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A Lei nem a Justiça devem dizer o que publicar

O Ministério Público Eleitoral moveu representação contra este ordinário blogueiro.
publicado 22/11/2010
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O Ministério Público Eleitoral, onde se destacou o trabalho da Dra Sandra Cureau, um dos personagens centrais dessa eleição de 2010 – clique aqui para ler “Mino Carta responde a Sandra Cureau” – moveu representação contra este ordinário blogueiro por divulgar uma charge que tratava da candidata Dilma Rousseff.

A decisão proferida pelo Ministro Henrique Neves da Silva foi exemplar e deve fazer parte do cânone que, daqui em diante, avalie os processos que atentem contra a liberdade de expressão, especialmente na internet.

Este ordinário blogueiro recomenda à Judith Brito, presidente da ANJ e auto-proclamada líder da oposição no Brasil, que encaminhe a decisão do Ministro Henrique Neves a seu Departamento Jurídico, para próximos embates contra os que ameacem a “liberdade de imprensa” dos donos da imprensa.

(O que é muito diferente de “liberdade de expressão”, como se sabe.)

Também eles podem precisar do Ministro Henrique Neves.

Disse o Ministro Henrique Neves:   

Não cabe, nem à Lei, nem ao Poder Judiciário definir qual matéria jornalística ou informação deve ser publicada e divulgada pela imprensa, seja ela escrita ou eletrônica. Os eventuais abusos que sejam cometidos no exercício da atividade jornalística devem ser apurados pelos meios próprios.


Clique aqui para ir à aba “Não me calarão”.

Leia aqui a íntegra da decisão:

Recurso na Representação nº 3477-76.2010.6.00.0000

Representante: Ministério Público Eleitoral

Representados: Paulo Henrique dos Santos Amorim e Outros

Advogados: César Marcos Klouri e outras

Relator: Ministro Henrique Neves da Silva



Relatório


O Ministério Público Eleitoral, provocado por denúncia de eleitor, ajuizou representação contra PHA Comunicação e Serviços S/C Ltda., Paulo Henrique dos Santos Amorim e Geórgia Pinheiro, alegando que a veiculação irregular de propaganda eleitoral em favor da candidata Dilma Rousseff em sítio de internet mantido por pessoa Jurídica, por constar, em parte de página da internet, no endereço www.conversaafiada.com.br, os seguintes dizeres:


“Tem que ser de goleada!

Dilma 13

Para o Brasil Continuar Vencendo!”


A inicial apontou infração à regra do art. 57-C, § 1º,  I, da Lei 9.504/97, requereu a aplicação da multa prevista no § 2º do referido dispositivo e foi instruída com cópias da alegada propaganda (fl. 5), das páginas do sítio, do registro do domínio e do CNPJ.


Notificados, os representados apresentaram defesa em peça única. Arguíram a inépcia da petição inicial, pois “em momento algum restou caracterizado que o conteúdo veiculado no referido sítio eletrônico seria, de fato, propaganda eleitoral”.


A defesa sustentou que somente foi veiculado  “pensamento de internauta, informação essa salientada na aludida matéria jornalística com a seguinte assertiva: ‘O Conversa Afiada reproduz e-mail que recebeu do amigo navegante Sérgio Malta...’, de tal sorte inexistir qualquer conotação pessoal objetivando publicidade eleitoral em benefício de certo postulante ao cargo de Presidente da República” (fl. 21).


Os representados afirmaram também que “não se pode perder de vista que o jornalista e a imprensa, atuando no âmbito das liberdades de comunicação, exercem suas funções com a finalidade de tão somente dinamizar as discussões sociais acerca dos diferentes acontecimentos de ordem pública e social (no caso, as eleições presidenciais de 2010), e não para tomar partido de políticos ou candidatos, fazendo propaganda eleitoral para promoção dos aspirantes aos cargos públicos”.


