a que é submetido o ex-ministro José Dirceu.

A produção industrial cresceu pelo segundo mês consecutivo em fevereiro, mais 0,4% ; já havia avançado  3,8% em janeiro. O resultado sopra vento a contrapelo das dificuldades reais e magnificadas do setor manufatureiro.

A mídia especializada trata o fato como um segundo ponto fora da curva granítica do ’Brasil aos cacos’; não concede o benefício sequer da reflexão aos fatos, independente do quanto eles gritem nas estatísticas.

A presidente do Fed norte-americano, Janet Yellen,  reafirmou esta semana, pela terceira vez consecutiva, que  as fragilidades do sistema produtivo  e, sobretudo, as inconsistências de um mercado de trabalho dominado pelo vínculo precário, exigirão a persistência de juros muito baixos nos EUA  –mesmo depois de flexibilizada a taxa, e por um longo período.

A mídia dá de ombros e continua a alardear a ‘iminente’ alta do custo do dinheiro  nos EUA.

O argumento reitera a lógica da reversão do fluxo de capitais no mundo, em prejuízo das contas externas brasileiras, já pressionadas pelo  déficit comercial.
Detalhe: enquanto isso,  o dólar derrete no país sob a pressão de ingressos recordes de capitais especulativos, que vem  engordar no pasto dos juros altos defendidos pela mesma mídia.

O presidente Nicolas Maduro incorpora a mediação da Unasul e dá seguidas demonstrações de disposição para negociar uma trégua com grupos oposicionistas.
A mídia continua a desdenhar da Unasul  --bom é a OEA dominada pelo interesse dos EUA--  e a  descrever o governo venezuelano  como um descendente direto das ditaduras trogloditas latino-americanas  que ela nunca hesitou em apoiar.

À  líder da extrema direita, María Corina, que recusa o diálogo proposto por Maduro, do qual fará parte  Capriles, o dispositivo midiático conservador concede um tratamento de estadista em sua passagem pelo Brasil esta semana.

O metrô de São Paulo comparece dia sim, dia não nas páginas isentas do noticiário conservador como palco de panes e outros evidentes sintomas de saturação estrutural.

Ninguém diz ‘imagina na Copa’ para essa obra ilustrativa do apuro administrativo tucano.

Neste caso também, a anomalia é  reportada como evento da natureza.

A dificuldade em associar o colapso operacional do metrô paulista a outro fenômeno  sistêmico --a lambança entre carteis e licitações fraudulentas  em uma década e meia de administração tucana na empresa—é flagrante.

A longa sedimentação desse condomínio de interesses lesou o cofre público bandeirante com um sobrepreço ora aventado em torno de 30%.

Repita-se: durante década e meia. Período no qual a rede metroviária da capital avançou a passo de tartaruga manca  para somar hoje  fantásticos 74 km de trilhos: 1/3 da malha mexicana, que começou junto.

Há enorme abismo entre o que o jornalismo conservador  relata e a efetiva relação causal entre as  paralelas da ineficiência e da corrupção. Ambas sistêmicas e longevas abarcando gestões de Covas, Serra e do atual governador, Geraldo Alckmin –candidato a protagonizar duas décadas do PSDB no comando do metrô.

A mesma dificuldade não acomete o ímpeto investigatório da mídia no caso da polêmica compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás.

As conexões com os habituais doleiros e  lavadores de recursos são garimpadas, ou inferidas, com a isenção sabida, e a avidez costumeira.

Note-se, ademais, que no caso da Petrobras o subtexto da ‘estatal controlada pelo petismo’ serve como denuncia subliminar  do ‘intervencionismo da Dilma’. Ademais de redimir –indiretamente—a agenda privatista do PSDB contra a empresa.

Uma pergunta  argui o colunismo da indignação seletiva: que ilação histórico-ideológica poderíamos extrair da união estável entre cartel privado e governos liberais conservadores do PSDB em São Paulo?

O cartel é a forma de planejamento hegemônica em nosso tempo. Uma forma de planejamento privado da sociedade pelo capital. Ou a serviço do capital.

Cada vez mais, grandes corporações substituem a concorrência pelo rateio clandestino de cotas em uma licitação. O ilícito assegura lucros robustos de oligopólio a cada um dos participantes da operação fraudulenta.

Imperasse a livre concorrência, os custos desabariam.

O lucro seria da sociedade, ao contrário do que ocorre em São Paulo há uma década e meia, em que os cofres públicos pagam o sobrepreço do  butim.

Tão ou mais grave, porém,  foi  o assalto paralelo que a mídia praticou  ao longo destes anos, contra o discernimento crítico da sociedade.

O alarido do cartel midiático contra tudo o que exalasse o mais tênue aroma do interesse público e da participação estatal na economia revestia de ares de  eficiência –inquestionável—a lambança que os titãs do neoliberalismo nativo e os cartéis privados cometiam contra o interesse público.

No jogral que nunca desafina, em diuturna catequese ‘informativa’, lá estava a turma do choque de gestão; os liquidacionistas da era Vargas; os trovadores do Estado mínimo; o pelotão antigasto público; os áulicos das finanças desreguladas; os vigilantes do ‘superávit cheio’; os algozes do BNDES; os prosadores da desindustrialização virtuosa (concorrência livre); os mariners do ‘custo Brasil’; os porta-vozes da república rentista...

Os mesmos  que agora se escandalizam com Pasadena,  mas se mostram comedidos quando se trata de responsabilizar os altos escalões da queijaria suíça nas licitações do metrô tucano.

Conceda-se o mérito da coerência ao jornalismo conservador.

É exemplar a forma comedida com que trata  personagens como o guarda-livros do rateio do metrô, o impoluto vigilante das contas estaduais tucanas, Robson Marinho, por exemplo.

Estratégico integrante do Tribunal de Contas do estado, do qual já foi presidente, Robson Marinho, teve  sua singela vida bancária foi estourada pela justiça suíça.

Nem por isso o Jornal Nacional exibiu as imagens aéreas da ilha e dos dois edifícios de propriedade do tucano detentor de saldo de US$ 1 milhão em casa bancária de Genebra.

O Estado mínimo que tem na mídia isenta um centurião  das suas virtudes  é o escopo desse enlace de pautas, interesses e ética.

A cansativa rememoração desses  paradoxos pinçados a esmo entre as inúmeras demonstrações de isenção do jornalismo conservador  remete a certas constatações que, a julgar pela entrevista do ex-presidente Lula nesta 3ª feira, passaram –finalmente-- a ordenar a agenda progressista.

A saber: não há a menor hipótese de se contar com uma nesga de imparcialidade na mediação que o dispositivo midiático faz e fará da disputa política sangrenta em curso no país.

O  espaço de diálogo do governo e do PT com a sociedade terá que ser urgentemente pavimentado e ampliado através de outros canais.

Ao dar uma de suas mais contundentes entrevistas à rede de blogs e sites progressistas, o ex-presidente Lula sinalizou um precedente às demais instancias do partido, do governo e dos responsáveis pela campanha da reeleição da Presidenta Dilma.

É crucial que o recado seja entendido  e incorporado.

Mais que isso. Lula  fez um visceral apelo à luta  política, aquela que condiciona o passo seguinte do país  ao engajamento da sociedade.

O exemplo deve começar por quem tem  a responsabilidade de liderar o processo: o próprio PT.

A campanha eleitoral deve servir a isso. Ou não servirá a nada.


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