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Santayana: quis Gilmar evitar um incêndio ?

O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana: Um encontro comum e a falsa crise.
publicado 29/05/2012
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana, extraído do JB online:

Um encontro comum e a falsa crise


por Mauro Santayana


Tentemos examinar os fatos – como eles estão sendo narrados. Admitamos, como certo,  por ser possível, ainda que pouco provável, o divulgado diálogo de Lula com o Ministro Gilmar Mendes, no escritório do advogado Nelson Jobim, amigo de ambos - mesmo que Jobim o tenha desmentido e de forma definitiva. A versão de Gilmar é a de que Lula lhe falou na necessidade  de adiar-se o julgamento, pelo STF, do processo  de que são réus, entre muitos outros, alguns membros do PT, e que tenha lembrado a Gilmar a ainda não esclarecida viagem do Ministro e do Senador Demóstenes Torres a Berlim.


Até aqui, tudo no terreno do possível, nada há de estranho, nem qualquer deslize da parte de Lula. Sendo negócio de homens, e não de anjos, a política, desde que o mundo existe, é conversa, que admite pressões e contrapressões.    E o ato político se faz, para o bem e para o mal, mediante pactos. Nada se pactua sem conversa prévia, mesmo que isso desagrade a muitos cidadãos. Não houvesse pactos políticos sigilosos, a História seria sempre um rio fétido de sangue.


Nós temos, na crônica quase recente do país, o processo de redemocratização como exemplo dos pactos sigilosos. Foi necessário que, de um e de outro lado, os moderados se movessem e conversassem, quase sempre à sombra do segredo e da confiança dos interlocutores, para que se dessem os passos na direção da retomada do estado de direito. Os extremados, de um lado e do outro do espectro político, condenaram esses esforços de pacificação nacional, crendo que, se não os houvesse, a facção a que pertencem teria obtido a vitória final e construído o estado que pretendiam perfeito. Sem a ação de Tancredo e outros, por quantos anos mais teríamos que esperar pela liberdade de imprensa, pela liberdade partidária e pelo direito do voto direto para os cargos executivos?


Não façamos de Lula um congregado mariano. Os homens são o que deles fazem a sua experiência. Lula foi obrigado, desde menino, a negociar a sobrevivência, e nisso se baseou para construir sua biografia política.  Nesse caso particular, se fez o que lhe é atribuído, agiu, em nosso juízo, de forma equivocada, de maneira a lhe trazer, como está trazendo,  mais custos do que benefícios. Gilmar não era o melhor interlocutor no STF, entre outras razões por ser uma figura controvertida na opinião pública e entre os seus pares.


Queiramos ou não queiram os puristas, é assim que se faz política.


Há, e deve ser registrada,  uma diferença de personalidades,  entre Gilmar e Jobim, que deve ser lembrada: Jobim conhece algumas regras de convívio político e humano,  das quais o controvertido ministro do Supremo parece jejuno. Não sendo provável que Lula tenha confidenciado a alguém o encontro com Gilmar e Jobim -  e tampouco que Jobim haja descurado de seus deveres de anfitrião  para narrar o diálogo, ainda mais porque o negou - que fonte  abasteceu a revista que o reproduziu? Não podemos cair na sedução fácil de admitir que Carlos Cachoeira tenha mandado um de seus agentes dissimular-se em poltrona,  ou colocar um microfone oculto no escritório de Jobim. Ele e seu homem de confiança para tais assuntos, o famoso Dadá, já se encontravam presos. Segundo as versões correntes, Gilmar revelou a alegada conversa com Lula ao Procurador Geral da República e a outras autoridades, antes que a revista semanal a divulgasse.


Nelson Jobim desmente, de forma irrestrita, o diálogo revelado pelo Ministro Gilmar Mendes. Mais do que o desmentido, Jobim abre uma fímbria do manto que cobre as razões do Ministro do Supremo para apregoar o encontro, ao fazer a observação singela, em entrevista ontem divulgada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre:


- É estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo.


Excluindo-se a possibilidade de que tudo não tenha passado de uma trama entre Gilmar e Nelson Jobim, o que  faria deles dois patifes - o que não são - a quem interessou a divulgação do encontro, um mês depois? O terreno das hipóteses é movediço, mas instigante. Uma delas, que está circulando pelas esquinas excitadas da internet, é a de que Gilmar (diante de versões correntes e que o comprometem mais além de viagens à antiga capital da  Prússia, e que podem surgir durante a CPI),  esteja, com sua experiência rural, fazendo um aceiro, para evitar que o incêndio da CPI atinja os seus pastos. E se Gilmar se considerava grande amigo de Lula – a ponto de as duas famílias se encontrarem com freqüência, como se noticia – por que revelar uma conversa íntima, pessoal, que compromete o ex-presidente como um interessado em que o STF  adie um julgamento?


Há quem veja, nas razões de Lula – a ter como verdade o que se noticia – propósito político explicável: coincidindo a realização da CPI com o julgamento do STF, todo o interesse dos meios de comunicação estaria concentrado no mensalão, desviando para um segundo plano as investigações mais amplas do sistema de corrupção do Estado, que envolve os 3 poderes republicanos. É uma tese. O que o Brasil espera é que, tanto em um caso como no outro, tanto no processo que o STF julgará, como na CPI que se instaurou, a verdade seja conhecida.


Há o propósito de transformar o episódio do encontro em uma crise política que atinja o governo – e não há crise alguma.   O conhecimento público do episódio não altera o quadro político, não muda seu desenvolvimento, que vai depender das revelações a vir. O novelo é denso, e seu tamanho exato só será conhecido quando toda a trama for desfeita. É necessário que os homens de bem estejam preparados, a fim de impor o bom-senso e encontrar a salvação do Estado, depois das revelações temidas e imaginadas.