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O itinerário de Saturnino, um homem de esquerda

A democracia fica na esquerda!
publicado 27/06/2017
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​Saturnino Braga lança nessa terça-feira 27/VI, na Livraria Argumento, no Rio, na Rua Dias Ferreira, 417 , Leblon, a partir das 18h30, o livro "Itinerância".

É como diz ele no convite para os autógrafos, uma prestação de contas aos eleitores.

Saturnino foi prefeito do Rio perseguido pela Globo Overseas e o Governo Sarney, deputado e Senador.

O Conversa Afiada chegou a sugerir ao então presidente Renan Calheiros que colocasse uma placa na entrada do plenário do Senado:

"Senador, não seja canalha. Honre esse espaço. Aqui Roberto Saturnino Braga defendeu o povo!".

Como se sabe, a sugestão não foi aceita e os canalhas, canalhas, canalhas, na acepção de Roberto Requião e Lindbergh derrubaram uma presidenta honesta para colocar um ladrão no lugar, o único na História que será deposto por crime cometido no exercício do próprio mandato.

Diz Saturnino na contra-capa de "Itinerância":

"Fui um político de esquerda, toda a minha vida; o que é isto? Ser de esquerda hoje é confiar e apostar na democracia, na democratização crescente da democracia, na construção de um Estado cada vez mais democrático; mais profundamente democrático; enxergar e anelar o horizonte socialista pelo viés da democracia, aquele farol distante que baliza o caminho".

Em homenagem a Saturnino, o Conversa Afiada na íntegra o prefácio de "Itinerância", de outro mestre, Mauricio Dias:

Este livro escrito por Roberto Saturnino Braga, o itinerário de uma carreira política vitoriosa, cai como luva neste momento, os 15 primeiros anos do século 21, no qual a sociedade brasileira aplaude o ímpeto da Operação Lava Jato, iniciativa disposta a acabar com a corrupção no país sob a batuta do autoritário Sergio Moro, um magistrado disposto a pisar na lei para alcançar certos objetivos, indiferente aos balizamentos legais.

Os fins justificam os meios. Sendo assim, viva a Lava Jato e dane-se a democracia.

A ilusão na proposta destes justiceiros será sempre desiludida pelo irônico desabafo de Millor Fernandes diante da realidade brasileira: “Estou cansado de sentar à mesa com corruptos para atacar a corrupção”.

Saturnino Braga, ou simplesmente Saturnino, naturalmente entra neste relato como contraponto importante. É um dos poucos homens públicos honestos e sinceros em contraste com aquela multidão de suspeitos. Foi deputado federal, senador da República pelo Rio de Janeiro, prefeito carioca e vereador na capital.

Em nenhum destes postos enfiou as mãos no erário. E olhe que estamos diante de um cidadão com atividades políticas e administrativas para além de 50 anos. Sempre honestamente. Com esta disposição e coragem desafiou a cautela dos anjos. Isto mesmo.

Em qualquer recanto democrático deste velho e corrompido mundo tais entes espirituais nunca transitam pelos caminhos da política. Evitam os riscos de contaminação. Saturnino, um homem de fé espiritual muito própria, desafiou a cautela dos querubins e não cedeu. É caso exemplar.

Depois de cinco décadas, ou mais, ele deixou a vida pública sem sinais de queimadura e nem mesmo chamuscado. Nunca drenou o dinheiro público para causas próprias. Nem por isto, entretanto, invoca a sua ilibada conduta ao falar da política da qual tanto gosta.

Este político lidou bem com a política. Conhece dela as virtudes e os vícios. E a entende, além de outras razões, a partir da distinção proposta por Max Weber entre a ética da convicção e a ética de resultados: “Na política, é dominante a exigência de resultados em termos da satisfação e felicidade da sociedade, e o juízo da coletividade admite muitos desvios em relação aos ditames da ética, se necessários forem para a consecução destes resultados”, sustenta Saturnino Braga.

Assim descreve o desabrochar das sementes da corrupção absorvida, reproduzida e multiplicada muito facilmente em terras brasileiras. Sutil, sutil. Esta desvirtuação, no entanto, não é o maior dos nossos males. Deve ser combatida. Pode ser contida. Nunca, porém, extirpada.

A corrupção está inserida no contexto das sociedades capitalistas estimulada pela competição. Em algumas mais, em outra menos. Não é, no entanto, o principal problema do Brasil. Aliás, não é o foco de país algum. Muito pior do que ela é, por exemplo, o monopólio da informação capaz de bloquear o debate e reduzir tudo ao pensamento único. Assim o pensamento desigual fica restrito, condenado, a caminhar à margem do jogo imposto pelos limites e os interesses da mídia.

Pouco depois de entrar na vida política, em 1966, Saturnino enfrentou o problema. Deputado estreante, ele foi empurrado, pelos velhos lideres, para a incômoda condição de presidente da CPI chamada de Globo Time-Life. Uma picardia comum no Congresso. Não percebeu todas as razões pelas quais ninguém queria assumir a tarefa. Pagou caro. O desconhecido parlamentar projetou-se. Não se arrepende. Tem sido boicotado pelos veículos do império criado por Roberto Marinho. É uma denúncia que faz, comprova, e não pode ser excluída das páginas negras, ou marrons, da mídia brasileira.

Cada vitória eleitoral de Saturnino Braga, porém, significou igualmente uma derrota do “poderoso sistema Globo”. Ele se rejubila por isto.

No início dos anos 1980, Ulysses Guimarães esteve no Rio de Janeiro para lançar a candidatura de Saturnino Braga ao governo do Rio de Janeiro. Uma grande manifestação política. Saturnino conta que O Globo “deu metade da segunda página” para registrar a presença de Ulysses, mas, o nome dele, do candidato a governador, não mereceu uma linha.

Isso seria risível se não fosse lamentável.

Ao acompanhar Saturnino pelos muitos caminhos que percorre, entre os quais algumas angústias muito pessoais, são destacáveis as razões de outros bloqueios e ataques do jornalismo conservador a um político progressista. Sempre afirma e reafirma sua convicção e assim se explica: “Ser estatizante e ser sonhador são duas das principais características de um político de esquerda”.

Partidariamente foi por onde sempre andou. Lá pelas tantas escreve: “Sou brasileiro e gosto do Brasil”. O texto soa como um brado nacionalista. É o que ele é. Não se conforma com a dominação do Brasil. Sob o jugo norte-americano.

Este livro é uma grande lição sem as amarras da didática. O autor escreve o que pensa e o que sente, sem se incomodar com opiniões discordantes e sem incorporar a arrogância. Por isto não impõe. Propõe.

Saturnino Braga é marcado por invejável serenidade política. Ele, porém, não sufoca a coragem.

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