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Democracia sem povo não faz Ley de Medios

Judicializar a censura é uma forma de manter poder da Globo.
publicado 02/12/2013
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O CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, promoveu o debate “Ideias Online – Informação, Arte e Cultura Digital”, que faz parte de uma série de seminários sobre os desafios que surgem para o mundo da Comunicação com a internet.

No evento dessa segunda, dia 25, participaram os blogueiros Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.

Coube ao ansioso blogueiro, provocado por uma pergunta do mediador, o jornalista Pedro Alexandre Sanches, abrir a discussão.

Sanches perguntou o que levou a se aventurar – e ele foi um dos primeiros – na internet.

“Eu sempre tive a preocupação de dominar a tecnologia mais recente, para que eu não me tornasse profissionalmente obsoleto” – disse PHA.

“Nunca quis ser um jornalista de imprensa escrita, ou de televisão, ou de internet. Eu quero ser sempre um jornalista e, sobretudo, um repórter - que é o que eu sou”.

“Seja lá em que mídia for.”

Paulo Henrique leu um conjunto de números que, combinados, traçam um perfil do mercado de comunicação no país.

Disse o ansioso blogueiro:

“A TV aberta detém 65% do mercado de publicidade – isso, em 2012, foi o equivalente a 20 bilhões de reais.”

“Desses 65%, a TV Globo detém 80%. Se você levar em conta que a Globo tem rádio, jornal, revista e portal de internet, você vai perceber que a participação da Globo é muito maior do que 80% de 65%.”   

“De 2010 a 2012, o Governo Federal gastou 12 bilhões de reais em publicidade com a TV aberta, e a Globo ficou com 50% dessa verba.”

Segundo PHA, apesar de a audiência da Globo cair de 56% em 2004, para 42% em 2013, a Globo passou a ganhar ainda mais dinheiro.

(Esses dados foram extraídos de uma reportagem de André Barrocal, na Carta Capital.)

Com a crise da mídia escrita, a fatia da televisão no bolo da publicidade cresceu.

A publicidade na TV, comparada aos outros meios, só não cresceu mais do que a publicidade na internet – que, apesar do ritmo forte de crescimento, representa ainda uma fatia pequena do todo.

(Sobre a publicidade nos Estados Unidos, leia Aviso Fúnebre – missa de sétimo dia da imprensa escrita.)

Com isso, a Globo passou a receber mais dinheiro público, apesar de oferecer menos audiência.

“Em 2000, a Globo recebeu 370 milhões de reais, e em 2012 ela recebeu 500 milhões de reais do Governo Federal.”

O blogueiro lembrou ainda da denúncia do “Cafezinho”, que revelou a dívida da Globo com o Fisco: 1,2 bilhão de reais.

Ainda na divisão da publicidade, PHA observou que, apesar de a TV aberta ter 65% de toda a publicidade no país, o segundo maior recebedor de anúncios no Brasil não é a Record nem o SBT e tão pouco a Bandeirantes.

É o Google – que não paga Imposto de Renda no Brasil.

E o mais intrigante, prossegue o blogueiro, é que ao mesmo tempo em que o Google é o segundo maior recebedor de publicidade do país, ele é também uma das maiores agências de publicidade do Brasil.

“Cada vez mais o Google fecha e restringe o seu uso como mídia, e como instrumento de comercialização de anúncios, àqueles que estão registrados e certificados pelo Google para trabalhar.”

Na opinião do blogueiro, o Google é a maior ameaça hoje para a TV aberta.

“Eu costumo dizer no meu site que o Google vai googlar a Globo”, diz o blogueiro.

O Google vai receber publicidade, vai ser agencia de publicidade, vai oferecer conteúdo – como já oferece no YouTube – e, rapidamente, vai tornar o “business plan” da Globo inviável.

O Google e o Facebook, o Twitter, o acesso à TV via mobilidade vão tomar receita da Globo.

E ele não vai poder gastar mais R$ 400 mil por capitulo de novela.

Hoje, o que sustenta a publicidade da Globo são os eventos esportivos que detém com exclusividade: Copa, Brasileirinho e F-1.

É por isso que os tele-”jornais” da Globo se tornaram veiculo de merchandising da sua receita com eventos esportivos.

Embora, a F-1 seja, hoje, um retumbante fracasso.

Segundo PHA, restam à Globo dois pilares para se manter viva e, na medida do possível, encarar o Google: o BV “Bônus de Volume”, dinheiro que a Globo paga adiantado às agências de publicidade para segurá-las durante todo o ano – o que, em língua inglesa se chama de “kick back”, “suborno”.

