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O que resta da ditadura ? Simplesmente tudo. Tudo, menos a ditadura

publicado 29/04/2010
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Assim começa notável ensaio de Paulo Eduardo Arantes – “1964, ano que não terminou”, no livro “O que resta da ditadura”, ensaios organizados por Edson Teles e Vladimir Safatle, da Boitempo Editorial.

 

Clique aqui para ler “Safatle, o STF se prepara para produzir uma catástrofe”.

Arantes se vale aí de uma frase de Tales Ab’Sáber, autor de um dos ensaios do livro.

Arantes retoma os ensaios deste livro que permite entender o que o Supremo vai escrever em mármore, quando formalmente perdoar os torturadores do regime militar.

Ele inscreve o Brasil nas “sociedades do desaparecimento”, onde há o “poder desaparecedor”.

Onde, como dizia Graciliano, “não há direito, nenhum direito”.

A abertura de Geisel e Golbery, segundo Arantes, foi, na verdade, a “contenção continuada”.

Ao contrário do que tentou provar um best-seller de generalidades, “1964 foi o verdadeiro ano que de fato não terminou. Um tempo morto, esse em que a ditadura não acaba nunca de passar”.

Arantes cita Jeanne Marie Gagnebin – também ensaísta do livro – que invoca Adorno, que estabeleceu um novo “imperativo categórico”: agir e pensar de tal forma que Auschwitz não se repita.

Arantes parece dizer: o Brasil não realizou o imperativo categórico – e permite que a ditadura se repita, como faz, nesse instante, o Supremo.

“As ruínas continuam crescendo até o céu”.

Arantes lembra o ensaio de Jorge Zaverucha: a Carta outorgada pela ditadura em 1967, como sua emenda de 1969 simplesmente continua em vigor.

Há na Constituição de 88 uma constitucionalização do Golpe de Estado.

O artigo 142 da Constituição estabelece que as Forças Aramadas podem dar um Golpe constitucional para acabar com a bagunça.

Arantes avança num ponto muito interessante.

Por que a ditadura não vai embora ?

Porque a elite não confia na democracia.

A elite precisa das Forças Armadas e dos torturadores do regime militar para garantir que o povão não vai “ultrapassar o limite”, “fazer xixi fora do penico” – (as expressões chulas são minhas – PHA).

FHC disse que ia acabar com o getulismo, mas, o que fez foi institucionalizar a exceção (*), a intervenção militar, para impor a ordem.

Diz Arantes: “seria trocar uma mistificação ideológica – o presumido verdadeiro fim da Era Vargas – por um equivoco conceitual: como não houve interrupção, da Lei da Anistia ao contragolpe preventivo Collor/Mídia, passando pelo engodo de massas das Diretas, a ideia de uma restauração não se aplica.”

“Normalizada a violência política – graças sobretudo à impunidade assegurada pela Lei da Anistia -, a ditadura redescobrira seu destino: o estado de emergência econômico permanente”.

(Que a urubóloga Miriam Leitão proclama todas as manhãs: o mundo vai acabar ! – PHA)

Arantes toca num ponto agudo, ao desmontar a arquitetura ideológica que instrui a prolífica obra do jornalista Elio Gaspari.

O jornalista editado pela Companhia das Letras pretende fazer a História engolir que Geisel e Golbery foram Washington e Jefferson da construção da democracia brasileira.

Veja, amigo navegante, o que diz Arantes, com muito mais substância do que este modesto blogueiro:

“ ... a narrativa de Elio Gaspari, segundo a qual Geisel e Golbery ‘ fizeram a ditadura e acabaram com ela’. A ideia dessa PROVOCAÇÃO DE ARQUIVISTA (a ênfase é minha – PHA) é impedir que se veja racionalidade onde não houve; ideologia em lugar da brutalização direta da política ... a imaginação desperta quando chegamos aos motivos que levaram os dois demiurgos a desmontarem sua criatura: ‘porque o regime militar ... ERA UMA GRENDE BAGUNÇA” (a ênfase é de Arantes).

A “grande bagunça” se pôde verificar na entrevista que Jarbas Passarinho concedeu a Maria Inês Nassif, no Valor.

“Bagunça”, como ?

Dizimar a direção do PC do B e estender a Guerrilha do Araguaia para legitimar e consolidar a exceção ?

Para concluir, com Arantes:

“Um primeiro regime de violência foi assim acionado num momento crucial da guerra contra a organização política das ‘pessoas comuns’, passando em seguir a lastrear as novas hierarquias sociais sem as quais não se reproduz o segundo regime de violência no qual ingressamos, um regime de acumulação sob dominação financeira marcado pela discricionariedade, pelo compadrio e pelo privilégio“.

Nesse ambiente pútrido, Arantes localiza:

“ ... a armadura do nosso estado oligárquico de direito, estando em plena vigência o sublime instituto do habeas corpus, desde que as conexões sejam boas. A rigor, a guinada rentista do capital encontrou a casa arrumada pela ‘bagunça’ da ditadura”.

“O golpe (de 64 – PHA) agiu e fechou esse círculo, que hoje continua a rodar”.

 

Paulo Henrique Amorim

(*) Sobre “exceção”, Arantes recomenda ler Giorgio Agamben, também editado pela Boitempo.