Citaram o artigo 5º, IX, da Constituição Federal para invocar a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, o art. 220 para discorrer sobre a liberdade de imprensa e reproduzem o teor do art. 57-D da Lei 9.504/97. Aduziram, ainda, que “[...] o bloco, que possui como principal característica a interação com os leitores, sendo considerado na atualidade uma fonte indispensável de informação e entretenimento, ao divulgar na rede mundial de computadores textos jornalísticos de interesse nacional (eleições presidenciais brasileiras), possibilita o amplo debates junto aos leitores (internautas), que podem manifestar suas opiniões, sem ter o condão de propaganda eleitoral para induzi-los em favor de certo candidato”.


Assim, resumiram que “i) os representados simplesmente veicularam no blog Conversa Afiada texto jornalístico de autoria de Sérgio Malta; ii) inocorre a circunstância de propaganda eleitoral, tratando-se de mera manifestação de pensamento de internauta, sendo o texto insuficiente para caracterizar propaganda eleitoral irregular; iii) igualmente despida de fundamento a representação baseada em insípida denúncia, tendo em vista que o candidato concorrente, José Serra, se assim tivesse entendido, teria protocolizado representação e exigido direito de resposta”.


Ao final, a defesa apontou “a ausência de relação fática entre o objeto da representação e a corepresentada Georgia”, esclarecendo que a representada Geórgia Cardoso Pinheiro não possui qualquer vínculo administrativo ou poder de gerência sobre a PHA Comunicação e Serviços S/C Ltda.


Em decisão monocrática, a representação foi julgada improcedente, por se tratar, na espécie, de sítio jornalístico que faz referências às campanhas eleitorais e, como tal, está acobertado pelo art. 220, § 1º da Constituição Federal.


O Ministério Público Eleitoral interpôs recurso requerendo a reforma da decisão singular e a procedência da representação. Argumentou, em síntese, que “o art. 57-C, §1º, I, não proíbe a veiculação de informação jornalística, por meio da internet, sem sítios eletrônicos de pessoas jurídicas, mas, tão-somente, veda a veiculação de propaganda eleitoral o que é totalmente diferente”.


O recorrente sustentou que “ainda que se tratasse de sítio eletrônico de empresa jornalística, não poderia ser veiculada propaganda eleitoral”. E, mais adiante disse: “não há como negar a qualidade de propaganda eleitoral [...] é indiscutível a intenção de pedido de votos à candidata Dilma Rousseff, assim como a colocação da candidata como a melhor escolha”.


Alegou que “não afasta a responsabilidade dos representados o fato de se tratar a propaganda de ‘pensamento de internauta, informação essa salientada na aludida matéria jornalística com a seguinte assertiva: ‘O Conversa Afiada reproduz e-mail do amigo navegante Sérgio Malta’, porquanto o site e seus titulares e mantenedores, por deterem o controle editorial do que é ou não nele veiculado, são responsáveis por toda e qualquer matéria recebida e reproduzida em sua página.” . E, por fim, afirmou ser irrelevante se a peça publicitária foi ou não disposta de forma permanente, pois certa a sua exibição no dia 8.10.2010.


Em contra-razões, os representados reafirmaram que “o blog Conversa Afiada, que possui como principal característica a interação com os leitores, sendo considerado na atualidade uma fonte indispensável de informação e entretenimento, ao divulgar na rede mundial de computadores textos jornalísticos de interesse nacional (eleições presidenciais brasileiras) possibilitou, ao contrário do alegado pela recorrente, o amplo debate junto aos leitores (internautas), que puderam manifestar suas opiniões, sem o condão de propaganda eleitoral para induzi-los em favor de certo candidato.”


Nas contra-razões, os representados reproduziram diversos comentários dos leitores que comentaram a matéria veiculada e fizeram referência aos fundamentos da decisão recorrida e aos argumentos apresentados com a defesa, pugnando, ao final, pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.