O segundo pilar é o IBOPE, que, em breve, deverá enfrentar a concorrência de uma empresa alemã de peso, a GfK.

PHA lembra ainda que o BV entrou na linha de tiro com o Mensalão (o do PT), já que o STF entendeu que o Henrique Pizzolato cometeu crime ao pagar BV às agências de Marcos Valério.

Fato que, segundo o blogueiro, “só vale para o Pizzolato e para o PT”.

Da Globo o Supremo não cobrará (por enquanto) o BV que ela pagou – conforme demonstrou o Cafezinho - ao Marcos Valério.

E que paga todo mês às agências que veiculam publicidade da Caixa e do Banco do Brasil.

PHA tratou também do Marco Civil da Internet, projeto central para o futuro da Comunicação na rede.

O ansioso blogueiro destacou a importância da batalha que se trava no Congresso, nesse momento, em torno da “neutralidade da rede” – que foi defendida pela presidente Dilma Rousseff no Plenário da ONU.

Clique aqui para ler a entrevista com o relator do projeto, Alessandro Molon.

O conceito de “neutralidade” impede que o dono do duto – a empresa de telefonia e cabo – discrimine por volume de dados e, assim, cobre preços diferentes pelos diversos conteúdos: os grandes pagam menos e os pequenos pagam mais.

Clique aqui para ler entrevista com Sergio Amadeu sobre a “neutralidade da rede”.

PHA lembrou que, quando Bill Clinton renovou a indústria da telefonia e comunicação nos Estados Unidos, ele tornou a rede neutra.

Seu sucessor, George W. Bush, foi quem fez a vontade das telefônicas e retirou a neutralidade da rede.

O blogueiro lembrou também que, se prevalecer o desejo de parte significativa da Câmara dos Deputados, liderada pelo grande estadista Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a neutralidade pode cair do Marco Civil – e a internet brasileira será mais Bush que Clinton.

Outra lei fundamental para a Comunicação no Brasil, essa ainda longe de mobilizar o Congresso, é a Ley de Meios, que como bem lembrou o ansioso blogueiro, já vigora na Argentina e em boa parte do continente sul-americano, menos no Brasil.

Clique aqui para ler a entrevista com o professor Lalo Leal sobre a matéria.

PHA lembrou ainda que, moribundo, em alguma lata de lixo do Ministério das Comunicações, jaz o projeto de lei do ex-ministro Franklin Martins, feito sob encomenda do ex-presidente Lula, no final do 2º mandato.

O projeto do ministro Franklin, segundo Paulo Henrique, deve estar na mesma lixeira, sobre uma pilha de outros seis projetos de regulação da mídia feitos no governo FHC pelos ministros Sergio Motta e Pimenta da Veiga.

“Antes de morrer, o ministro Sérgio Motta cobrou do presidente FHC aprovar a lei. E  disse: ‘não se apequene’. Como se pode concluir, FHC se apequenou”.

Com o “apequenamento” de Fernando Henrique e a “PiGofobia” dos governos do PT, o mercado de comunicação de massa no Brasil segue regulado por uma lei de radiodifusão de 1963, quando havia, de acordo com PHA, 1 milhão de aparelhos de TV no Brasil – segundo o Censo de 2010, hoje em dia 95% da população tem TV em casa.

Lei essa, aliás, de 1963, assinada pelo grande presidente João Goulart que, como ressaltou PHA, só a assinou emparedado por um lobby dirigido pelos Diários Associados e o que derrubou uma sequência de 20 vetos presidenciais.

A operação foi liderada pela bancada da televisão, a serviço de Chateaubriand – o Roberto Marinho de então - e liderada pelo senador João Calmon – o Eduardo Cunha de então.

Sobre o futuro do jornalismo na internet, PHA acredita que ainda, e durante muito tempo, o PiG deve dominar a mídia digital brasileira, através de seus portais.

Segundo PHA, fato com o qual Luis Nassif concorda, falta grana.

“Os blogs precisam encontrar soluções para se financiar e crescer”, diz PHA: “informação é caro, precisa de gente, e de tempo de pesquisa. Opinião é dispensável, o indispensável é a informação”, diz PHA.

Outro problema é a insegurança jurídica. Nassif diz que espera um direito de resposta da Veja há cinco anos. “Para se ter uma ideia - diz ele - um colunista chegou a dizer que eu frequentava uma sauna gay”.

