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Boff: Barbosa 'aprisionou a verdade na injustiça'

Uma justiça sem venda, sem balança e só com a espada?
publicado 03/12/2013
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Leonardo Boff, extraído do site Macro ABC:


Leonardo Boff: Joaquim Barbosa 'aprisionou a verdade na injustiça'



Uma justiça sem venda, sem balança e só com a espada?


Tradicionalmente a Justiça é representada por uma estátua que tem os olhos vendados para simbolizar a imparcialidade e a objetividade; a balança, a ponderação e a equidade; e a espada, a força e a coerção para impor o veredito.

Ao analisarmos o longo processo da Ação Penal 470, que julgou os envolvidos na dita compra de votos para os projetos do governo do PT, dentro de uma montada espetacularização mediática, notáveis juristas, de várias tendências, criticaram a falta de isenção e o caráter político do julgamento.

Não vamos entrar no mérito da Ação Penal 470 que acusou 40 pessoas. Admitamos que houve crimes, sujeitos às penas da lei. Mas todo processo judicial deve respeitar as duas regras básicas do direito: a presunção da inocência e, em caso de dúvida, esta deve favorecer o réu.

Em outras palavras, ninguém pode ser condenado senão mediante provas materiais consistentes; não pode ser por indícios e ilações. Se persistir a dúvida, o réu é beneficiado para evitar condenações injustas. A Justiça como instituição, desde tempos imemoriais, foi estatuída exatamente para evitar que o justiçamento fosse feito pelas próprias mãos e inocentes fossem injustamente condenados, mas sempre no respeito a estes dois princípios fundantes.

Parece não ter prevalecido, em alguns Ministros de nossa Corte Suprema, esta norma básica do Direito Universal. Não sou eu quem o diz mas notáveis juristas de várias procedências. Valho-me de dois de notório saber e pela alta respeitabilidade que granjearam entre seus pares. Deixo de citar as críticas do notável jurista Tarso Genro por ser do PT e Governador do Rio Grande do Sul.

O primeiro é Ives Gandra Martins, 88 anos, jurista, autor de dezenas de livros, Professor do Mackenzie, do Estado Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra. Politicamente se situa no pólo oposto ao PT sem sacrificar em nada seu espírito de isenção. No dia 22 de setembro de 2013 na FSP, numa entrevista à Mônica Bérgamo, disse claramente com referência à condenação de José Dirceu por formação de quadrilha: todo o processo lido por mim não contém nenhuma prova. A condenação se fez por indícios e deduções com a utilização de uma categoria jurídica questionável, utilizada no tempo do nazismo, a “teoria do domínio do fato.” José Dirceu, pela função que exercia, “deveria saber”. Dispensando as provas materiais e negando o princípio da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, foi enquadrado na tal teoria. Claus Roxin, jurista alemão que se aprofundou nesta teoria, em entrevista à FSP de 11/11/2013, alertou para o erro de o STF tê-la aplicado sem amparo em provas. De forma displicente, a Ministra Rosa Weber disse em seu voto:"Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite". Qual literatura jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl Schmitt? Pode uma juíza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade ético-jurídica?

Gandra é contundente: "Se eu tiver a prova material do crime, não preciso da teoria do domínio do fato para condenar". Essa prova foi desprezada. Os juízes ficaram nos indícios e nas deduções. Adverte para a “monumental insegurança jurídica” que pode a partir de agora vigorar. Se algum subalterno de um diretor cometer um crime qualquer e acusar o diretor, a este se aplica a “teoria do domínio do fato” porque “deveria saber”. Basta esta acusação para condená-lo.

Outro notável é o jurista [Celso] Antônio Bandeira de Mello, 77, professor da PUC-SP, na mesma FSP do dia 22/11/2013. Assevera: "Esse julgamento foi viciado do começo ao fim. As condenações foram políticas. Foram feitas porque a mídia determinou. Na verdade, o Supremo funcionou como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da curva".

Escandalosa e autocrática, sem consultar seus pares, foi a determinação do Ministro Joaquim Barbosa. Em princípio, os condenados deveriam cumprir a pena o mais próximo possível das residências deles. “Se eu fosse do PT” – diz Bandeira de Mello – “ou da família pediria que o presidente do Supremo fosse processado. Ele parece mais partidário do que um homem isento”. Escolheu o dia 15 de novembro, feriado nacional, para transportar para Brasília, de forma aparatosa, num avião militar, os presos, acorrentados e proibidos de se comunicar. José Genoíno, doente e desaconselhado de voar, podia correr risco de vida. Colocou a todos em prisão fechada mesmo aqueles que estariam em prisão semi-aberta. Ilegalmente prendeu-os antes de concluir o processo com a análise dos “embargos infringentes”.

O animus condemnandi (a vontade de condenar) e de atingir letalmente o PT é inegável nas atitudes açodadas e irritadiças do Ministro Barbosa. E nós tivemos ainda que defendê-lo contra tantos preconceitos que de muitas partes ouvimos pelo fato de sua ascendência afro brasileira. Contra isso afirmo sempre: “somos todos africanos”porque foi lá que irrompemos como espécie humana. Mas não endossamos as arbitrariedades deste Ministro culto mas raivoso. Com o Ministro Barbosa a Justiça ficou sem a venda porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não foi equilibrado. Só usou a espada para punir mesmo contra os princípios do direito. Não honra seu cargo e apequena a mais alta instância jurídica da Nação.

Ele, como diz São Paulo aos Romanos: "aprisionou a verdade na injustiça" (1,18). A frase completa do Apóstolo, considero-a dura demais para ser aplicada ao Ministro.

* Leonardo Boff é ativista, escritor, filósofo e teólogo. Foi professor de Ética na UERJ e escreveu Ética e Moral: em busca dos fundamentos, Vozes, 2003.