VOTO


Sr. Presidente,


Reitero os termos da decisão recorrida, quando afirmei:


O Ministério Público Eleitoral, a partir de denúncia formulada por particular,  aponta violação do art. 57-C, § 1º, I da Lei das Eleições que tem a seguinte redação:


Art. 57-C. Na internet, é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga.

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet, em sítios:

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;

[...]

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).


A regra desse dispositivo legal deve ser interpretada de acordo com a Constituição Federal que assegura, no art. 220, a liberdade de imprensa e garante, no inciso XIV do art. 5º, o acesso à informação.


Nesse sentido, considero que, para efeito da aplicação da vedação contida no referido inciso I, deve ser considerado se o sítio pertencente a pessoa jurídica exerce ou não atividade jornalística de forma predominante e, por isso, está envolto na proteção constitucional inerente a imprensa livre. Da mesma forma deve ser considerado se eventual propaganda é inserida para pura divulgação de seu conteúdo ou está incluída dentre as notícias e reportagens veiculadas pelo sítio.


No caso, o sítio www,conversaafiada.com,br é mantido e alimentado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, que, independentemente da preferência partidária que se lhe atribua, exerce atividade jornalística e fomenta o debate político.


Da mesma forma, a empresa PHA Comunicação e Serviços S/C Ltda. tem como objeto social: “a prestação de serviços de comunicação, jornalismo, marketing, editora de livros, filme e vídeos, portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet” (fl.28).


Relembro que, antes mesmo do Supremo Tribunal Federal, suspender a eficácia de incisos do art. 45 da Lei das Eleições, este Tribunal já havia afirmado que:


Propaganda eleitoral. Artigo 45, III e V, da Lei nº 9.504/97. Comentário em programa jornalístico.

1. Não malfere a disciplina da Lei nº 9.504/97 a opinião de comentarista político feito em programa jornalístico em torno de notícia verídica alcançando determinado candidato, partido ou coligação.

2. A liberdade de imprensa é essencial ao estado democrático e a manifestação dos jornalistas sobre determinados fatos, comentando as notícias do dia, embora subordinada à liberdade de expressão e a comunicação ao princípio da reserva legal qualificada, não pode ser confundida com o disposto no art. 45, III, da Lei nº 9.504/97.

3. Agravo regimental desprovido. (RP 1000, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 29.8.2006)


Vale dizer, não há irregularidade quando sítios da internet, ainda que de pessoas jurídicas, divulgam – com propósito informativo e jornalístico – peças de propaganda eleitoral dos candidatos. Com esse escopo, anoto que diversas páginas, ao longo de toda a campanha, divulgaram os jingles e a propaganda eleitoral dos candidatos nos rádios e na televisão. Essas divulgações, muitas vezes, foram acompanhadas de comentários sobre o conteúdo da propaganda, os rumos da campanha e as probabilidades de eleição. Igualmente, em diversas oportunidades, foram apresentadas novas idéias e criações sugeridas por profissionais de publicidade ou amadores interessados, como, aparentemente, ocorreu no presente caso.


Como se sabe, a liberdade de imprensa somente encontra limites nos termos contidos na própria Constituição que asseguram a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.


Por isso, considero, que a vedação contida no art. 57-C, § 1º, I, da Lei 9.504, ou seja, a vedação de veiculação de propaganda eleitoral, ainda que gratuitamente, em sítios mantidos por pessoas jurídicas não alcança as páginas mantidas por empresas jornalísticas, por força do que dispõe o art. 220, §1º, da Constituição Federal.


Além disso, verifico pela reprodução de fl. 5, que a imagem considerada como propaganda eleitoral foi incluída abaixo dos títulos de matérias jornalísticas. Ao seu lado, constam, em quadro menor, outros títulos, inclusive o relacionado com a imagem (Dilma ganhou. E para continuar a ganhar). A disposição da página lembra mecanismo utilizado em páginas assemelhadas: fotos de notícias se repetem e, clicando nelas, se chega à respectiva postagem. Não se trata, pois, de divulgação exclusiva e permanente de peça publicitária, como ocorre, por exemplo, com o banner localizado na parte superior da página que traz a propaganda da Caixa Econômica Federal.