“Nesse meio tempo, troquei por engano o nome de uma juíza, em três meses estava condenado.”

PHA diz que, sem os recursos de que dispõe através de outras fontes de receita, como as palestras que ministra e seu trabalho na TV, jamais conseguiria arcar com as demandas jurídicas que tem. “Ou teriam me calado, ou eu estaria preso”.

PHA vaticina: “é preciso sangue-frio e nervos de aço” - leia a aba “Não me calarão” e contemple a “Galeria de Honra Daniel Dantas” - erigida sob o princípio “diz-me quem te processa e dir-te-ei quem és”.

Lembra que muitos outros blogueiros sofrem o mesmo tipo de assédio jurídico que ele e Nassif: Esmael, Lucio Flavio, Cloaca, Rodrigo Vianna, Azenha, Leandro Fortes e até Mino Carta é perseguido pelos vigilantes da “censura pelo Judiciário”.

PHA denuncia uma espécie de Justiça “kafkiana”, onde o processo se converte em punição – independente da sentença.

“Com o fim da Lei de Imprensa não sobrou nada que defenda o jornalista. Ficou um vácuo.

Só quem defende o jornalista é a Constituição, e para se proteger na Constituição é preciso chegar até o Supremo. Aí está o desafio: "ter fôlego e grana para o processo chegar ao Supremo.”

Apesar das dificuldades financeiras, Nassif defende que, com formas criativas de “gestão do conhecimento” é possível peitar o PiG.

“Me dê dez milhões e nós montamos um jornal investigativo melhor do que qualquer um aí”, diz Nassif.

Nassif acredita que ferramentas modernas de pesquisa e  meios de transparência é possível fazer jornalismo de qualidade: “Tá muito mais fácil de se fazer jornalismo hoje”, ele diz.

Ele dá exemplos: “na Satiagraha, nós (blogueiros) demos de dez neles (PiG)”. “Na história do grampo sem áudio do STF, com ajuda dos leitores, aquilo não durou 48 horas”.

“A bolinha de papel!” do Gilberto Freire com ï” (*), lembrou PHA, a blogosfera desmascarou em 24 horas.

Segundo Nassif, a forma como a mídia passou a atuar “ um partido” torna a grande imprensa menos competente.

Para Nassif, a guinada partidária da imprensa, que para ele tem seu ponto máximo na eleição de 2010, tem raízes nos EUA, na eleição de Obama.

Segundo ele, a grande mídia nos EUA, para se defender das mudanças tecnológicas que se avizinhavam “abriu mão de ter um candidato para se tornar ela própria um partido”.

Foi o que fez a Fox News de Rupert Murdoch contra Obama.

O mesmo teria acontecido aqui com o PiG contra o PT, segundo Nassif.

Nassif lembra que Obama venceu sem dar uma entrevista à TV e, quando chegou à Casa Branca, chamou os donos do Facebook, Twitter e Google para mostrar “o nascimento de uma nova era”.

Atônito, um senhor na plateia pergunta: por que no Brasil não se faz o mesmo? Por que o governo do PT continua a financiar a Globo?

Segundo PHA, “porque o PT tem medo da Globo.”

PHA lembra que Roberto Requião, quando governador do Paraná, cortou toda a verba de publicidade do Estado – pôs tudo em Educação – e, ainda assim, foi reeleito.

PHA lembra ainda que, Cristina Kirchner peitou sua Globo – Clarín - e ganhou.

“Se bem - diz PHA - que ela contou com recursos que nós não temos aqui. Ela contou com a Academia, que teve papel fundamental na concepção e defesa da Ley de Medios. Ela contou com os trabalhadores, que foram para porta da Casa Rosada, do Congresso e do Supremo exigir a Ley de Medios. Aqui, a CUT não vai para porta da Globo”.

Então, pergunta o mediador: “mas qual a diferença entre Argentina e Brasil? O que falta aqui?”

“Ah... aí eu recomendo a vocês  ver o filme Juan e Evita (Juan e Evita – Uma História de Amor – 2001). Vejam lá como Perón voltou ao poder nos braços do povo, com a Praça de Maio completamente tomada”, disse o ansioso blogueiro.

E continuou: “Aqui, como dizia o Mestre Raymundo Faoro, temos ‘democracia sem povo’.

E só numa ‘democracia sem povo’ é possível uma lei de radiodifusão de 1963 regular essa indústria até hoje”.



Murilo Silva, editor do Conversa Afiada