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Lula, Cerra e os metalúrgicos do ABC

Da empilhadeira, Lula foi para os ombros dos operários.
publicado 02/08/2015
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Caiubi Miranda, extraído do Jornal GGN:


Lula, Serra e os metalúrgicos do ABC, por Caiubi Miranda



Estávamos no auge da campanha de 2002, Lula e Serra na disputa da presidência.

Eu era, então, executivo de uma grande montadora de automóveis, então com mais de 20 mil empregados. Como toda multinacional, a montadora tinha uma regra rigorosa: não se envolver, pelo menos oficialmente, nas disputas políticas dos países onde atuava.  Pragmatismo de toda multinacional: se optasse pelo lado perdedor, corria o risco de ter seus negócios prejudicados pelo lado vencedor.

Num determinado dia, fomos procurados pelo presidente do sindicato dos empregados com um “pedido-quase-ordem”: Lula estaria na cidade daí a cinco dias e queria de qualquer forma falar com os empregados da fábrica. Explicamos ao sindicalista o que ele já sabia, a política internacional da empresa, a dificuldade operacional de executar o que ele queria, o custo de parar a linha de montagem num momento em que o mercado estava aquecido...  Numa montadora, parar a linha de montagem é pecado quase mortal.

O presidente do sindicato disse que Lula estava intransigente. Ou nós organizávamos o comício do Lula dentro da fábrica, na hora da troca de turnos – 16 horas – ou ele faria o comício na porta da fábrica, do lado de fora, e o pessoal que começaria a trabalhar às 16 horas atrasaria mais ainda.

Foi um corre-corre para tomar a decisão: ligações para a matriz, viagens a Brasília, reuniões, reuniões, reuniões... Finalmente um consenso: franquearíamos a fábrica para o discurso do Lula mas, se o Serra quisesse, daríamos a mesma oportunidade a ele.

O dia marcado era uma quinta-feira e toda a fábrica já fervilhava desde cedo. Um pouco antes das 16 horas o Lula chegou acompanhado de sua equipe de campanha e dos dirigentes sindicais. Mas, conforme combinado, só iria para o local do comício no horário marcado, nem um minuto antes.

E foi o que aconteceu: às 16 em ponto fomos para a Ala 4, um enorme galpão onde funcionava a linha de montagem, já paralisada naquele momento. Esperavam quatro mil operários, dois mil do turno que saía e dois mil do turno que começaria. A entrada do Lula foi triunfal: aplausos, vivas...

Lula subiu numa empilhadeira já previamente preparada e equipada com o sistema de som do sindicato e começou seu discurso: “Companheiros...” Fez uma retrospectiva rápida da vida dele como militante do sindicato, lado a lado com aquelas pessoas que o estavam ouvindo. As greves, as vitórias conseguidas... vez por outra reconhecia um operário no meio da multidão, o apontava e o chamava pelo nome: “Eu lembro que o Quinzito, que está ali, veio me procurar e me pediu para ir falar com a mãe dele. Ela estava com medo que ele perdesse o emprego por causa da greve...” O Quinzito era, então, ovacionado por todos.

À medida que o Lula falava, a emoção crescia no ambiente. Ao meu lado, muitos operários já estavam com os olhos marejados.  A voz do próprio Lula também começou a ficar embargada e, de repente, lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. A última frase que ele conseguiu falar foi: “E agora eu serei presidente do Brasil por causa de vocês...” e cobriu as faces com as mãos, chorando convulsivamente. Ele e as 4 mil pessoas que estavam ali, todos chorando de emoção. Inclusive eu e os outros diretores da fábrica.

Mesmo que viva 100 anos, acho que nunca vou sentir uma emoção tão forte como a que senti naquele momento. Aqueles quatro mil operários emocionados, chorando, gritando vivas...

E o evento terminou ali. Da empilhadeira, Lula foi para os ombros dos operários que cantavam o jingle da campanha: olê, olé, olá... Lula-lá.

Meia hora depois, a linha de montagem foi ligada e tudo voltou ao normal.

Ah! Sim.  Na semana seguinte os assessores do Serra foram até a fábrica para organizar a visita dele. Chamamos os diretores do sindicato para participar da reunião e eles aconselharam que o Serra nem se aproximasse da fábrica. O conselho deles foi ouvido.

Caiubi Miranda