Acrescento, agora, que não se trata, no caso, de saber se a peça apontada pelo Recorrente constitui ou não propaganda eleitoral. Ainda que se tenha como certa a caracterização de propaganda eleitoral na peça apresentada, o que diferencia a hipótese, é saber se ela foi veiculada com propósito informativo.


Relembro que no curso do período de propaganda eleitoral, além daqueles mantidos pelos candidatos, diversos sítios divulgaram informações sobre as peças publicitárias das respectivas campanhas e incluíram em suas páginas, por exemplo, os jingles dos candidatos, as inserções, os programas eleitorais, os banners e adesivo, etc.


Até mesmo as peças sobre as quais pendia análise judicial, por terem sido consideradas ofensivas ou irregulares pelos candidatos, foram exibidas pela imprensa eletrônica.


Reitero meu entendimento no sentido de que a referência expressa às peças de propaganda eleitoral dos candidatos ou mesmo sua reprodução, quando realizadas pelos órgãos de imprensa e jornalistas que possuem sítios, páginas ou blogs na internet, não se enquadram na hipótese do art. 57-C, I, da Lei nº 9.504/97.


A liberdade de informação é inerente à atividade jornalística e, como dispõe o art. 220, §1º, da Constituição da República, não pode sofrer restrições além daqueles previstas no texto constitucional.


No recurso, o Ministério Público Eleitoral alega que não afasta a responsabilidade dos representados o fato de se tratar a propaganda de ‘pensamento de internauta, informação essa salientada na aludida matéria jornalística com a seguinte assertiva: ‘O Conversa Afiada reproduz e-mail do amigo navegante Sérgio Malta’, porquanto o site e seus titulares e mantenedores, por deterem o controle editorial do que é ou não nele veiculado, são responsáveis por toda e qualquer matéria recebida e reproduzida em sua página.”


Com a devida vênia, é justamente em razão da matéria se referir a uma sugestão publicitária apresentada por um internauta que a divulgação deve ser considerada como divulgação de informação que, conforme noticiam as contrarrazoes, gerou posições favoráveis e desfavoráveis à proposta noticiada.


Não cabe, nem à Lei, nem ao Poder Judiciário definir qual matéria jornalística ou informação deve ser publicada e divulgada pela imprensa, seja ela escrita ou eletrônica. Os eventuais abusos que sejam cometidos no exercício da atividade jornalística devem ser apurados pelos meios próprios.


Voto, assim, no sentido de negar provimento ao recurso.



EMENTA

ELEIÇÕES 2010. PROPAGANDA ELEITORAL. INTERNET. PROIBIÇÃO. VEICULAÇÃO. SÍTIO. PESSOA JURÍDICA. EMPRESA JORNALÍSTICA. LIBERDADE DE IMPRENSA.


1. Não há irregularidade quando sítios da internet, ainda que de pessoas jurídicas, divulgam – com propósito informativo e jornalístico – peças de propaganda eleitoral dos candidatos.

2.A regra do art. 57-C, § 1º, I, da Lei nº 9.504/97 deve ser interpretada de acordo com a Constituição Federal que assegura, no art. 220, a liberdade de imprensa e garante, no inciso XIV do art. 5º, o acesso à informação.

3.A referência expressa às peças de propaganda eleitoral dos candidatos ou mesmo sua reprodução, quando realizadas pelos órgãos de imprensa e jornalistas que possuem sítios, páginas ou blogs na internet, não se enquadram na hipótese do art. 57-C, I, da Lei nº 9.504/97.

4.Eventuais abusos que sejam cometidos no exercício da atividade jornalística devem ser apurados pelos meios próprios.

5.Recurso a que se nega provimento.





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